Obra de Gamal Ghitany é lançada no Brasil com tradução de Safa Jubran

Sex, 10/05/2013 - 10:40
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“O Chamado do Poente”, do grande sábio das letras árabes, Gamal Ghitany, acaba de ser lançado pela Editora Estação Liberdade. Traduzida diretamente do árabe por Safa Jubran, a obra convida o leitor a uma jornada mística e erótica pelo deserto.

O livro narra a história de um velho habitante do Cairo, que acorre um dia ao país do poente levando consigo uma extraordinária história de errância, de revelações e de imposições divinas; logo o sultão ordena que um de seus secretários registre em detalhes seu relato místico e emocionante.

Tudo começa em sua morada no Egito, na noite em que Ahmad Ibn-Abdallah ouve uma voz misteriosa dizendo-lhe: “Parta!”. O chamado ordena-lhe que siga sempre em direção ao poente, e, quanto mais a voz ecoa, mais Ahmad deixa para trás seus entes queridos e tudo o que havia construído.

Tem então início uma jornada de autoconhecimento e reflexão, na qual o estrangeiro se deparará com personagens enigmáticos, desafios extraordinários e as mais inesperadas experiências. Aprenderá a arte da navegação no deserto com a caravana de Hadramawti, a descoberta do amor num oásis negligenciado pelos mapas, a força enlouquecedora do poder no fabuloso Território das Aves, a experiência caótica do povo dos bastões. Caminha sem bagagem alguma, mas adquire alguns pertences ao longo do caminho: uma caneca, um pequeno odre de couro e três livros — um deles muito misterioso, com páginas em branco.

Viagem rumo ao desconhecido que alia mistério a erotismo, seriedade a humor e a tradição narrativa das Mil e uma Noites ao romance contemporâneo, o conto de Gamal Ghitany é, ao mesmo tempo, uma sátira aos regimes políticos do mundo árabe, uma meditação sobre a vida humana e um hino à beleza do mundo (leia trechos abaixo).

“O Chamado do Poente” é mais um grande lançamento da literatura árabe no Brasil, após o "Livro das Mil e Uma Noites", traduzido pela primeira vez do árabe para o português por Mamede Mustafa Jarouche, e
"Poemas", do sírio Adonis, com tradução de Michel Sleiman, ambos lançados em 2012.

Para a tradutora Safa Jubran, houve um despertar de interesse dos editores brasileiros para com a literatura árabe. “O que temos hoje a meu ver é uma vontade de conhecer esta literatura que até o pouco tempo, quando existia, era traduzida indiretamente. Hoje temos as traduções diretamente do árabe.”

Sobre Gamal Ghitany

Nascido em 1945, no Alto Egito, de família modesta, o escritor mudou-se para o Cairo ainda criança, e o antiquíssimo bairro de Al-Gamaliya seria tema recorrente de sua obra. Publicou sua primeira coletânea de contos aos 14 anos. Estudou artes e com 17 anos já trabalhava como desenhista de tapetes. Ingressou aos 23 no mundo jornalístico e cobriu como correspondente de guerra grandes conflitos do Oriente Médio, como as três guerras entre Israel e os países árabes. Publicou cerca de 30 obras e se estabeleceu como um dos grandes romancistas e homens de letras do Egito, buscando inspiração na cultura árabe clássica e no sufismo. Em 1980, recebeu o prêmio nacional de literatura do Egito, e em 1987, foi nomeado na França Chevalier des Arts et des Lettres. De 1993 a 2011 foi editor-chefe da Akhbar Al-Adab [Notícias culturais], a mais importante publicação literária do país. Entre suas principais obras estão as inéditas no Brasil “O misterioso caso do beco Zaafarâni”, “O livro das iluminações” e “As poeiras do desaparecimento”.

Sobre Safa Jubran

Livre-docente pela Universidade de São Paulo e professora do Departamento de Letras Orientais da mesma instituição, pesquisa literatura, filologia e linguística árabe e é membro do conselho do periódico Circumscribere. Entre suas traduções estão “Tempo de migrar para o norte”, do sudanês Tayeb Salih; “Porta do Sol” e “Yalo, filho da guerra”, do libanês Elias Khoury; e “Eu vi Ramallah”, do palestino Murid Barghouti.

Trechos do livro

 “O desvalido diante de Deus, rogador de Seu perdão, buscador de Seu afeto, Ahmad Ibn-Abdallah Ibn-Ali Ibn-Awad Ibn-Salâma, Aljuhani, Assaîdi, nascido no Cairo em terras do Egito, disse que sua saída de sua pátria se deu na quarta-feira, no nono dia do mês de maio, há quarenta e cinco ou talvez cinquenta e cinco, ou quem sabe há setenta e cinco anos. Aconteceu há tanto tempo que a coisa fica confusa, precisá-lo é difícil, determiná-lo e compreendê-lo é complicado!”

“Enorme é o poder da intenção sobre os atos, diziam os sábios. Um homem pode caminhar uma hora e é possível que a fadiga o alcance antes de completá-la; em contrapartida, se decidir atravessar uma distância de dez horas, talvez só comece a se sentir cansado ao cabo de sete ou oito horas. O corpo se adapta às intenções, aos desejos do seu dono, dizia o hadramawti. Por ouvi-lo de pessoas confiáveis e por experiência própria, ele podia garantir que não havia limites para a adaptação do homem!”

“A existência humana tem forma circular, começa numa ponta e prossegue sua curva até o momento em que as coisas se aclaram, em que o fim e a origem se aproximam. O encontro ocorre no momento do poente.”