"Na Europa, muçulmanos são os inimigos número 1"

Sex, 07/04/2006 - 00:00
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Na entrevista que deu ao Icarabe em São Paulo - veio apresentar seu filme no festival ‘É Tudo Verdade’, a diretora fala da sua relação com a Palestina, para ela, uma questão que se transformou em algo mais que a luta por um Estado impedido de existir. Agora é uma questão global. “Quando vejo um sueco que não tem nada a ver com a Palestina, e ele vai lá e pára na frente de um tanque israelense e grita para os soldados israelenses, me arrepio. É como a guerra civil espanhola, em que várias pessoas iam e tentavam ajudá-los”. Lina também falou sobre as visitas que faz a Nablus todos os anos, como o conflito na região é visto na Europa e como os árabes e islâmicos, e sua cultura, são tratados na Europa. Icarabe: Na idéia que dá origem a seu filme, você tinha uma fascinação maior pelo personagem ou um interesse maior pela questão palestina em si? Lina Makboul: Acho que queria tentar contar meu lado da história palestina, mas através da vida de Leila, porque ela nasceu em 1944 e deixou a Palestina em 48 quando estabeleceram o Estado de Israel. Ela se envolveu bastante na guerra dos Seis Dias e depois disso, quando toda pessoa árabe ao redor do mundo não conseguia entender como Israel pôde ganhar uma guerra em seis dias, ela percebeu que precisava usar violência para recuperar o seu país. E acho que 48 é um ano ao qual você deve se referir quando fala sobre a história palestina, e depois 67, e daí em diante. Acho que conto a história palestina através desse filme. Icarabe: Você é de uma geração que nasceu fora da Palestina, na Europa, na Jordânia, ou no Líbano. Que tipo de laços você tem com a Palestina, diferente dos que têm seus pais? Como esta geração que nasce fora da Palestina olha para a questão palestina? Lina: Essa é uma questão muito difícil porque, para mim, sinto que tenho dois países, Suécia e Palestina. Eu vou para a Palestina quase todos os verões, já vivi sob a ocupação, gritando para soldados israelenses e eles gritando de volta. Para mim, um Estado palestino é muito importante, é um sonho que tenho e que muitos palestinos na minha idade têm, mesmo que eles vivam na América, no Brasil, ou onde seja. Mas claro que as dificuldades, quando você fala com meus pais e as pessoas na idade deles, é que eles falam desse sonho da Palestina, que na Palestina o sol sempre está brilhando e que todas as árvores são muito bonitas, e que as flores e tal. Mas quando pergunto para eles ‘como vocês querem que o Estado palestino seja? Devemos ter uma democracia ou uma ditadura?O que vocês querem?’, eles não sabem como responder e acho que é isso que me assusta mais, o que vai acontecer se conseguirmos um Estado palestino, como esse Estado vai ser. Acho que há tanto rancor e ódio naquela parte do mundo que será muito difícil atingir um Estado democrático ou alguma coisa desse tipo. Icarabe: Mas um desligamento desses descendentes dos problemas da região não seria uma vitória de Israel? Lina: Acho que há muito ativismo para a Palestina por toda a Europa, não sei como é aqui, acho que aqui também. As pessoas se encontram e demonstram ser contra a ocupação e pedem ao governo sueco para dizer a Israel que não estão seguindo os direitos humanos e as resoluções da ONU. Mas entendo o que você quer dizer, porque acho também que há gerações de palestinos que estão crescendo e eles não sabem ‘merda’ a respeito de seu país. Não sabem nada e eles nem vão para lá. E isso é triste, porque acho que todos os palestinos deveriam saber o que acontece no seu país. Icarabe: Como você olha para a vitória do Hamas, não só no aspecto político e das linhas que pode seguir, mas também socialmente, especificamente sob o ângulo dos anseios das pessoas que votaram no Hamas e o que esperam do partido? Lina: Quando o Hamas ganhou eu fiquei muito chateada, pois não queria que minha Palestina se tornasse um Irã. Liguei para a Cisjordânia e falei com primos, que são muçulmanos, e com amigos, que são cristãos, e todos eles votaram pelo Hamas e eu pensei:‘por quê?’. Eles disseram que não era porque eram religiosos ou porque pensavam que o que o Hamas faz seja a coisa certa, mas porque tinham que mostrar que a corrupção não é o que queriam. Para essas pessoas, votar no Hamas é fazer perceber aos outros que eles devem lidar com a corrupção. Então, fazer o Hamas ganhar é esbofetear todos os outros na cara. Mas acho também que o Hamas não vai durar muito, pois não é como no Irã, acho que vai perder poder. Icarabe: E o que surgiria a partir daí? Lina: Infelizmente, acho que a Fatah vai voltar. Icarabe: E outras alternativas, como a Iniciativa Palestina, partido de Mustafá Barghouti e fundado por Said? Lina: Não é tão grande, é muito, muito pequeno. Icarabe: Mas pode virar uma força? Lina: Isso seria um sonho. O que percebo com esse conflito, há uma frase da primeira-ministra israelense Golda Meir. Uma vez ela disse: ‘Você não deve ter medo do árabe. Mas quando você vê um árabe em pé, em uma fila para pegar um ônibus, então você deve ter medo’. E esse é nosso problema, nós temos muitos partidos na Palestina, mas nenhum quer ajudar outros