O incrível poder de contar histórias

Qua, 22/09/2010 - 17:30

Em entrevista para o ICArabe, Maysoon Pachachi fala do filme “Câmeras abertas”, exibido na 5ª Mostra Mundo Árabe de Cinema e conta um pouco da sua relação com o Iraque.

Seu filme foi muito bem comentado pelo público. Você esperava por esse retorno?
Para falar a verdade, eu não sabia o que esperar porque o filme é longo, as pessoas geralmente precisam ler legendas e o tema trabalhado não é fácil. Mas estou muito grata pelos comentários do público. Cheguei a receber diversos e-mails bastante longos e reflexivos.

Por que fazer um filme com mulheres? Qual mensagem você quis transmitir aos público?

O filme seguiu um projeto fotográfico planejado não por mim, mas por Eugenie Dolberg, uma fotojornalista britânica. Foi ela quem decidiu incluir apenas mulheres no projeto. Isso ocorreu, em parte, porque ela queria mostrar histórias verdadeiras de iraquianos que não estão sendo ouvidos, mais especificamente as mulheres. A maioria dos meus filmes trata da vida de mulheres, não apenas sobre isso, mas em grande parte. Em todos eles me preocupei em descrever a experiência de vida das pessoas, para mostrá-las não simplesmente como vítimas, mas como verdadeiras seres humanos, vivendo, talvez, em circunstâncias muito difíceis. Nas minhas produções, procuro dar a chance das pessoas relatarem e se conectarem com o que estão vendo, pois, por mais dura que a vida de um povo seja, ele nunca se vê apenas como vítima. Acho que se você coloca os outros numa categoria geral, como vítimas, você não olha para eles  como pessoas iguais a você. É para isto que tento chamar a atenção. É muito importante nos reconhecer em outras pessoa, apesar das diferenças.

Você conseguiu concretizar a ideia que tinha inicialmente na cabeça ou o resultado acabou sendo diferente?
Comecei a filmar de forma bem aberta e tinha apenas uma ideia vaga do que iria acontecer. Eu apenas assisti, ouvi e filmei e, aos poucos, a estrutura e a história do documentário começaram a emergir. Havia uma estrutura cronológica desde o início, mas, claro, eu tive que achar o “drama” naquela estrutura. No fim, o filme mostrou como a arte pode ajudar as pessoas a recuperar suas vozes da ruína de seus mundos estilhaçados.

De onde surgiu a ideia de documentar esse projeto fotográfico?

Eugenie Dolberg, diretora do projeto, me perguntou se eu estaria interessada em documentá-lo. Ela não tinha orçamento para um filme, mas viu algumas das minhas produções, sabia que eu era um mulher iraquiana e achou que eu gostaria de fazê-lo. Eu aceitei.
 
Qual é  de fato o título do seu filme, “Nossos sentimentos tiraram as fotos: câmeras abertas Iraque” (Our Feelings Took the Pictures: Open Shutters Iraq) ou apenas “Câmeras abertas Iraque” (Open Shutters Iraq)?
Há uma pequena confusão porque primeiro o filme foi lançado como “Câmeras abertas Iraque” (Open Shutters Iraq), mas depois o título foi mudado para “Nossos sentimentos tiraram fotos: câmeras abertas Iraque” (Our Feelings Took the Pictures: Open Shutters Iraq), então esse segundo é o título real.

Cena de Open Shutters IraqQual foi a coisa mais importante que você aprendeu ou percebeu fazendo esse filme?
Eu aprendi sobre o incrível poder de contar histórias. Eu senti, quando estava filmando, que ouvir umas as outras estava ajudando cada mulher a cavar sua própria história, a perceber quem ela era realmente, o que sua vida tinha sido até então e ao que aspirava naquele momento. Foi como se o órgão com o qual você ouve a história dos outros não fosse seu ouvido, mas sua própria história.

