Uma experiência entre a população núbia do Egito

Seg, 04/12/2006 - 00:00
Publicado em:

Icarabe: Você fez sua primeira viagem ao Egito em março, três meses antes de levar adiante seu trabalho. Por que essa ida ao Egito? Dominika Debska: Eu sempre quis ir ao Egito, ver as pirâmides, o Nilo, um clima quente, pois eu vivia em Londres na época e queria ir a um lugar quente. Eu já havia estado no Marrocos e estava interessada na cultura árabe, que é muito interessante. Então, resolvi passar duas semanas no Egito. Icarabe: E por que resolveu voltar? Dominika: Na primeira viagem, encontrei amigos, entre eles Abdul, que era núbio. Nesse encontro, estava no faluka, um dos barcos que são usados para descer o Nilo, e passamos uma noite lá. Eu realmente gostei, gostei do rio, das árvores, era muito pitoresco, muito romântico. Então fiquei com essa idéia, de que eu queria voltar, passar um tempo maior lá. Perguntei a Abdul, que foi muito amigável, perguntei se poderia voltar e passar um tempo maior por lá. Ele disse que sim. Então pensei que, quando voltasse, poderia ficar em um hotel na cidade. O que eu queria mesmo era ficar nos vilarejos, mas se fosse um problema, poderia ficar em um hotel na cidade e visitar os vilarejos. Quando voltei, encontrei-o e fui muito bem-vinda. Através dele, conheci seus amigos e família e eles fizeram com que me sentisse muito à vontade. Pediram que eu ficasse, deixaram-me ficar em suas casas. Daí, dois meses passaram muito rápido. Icarabe: Por quais cidades passou? Dominika: As fotos eu fiz em Aswan. Ali há vilarejos núbios na margem ocidental do Nilo na altura de Aswan, ao sul do Egito, em direção à fronteira sudanesa. A maior parte das fotos é de lá. Há também algo do Cairo. Icarabe: Como foi a convivência nos vilarejos. Que tipo de expectativa você tinha quando partiu de Londres e, depois, o que ficou das relações que manteve no sul do Egito? Dominika: Pensava que iria visita-los e dizer ‘como vão?’. Mas eles me fizeram sentir muito à vontade. Eu estava muito curiosa sobre eles, mas eles também estavam curiosos sobre mim. Eu era a única estrangeira na vila, eu me destacava, pois era diferente, era óbvio que eu não era de lá. Então eles queriam saber quem eu era. Era um pouco mais difícil me comunicar com as mulheres, porque o inglês delas não era muito bom. Os homens trabalham com os turistas, então era mais fácil falar com eles. Então, tive que aprender um pouco de árabe para tentar falar com as mulheres. Eu me saí bem, eu aprendi um pouco, como ‘você á casada?’, ‘você tem filhos?’. E eles acabaram se acostumando comigo por perto. No começo, parecia uma turista com a câmera, mas eventualmente eles se acostumaram e esqueceram, pararam de se importar. Pude tirar as fotos. Principalmente das crianças, eram ótimas. Elas eram muito curiosas, como as crianças são. E eles eram muito amigáveis e de mente aberta. Nós ficávamos juntos, nadávamos juntos. E eles desejavam muito ser fotografados, pois eles esquecem que você está com a câmera depois de cinco minutos. Icarabe: Sobre quais assuntos conversava com eles? Qual a maior curiosidade que eles tinham a seu respeito? Dominika: Eles queriam saber se eu era casada e por que eu não era. E por que eu não tinha filhos. Pois isso, na comunidade deles, é muito importante, a questão dos filhos e do casamento, as coisas giram em torno disso. São rituais que marcam as vidas das pessoas. Casamento principalmente é muito importante. Eles não podiam entender por que eu não era casada ainda e por que eu viajava sozinha, como se quisessem saber como era permitido. Para algumas mulheres, isso era ótimo, mas outras ficavam surpresas. Acredito que seja algo totalmente diferente do que nós vemos. Mas pelo que pude ver, eles têm um grande sendo de comunidade, muito mais forte do que qualquer coisa que nós tenhamos ou vivamos. Digo isso em minha cultura. Pessoas se vêem umas às outras todo o dia, passam muito tempo juntas, eles têm tempo para a família. Icarabe: Ao estruturar o trabalho, que coisas você percebeu que eram importantes destacar? Dominika: A comunidade, a conexão deles com a água, com o rio, pois tudo ali é sazonal. Eles cultivam frutas no verão e outras plantações no inverno. E navegam no Nilo também. Nos meses mais amenos, mais turistas vêm e eles ficam mais ocupados. Os casamentos também acontecem nos meses do verão, nos dois ou três meses do verão. Fotografei os vilarejos, o dia-a-dia, e retratos, o quanto pude. Icarabe: Cada vez mais, as formas de vida que se consolidaram, no ocidente principalmente, procuram se tornar hegemônicas, destruir e se impor sobre outras formas de organização social. Como você enxergou isso no caso núbio? Dominika: Esta comunidade, os núbios em particular, é muito resistente. Acredito que eles se mantêm muito bem às mudanças, muito bem. Fiquei surpresa que eles existissem. É uma cultura tão antiga, ainda que sejam pequenos, mas incrivelmente vibrantes. Talvez isso aconteça porque eles vivam em meio a essa cultura dominante egípcia, no meio da qual eles fazem sua própria música, móveis, barcos, casas. Mas entendo o que você quer dizer. Seu modo de vida está desaparecendo de alguma forma, entre outras coisas com a entrada do turismo. Icarabe: Há muito turismo na região? Dominika: Sim. Costumava haver mais, mas depois do 11 de setembro o movimento diminuiu. E por um outro lado, para eles isso é ruim. O turismo, por um outro lado, é uma grande fonte de dinheiro muito importante para eles. Icarabe: Como você percebeu a inserção da cultura núbia na cultura egípcia? Eles têm uma cultura própria muito diferenciada ou estão mais integrados à essa “cultura dominante do Egito”? Dominika: Eles são islâmicos. Eles foram cristãos há tempos atrás, mas depois houve a influência do islamismo. Há uma mistura muito interessante, há rituais pré-islâmicos, mas eles também têm características islâmicas também. Eles rezam de forma muito tradicional de acordo com o islamismo. Icarabe: Como os egípcios olham para essas comunidades núbias? Dominika: Acho que eles escolhem excluir-se mais do que são excluídos. Li em algum lugar que sua melhor chance de sobrevivência é não envolver-se muito na cultura egípcia “mainstream”. Eles têm seus próprios conselhos, eles não precisam ir até a polícia egípcia, eles têm seu próprio sistema de segurança. Eles mantêm-se para si mesmos. Muitos núbios vivem no Cairo, a trabalho, a maioria são homens e alguns levam a família. Outros vão para a Arábia Saudita, isso está cada vez mais comum. Outro problema é que muitos estão sendo deslocados pela construção de barragens, da barragem de Aswan, que foi construída em grande parte em terras núbias. Então foram relocados. Os núbios foram sacrificados no Egito. No entanto, as comunidades nas quais fiquei não foram afetadas.