Encontro com cineastas revela as experiências de filmar no Oriente Médio

Qui, 09/09/2010 - 13:47

Na noite de quarta-feira, 8 de setembro, o CineSesc sediou o encontro de dois diretores brasileiros de cinema, Otávio Cury e Stela Grisotti, que contaram ao público presente suas experiências em filmar no Oriente Médio. A atividade fez parte da programação da 5ª Mostra Mundo Árabe de Cinema, realizada pelo Instituto da Cultura Árabe (ICArabe) em parceria com o Sesc São Paulo, Prefeitura Municipal de São Paulo e Casa Árabe da Espanha.

O encontro foi mediado por Soraya Smaili, diretora Cultural e Científica do ICArabe, e ocorreu após a exibição do documentário “A chave da casa”, de Stela Grisotti e Paschoal Samora, sobre o qual a autora falou. A produção registra, em 2008, as últimas 48 horas de um grupo de palestinos no campo de refugiados de Al-Ruweished, numa fronteira incerta entre o Iraque e a Jordânia, antes de partir para o Brasil, e retrata nove meses depois o início da adaptação no novo país. São crianças, idosos, mulheres e homens que foram obrigados a fugir do Iraque após a invasão comandada pelos Estados Unidos, em 2003.

Já Otávio Cury explanou sobre o documentário “Constantino”, ainda em processo de produção, no qual ele conta a descoberta da obra de seu bisavô, Daud Constantino Cury, poeta e um dos primeiros dramaturgos sírios. O filme está sendo realizado na Síria e no Líbano com o apoio do ICArabe.

Em Al-Ruweished

Stela GrisottiSegundo Stela, foram muitas as dificuldades para chegar ao local onde está o campo. “Mesmo sem a certeza de que conseguiríamos as autorizações necessárias dos governo envolvidos, compramos as passagens. A permissão chegou uma semana antes da viagem”, disse ela. A diretora contou que durante a viagem a bagagem com os equipamentos de filmagem foi desviada e seguiu para Beirute, no Líbano. “Por causa disso, tivemos que esperar mais uns dias para iniciar as entrevistas”. Além disso, o campo ficava em uma lugar afastado e desértico, hostil, sem hotéis e mercados próximos. “Al-Ruweished estava em ruínas, era assustador. Foi difícil até encontrar comida. Estávamos com pouco dinheiro, já que inicialmente havíamos conseguido patrocínio para realizar um filme no Brasil e não no Oriente Médio”, lembrou. Para tornar o trabalho ainda mais árduo, a intérprete brasileira, que faria a tradução do árabe para o português e vice-versa, teve que deixar o local para ajudar uma família de refugiados no Iraque. “Não falávamos uma palavra de árabe. O que nos restou foi tentar nos comunicar com aquelas pessoas de alguma maneira. Então falávamos uma palavra em inglês, algo que alguém ali pudesse entender, e eles relatavam em árabe assuntos relacionado ao tema. Só fomos descobrir o que havia sido dito, três meses depois, quando fizemos a tradução no Brasil. E foi emocionante”, explicou Stela. A diretora ressaltou ainda que, apesar de terem solicitado diversas vezes, a Organização das Nações Unidas (ONU), não auxiliou a equipe de nenhuma forma.

“Foi uma experiência única, nunca imaginei estar ali e de repente eu estava”, disse. Segundo ela, os refugiados estavam vivendo no campo há cinco anos e nenhum país havia aceitado recebê-los. Durante este tempo eles viveram de forma precária, em tendas, praticamente como prisioneiros. Para irem ao hospital, eram algemados. Cerca de um mês antes da chegada de Stela, Paschoal e sua equipe, as famílias receberam a notícia de que iriam para o Brasil. “ A expectativa deles era bastante positiva, mas infelizmente a realidade que encontraram aqui e que ainda vivem é extremamente complicada e difícil”, afirmou.

Na Síria

Otavio CuryOtavio Cury contou que em uma viagem para a Síria, em 2007, descobriu, por acaso, que seu bisavô era um artista extremamente reconhecido no país, em fins do século XIX. “Tive acesso a um livro de 500 páginas escrito por ele, todo em árabe, mas eu não entendia nada, pois não falo o idioma”, contou. A partir daí, ele decidiu fazer um documentário sobre o assunto. De volta ao Brasil, procurou fazer a tradução dos textos e, em 2008, conseguiu recursos a viagem e início das filmagens. “Antes de ir, tentei fazer contatos com produtoras e pessoas na Síria, mas não obtive nenhuma resposta. Cheguei no país sem nada e então entendi que lá, nada é resolvido por e-mail ou telefone. É preciso ir pessoalmente e falar dez vezes com cada pessoa para conseguir algo”, ressaltou. Outra dificuldade destacada pelo diretor foi a necessidade de autorizações que o país impõe para que se possa filmar os locais públicos. “ Na Síria, não se pode tirar uma câmera da bolsa e sair filmando pela rua. Solicitei essas autorizações quando ainda estava no Brasil, como tinha que ser, mas a Síria não mandava. Tivemos que pedir auxílio para a embaixada brasileira naquele país. No fim, conseguimos doze autorizações, mas elas não foram suficientes, então acabei filmando coisas que teoricamente não podia, mas poucas vezes fui parado pela polícia”.

Otávio acredita que o fato de estar fazendo um filme sobre um personagem sírio, que, segundo ele, ainda é vivo naquela cultura, ajudou que conseguisse as autorizações e resolvesse dificuldades que encontrou pelo caminho. “Eles eram simpáticos ao tema do documentário. Me viam como um deles. Estava claro que a intenção não era falar mal do governo da Síria”, explicou.

De acordo com ele, a Síria mantém, principalmente em Damasco, onde há uma tradição religiosa maior, uma espécie de controle social. “Há um ranço de décadas passadas. É uma questão histórica. As respostas para se entender o Oriente Médio atual não estão nos últimos dez anos. É preciso ir mais longe. Para fazer o filme estudei muito, inclusive para compreender o que meu bisavô falava em seus textos”, disse Otavio.

A previsão é que o filme seja exibido no Brasil no segundo semestre de 2011.