Na luta contra apartheid israelense, judoca egípcio é “ouro”

Sex, 19/08/2016 - 11:22
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Após ter se recusado a apertar a mão de seu adversário israelense Or Sasson ao final da luta, o judoca egípcio Islam El Shehaby foi excluído da delegação de seu país pelo Comitê Olímpico local, no último dia 15. O Comitê Olímpico Internacional (COI) e a mídia convencional condenaram a atitude de El Shehaby como contrária ao “espírito olímpico”. Nada mais falso.

El Shehaby não deixou de cumprimentar Sasson porque perdeu a luta ou não gostava dele. Seu gesto foi de resistência. O atleta nas Olimpíadas em geral não atua como indivíduo. À exceção de alguns que competem sob a bandeira olímpica – caso dos dez refugiados nesta edição -, representa um estado. No caso de Sasson, empunhava, como seus colegas de delegação, a bandeira de Israel, que impõe aos palestinos regime institucionalizado de apartheid e ocupa suas terras. Por essa razão, à abertura da cerimônia, a delegação libanesa recusou-se a dividir o ônibus com a israelense. Especula-se ainda que a judoca saudita Joud Fahmi desistiu da luta com sua oponente romena Christianne Legentil porque, se vencesse, na rodada seguinte, enfrentaria atleta israelense.

Como afirmou El Shehaby em reportagem publicada no portal de notícias UOL, “apertar a mão do oponente não é uma obrigação escrita nas regras do judô (...)”. “Não tenho nenhum problema com judeus ou com pessoas de qualquer outra religião. Mas, por razões pessoais, você não pode exigir que eu aperte a mão de alguém desse Estado. (...)”

Se a Rio 2016 fosse um espaço sem apartheid, o judoca egípcio não seria punido. Ele sequer seria obrigado, como foi pelas autoridades de seu país, a lutar com alguém que representa Israel. Esse estado deveria ser banido das Olímpiadas. Foi o que ocorreu com a África do Sul, por mais de 30 anos, a qual somente teve permissão para voltar à disputa após o fim do regime de apartheid em 1994. Lamentavelmente, Israel, que não respeita sequer o direito internacional, não só está presente, como garantiu acordos para fornecimento de tecnologia de segurança aos jogos olímpicos.

Israel é de fato um estado institucionalizado de apartheid, que viola todos os direitos humanos fundamentais dos palestinos. Na Cisjordânia, território ocupado militarmente em 1967, há estradas exclusivas a colonos israelenses, diferenciação de placas de veículos e documentos, impedimento de circulação de uma cidade a outra, postos de controle, muro, entre outros aparatos a serviço da segregação. Em Gaza, um cerco desumano impede até mesmo que materiais escolares cheguem às crianças sem a permissão israelense. A discriminação contra esse povo também é fato dentro das fronteiras da Palestina até 1948, ano em que foi criado o Estado de Israel, mediante limpeza étnica da população árabe nativa (a nakba, catástrofe). Ali, os palestinos enfrentam mais de 60 leis racistas.

O boicote numa situação como essa não é apenas legítimo, é justo e urgente. Não participar dessa ação significaria furar a principal campanha de solidariedade internacional ao povo palestino, de BDS (boicote, desinvestimento e sanções) – que tem como modelo iniciativa afim que ajudou a pôr fim ao regime na África do Sul. El Shehaby chamou a atenção para essa necessidade.

A face olímpica do apartheid

Ainda antes do início das Olimpíadas 2016, ficou evidenciado que o apartheid israelense atinge todos os setores da vida sob ocupação. A delegação palestina – formada inicialmente por 22 pessoas - teve três de seus membros que vivem em Gaza impedidos de viajar para participar dos jogos no Rio de Janeiro. Não é a primeira vez que isso ocorre no esporte. 

Em 2014, o maratonista Nader Al-Masri também de Gaza foi proibido de atravessar o bloqueio israelense e ir a Betlehem, na Cisjordânia, para participar de um evento de atletismo.

Participando pela sexta vez do megaevento – a primeira foi em Atlanta, no ano de 1996, quando finalmente teve reconhecimento do COI para tanto -, a delegação palestina revela as marcas do apartheid. Desta vez, com a restrição, a equipe chegou ao Brasil desfalcada. Dos 19 membros que puderam vir ao Brasil, seis são atletas. Desses, quatro nasceram e vivem fora de sua terra – realidade, a partir da nakba, da maioria da população palestina, dividida entre campos de refugiados no mundo árabe e diáspora. Os outros dois esportistas são de Gaza e Cisjordânia.

As barreiras foram muitas. A delegação palestina teve retidos na fronteira ocupada seus uniformes. O fato ganhou repercussão e, depois de muita pressão e manifestações de solidariedade, Israel “permitiu” a liberação das roupas necessárias à competição no dia 2 de agosto – portanto, faltando apenas três dias para a abertura.

Não à toa a delegação considerou uma vitória o fato de estar presente na Rio 2016 – um ato de resistência. Não há infraestrutura alguma à sua disposição para treinamento na Palestina ocupada e há restrições de toda ordem. A nadadora Miri Al-Atrash por exemplo, que é da cidade de Betlehem, na Cisjordânia, não teve permissão para utilizar piscina olímpica em Jerusalém. Ela foi obrigada a treinar na Jordânia e Argélia. Diante das dificuldades, não alcançou índice que garantisse sua classificação às Olimpíadas. Entrou, como outros três da equipe, por uma espécie de cota determinada pelo COI. A despeito das dificuldades, obteve ótimo desempenho. Na luta contra o apartheid, El Shehaby está no topo do pódio. Assim como os atletas palestinos, no quesito persistência.

 

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