partidos ou se comprometer e falar um com o outro, então não haverá um sistema que pareça com democracia. Há cinco, quatro ou cinco, partidos de esquerda na Palestina, mas eles não se juntam em um partido ou uma frente, um vai para um caminho e o outro para outro, pois há ciúmes e corrupção e parece que são melhores que tudo. Icarabe: Como é o conhecimento sobre a questão palestina na Europa? Lina: Eles sabem bastante. Na Suécia, temos um primeiro-ministro, Olof Palme, que foi morto e ninguém resolveu o assassinato ainda. Ele foi contra o Vietnã, foi e apertou a mão de Arafat quando Israel e os Estados Unidos disseram para que não fizesse. E seu ministro de exterior também era bem radical. Ele ia até a Cisjordânia e todas as câmeras se voltavam para ele e ele dizia: ‘isso é o inferno, o que os palestinos vivem é o inferno, o que os israelenses fazem é o inferno’. E ele ficou muito famoso. Infelizmente, um foi assassinado e o outro está muito doente e muito velho. Agora, temos um governo na Suécia que faz basicamente o que Israel e os Estados Unidos querem que ele faça na política externa. Mas nós, os suecos, estamos cientes do que acontece em Israel e na Palestina. Mas o que percebo também é que na Europa e na América, e em outras partes do mundo, esse é um conflito sobre o qual se fala em qualquer noticiário, sempre se fala dele, mas se você perguntar para as pessoas como o conflito começou, sobre o que ele é, as pessoas vão dizer que não podem responder, ou então dizem: ‘não sei, acho que é religioso’. Outras pessoas vão dizer que os assentados são palestinos. Como podem dizer isso?! Na Europa, é difícil falar sobre o conflito palestino-israelense, pois quando você critica Israel, podem se referir a você como anti-semita por criticar o Estado de Israel. Se eu digo que o regime de Israel é fascista, você não pode dizer que sou anti-semita, mas eles vão dizer que você é. Na Europa, ainda há sentimentos de culpa pelo que fizeram na 2ª guerra mundial, quando deixaram os alemães fazer o holocausto. Ainda está lá. Por exemplo, no noticiário, você não escuta a palavra ocupação, dizem a ‘área militar israelense’. Havia algumas balas que os soldados israelenses usavam chamadas balas ‘dum-dum’, que eram de borracha e dentro delas havia uma bala de verdade. Então quando atirava nas pessoas ela se partia e atingia todo o seu corpo. Então as pessoas diziam, ‘é só borracha, não é uma bala de verdade’. E eu dizia, mas como você pode dizer isso? Eu vejo o que as balas estão fazendo. Mas as pessoas estão com medo, elas não podem usar as palavras certas para dizer o que está acontecendo lá. Icarabe: Você disse que se sente tanto uma palestina como sueca. Como essa parte árabe é tratada na Europa? Como as pessoas olham para os imigrantes e descendentes e sua cultura? Icarabe: Temos bastante racismo. O racismo na Suécia ou na Europa não é contra os judeus ou outras pessoas, mas contra os muçulmanos, sejam árabes ou africanos, é o inimigo número um em toda a Europa. Eu só posso falar pela Suécia, mas quando fui para a escola na Suécia ninguém me falava sobre a cultura árabe, o que os árabes fizeram na Espanha, em Granada, o que eles construíram e o que inventaram, a matemática e os números, ninguém me dizia isso. Eles me contavam outras histórias. Então, as pessoas não sabem, eles pensam que os árabes são pessoas primitivas que só podem gritar ‘al-alkba’, e que batem nas suas mulheres, e que se casam com quatro pessoas, que eles têm muitos filhos, e daí em diante. Em geral, são terroristas, isso é o que pensam a respeito. Não digo que todos sejam assim, mas certos jornais na Suécia, na parte da opinião, são muito racistas. Em muitos jornais você pode ter uma pessoa dizendo que todos os muçulmanos são primitivos, fanáticos e racistas e tudo que eles querem fazer é matar os ocidentais e fazer um mundo muçulmano. Eles escrevem isso e ninguém diz nada. Mas se eles escrevessem isso a respeito dos judeus, haveria uma guerra na Suécia. E o problema é que temos muita segregação no país. Os estrangeiros vivem em um lugar e os suecos em outro. Eles não se encontram, eles não falam um com ou outro. E quando você vive assim, você não sabe o que eles pensam e eles não sabem o que você pensa. Por exemplo, aqui no Brasil. Venho para cá e falo com os brasileiros, pergunto sobre as favelas e a maioria das pessoas com quem conversei não sabe nada sobre as favelas. Acho que sei mais do que a maioria dos brasileiros. Icarabe: Como se tivéssemos nossos próprios ‘territórios ocupados’? Lina: Sim Icarabe: O país que menos tem informação sobre a ocupação é Israel e como isso é um problema para o conflito? Lina: Tenho amigos israelenses e quando digo o que acontece nos territórios ocupados, eles não acreditam. Então digo, ‘venham comigo’. E eles têm medo, eles não vêm. Icarabe: Você pensa em fazer outro trabalho que tenha relação com a Palestina? Lina: Fazer esse filme foi muito difícil para mim. O conflito palestino significa muito. Era assim: ‘eu tenho que fazer alguma coisa e isso é o que eu faço pelo meu país’. É assim que quero contar a história de meu país. Acho que será difícil fazer outro filme. Talvez em alguns anos, mas agora não posso pensar nisso.