Quando o livro “Câmeras abertas Iraque” será lançado? Também estará disponível no Brasil?
O livro já foi lançado uma versão bilingue árabe/inglês e exibe o trabalho escrito e fotografado pelas mulheres que aparecem no documentário. Foi publicado pela Trolley Books no Reino Unido (www.trolleybooks.com). O livro pode ser comprado pelo site.

Você nasceu no Iraque? Quando deixou o país?
Na realidade eu nasci em Washington, nos Estados Unidos. Meu pai era diplomata e estava vivendo lá na ocasião. Mas voltamos ao Iraque quando eu ainda era muito nova. Em função da profissão do meu pai, eu vivi muito tempo fora do país. Uma ano após o estabelecimento do regime Ba’ath, em 1969, meu pai foi demitido e teve que sair Iraque por razões políticas, não voltando por 34 anos. Isso, claro, também ocorreu com toda a minha família.

Hoje você vive em Londres. Que tipo de relação você mantém com o Iraque?

Vivo em Londres há bastante tempo, mas sou muito envolvida com o Iraque. Minha família mais próxima não está lá, mas eu tenho amigos e colegas. Em 1999, eu e um grupo de iraquianas e não-iraquianas amigas começamos, em Londres, a Act Together: Women's Action for Iraq (www.acttogether.org) (Agindo juntas: mulheres em ação pelo Iraque). Inicialmente a organização veio para protestar contra as sanções ao Iraque e, depois, contra a guerra. Continuamos envolvidas, tentando chamar a atençaõ das pessoas para a situação do país e suportar ações de mulheres por lá.  Em 2004, eu ajudei a fundar um centro de treinamento de cinema gratuito em Bagdá (www.iftvc.org). As circustâncias em que trabalhamos são muito difíceis, como você pode imaginar, mas nossos estudantes já produziram cerca de 15 documentários curtas-metragens, que têm sido exibidos ao redor do mundo, sendo que alguns foram premiados. Tenho muito orgulho dos estudantes, do seu compromisso e coragem. Para o futuro próximo, estou me empenhando em realizar um longa-metragem no Iraque. Estou trabalhando com Irada Al Jabbouri no roteiro. Ela é uma romancista e contista bastante conhecida em Bagdá e aparece no Open Shutters Iraq. (é a mãe da garotinha, Dima). Vamos começar a procurar fundos nas próximas semanas.

Como você vê o futuro do Iraque?

Eu não posso responder essa pergunta. Nada está claro. Eu fico desesperada em pensar sobre o que está acontecendo com o país e seu povo, mas eu tenho que me agarrar à crença de que, com o tempo, o desejo das pessoas por vida e a resistência física adquirida frente a toda destruição vão ajudá-las a refazer seu mundo e a tomar o controle de suas vidas. É tolo ser otimista em uma situação como essa, mas existe uma diferença entre otimismo e esperança.

Como é a indústria do cinema no Iraque? Qual caminho ela está seguindo?

Muitos jovens, em particular, estão realmente querendo fazer cinema, mas não há infraestrura no país, não há industria cinematográficaá. Aqui e ali filmes estão sendo feitos e aos poucos as pessoas estão sendo treinadas. A maioria dos filmes, neste momento, é de documentários. Isso porque a situação do país rende um bom material para se trabalhar em documentário, como se pode imaginar, e com uma câmera digital, é possível produzi-los mais facilmente. Já os filmes de ficção são mais raros, mas também estão sendo feitos. Neste momento, porque não há estabilidade ou segurança, a maioria dos filmes está tendo que ser feita com pressa. Seria bom ter mais calma para pensar e desenvolver ideias sobre cinema e para ter mais troca e suporte dos diretores ao redor do mundo. Isso seria muito útil.
 
Você já esteve no Brasil. Que impacto acha que seu filme causará nas pessoas do país?

Pela experiência que tive no festival do Rio de Janeiro, os brasileiros me pareceram abertos às experiências dos outros. Há um interesse em saber sobre o resto do mundo. Espero que meu documentário também desperte o interesse, pois acho que vão entender o que mostro ali.

Para saber mais sobre Maysonn Pachachi, visite www.oxymoronfilms.com