Lutando para ver a Palestina

Ter, 12/06/2018 - 12:48

Leia o último artigo traduzido e comentado com o qual nos brindou nosso querido José Farhat, diretor de Relações Internacionais do ICArabe, falecido no dia 26 de maio.

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Para os ocidentais, a Bíblia e suas profecias obscureceram tanto quanto revelaram sobre a Terra Santa

Autoria: Michael Press[1]

Tradução e Comentários: José Farhat[2]

O ano era 1858 quando Josias Leslie Porter[3], um pastor presbiteriano irlandês, viajou através da Palestina. Porter estava fazendo anotações para um dos primeiros modernos guias de viagem do país a ser publicado mais tarde naquele ano pela firma londrina John Murray. Os Guias John Murray, precursores dos atualmente muito conhecidos Blue Guides [Guias Azuis], já eram famosos. Ascalão[4], o antigo porto marítimo destruído no século XIII, estava no itinerário da publicação. No tempo de Porter, a histórica cidade era uma fazenda de Jura, uma aldeia árabe adjacente.

Porter subiu pelos baluartes de terra que alguma vez, no passado, serviu de defesa de Ascalão. Quando ele chegou ao topo, vislumbrou o verdejante campo palestino. Jardins cobriam a maior parte do terreno, e Porter listou seus ricos produtos: vinhas, romãzeiras, figueiras, damasqueiros, mais ‘luxuriantes camadas de cebolas e melões’. Ele enumerou os animais recrutados – ‘cinco bois cangados arando, dois puxando água para irrigação’. Ele também contou um total de 28 pessoas trabalhando nos campos. Como foi que Porter resumiu sua impressão sobre Ascalão? ‘Esta é uma parte de Ascalão. A parte restante é terrivelmente ainda mais desolada’.

A conclusão de Porter é dissonante. Ele descreveu a cena de atividade aparentemente idílica, fértil e produtiva, e aí resumiu tudo como ‘desolada’. O que é responsável por essa incoerência marcante? A resposta curta é: a Bíblia.

O livro [bíblico] de Zefania (versão do Rei James) diz: ”Porque Gaza será abandonada e Ascalão será uma desolação...’ De fato, informações sobre a desolação de Ascalão abundam os relatórios de viajantes à Palestina no século XIX: em minha pesquisa de 30 relatórios de eruditos e outros viajantes do século XIX a Ascalão, 18 descreveram Ascalão como ‘desolada’. Muitos deles – inclusive Porter – explicitamente citaram ou mencionaram a passagem do Zefania para enfatizar suas descrições. Como muitos outros, Porter estava convicto de que ninguém vivia dentro das muralhas da antiga cidade, mas que lá existe uma aldeia árabe logo fora delas. Isto, também, é visto como a realização de uma profecia bíblica: ‘Ascalão não será habitada’.

Estes relatos sobre os visitantes europeus ou estadunidenses do século XIX que visitaram a Palestina dão uma ideia de como a Bíblia moldou as formas pelas quais viam o país. A Bíblia também influenciou como eles memorizavam a Palestina e como eles a apresentavam a suas audiências. A passagem citada acima, justapondo a generosidade dada a Ascalão com o julgamento de sua ‘desolação’, não é da versão original de 1858 do guia de John Murray. Ela veio numa revisão de 10 anos depois. No guia original de 1858, Porter descreveu Ascalão não como ‘terrivelmente mais desolada’, mas como ‘terrivelmente mais destruída’. Em outras palavras, Porter (ou a agência de viagens) editou o relato de maneira a alinhá-lo mais proximamente das palavras da profecia bíblica. Um quarto de século após a sua viagem a Ascalão, Porter revisitou-a e em seu Illustration of Bible Prophecy and History [Ilustrações da Profecia e História da Bíblia], escreveu que ‘somente uma pequena parte’ de Ascalão tinha ‘pequenas plantações’ sendo que a maior parte era coberta de ‘morros de areais amontoados’. De fato, planos do local do século XIX (e depois, as primeiras fotografias aéreas) confirmaram as impressões iniciais de Porter de que plantações e pomares ocupavam a maior extensão de Ascalão dentro dos muros.

O impacto da visão bíblica vai até bem mais profundo que apenas as visões individuais. Visitantes europeus e estadunidenses regularmente descreveram o total do país da Palestina como ‘desolado’ ou ‘vazio’ ou ‘arruinado’, descrições que são às vezes simplesmente difíceis de enquadrar com os fatos. A Palestina, em meados do século XIX tinha uma população próxima de 400.000 pessoas. Isto pode parecer pouco hoje, mas considere-se isto no contexto: era, naquele tempo, aproximadamente a mesma população de New Jersey ou Connecticut, os dois estados [estadunidenses] mais próximos em tamanho. É verdade, a palestina não era tecnologicamente avançada como a Europa ocidental ou os Estados Unidos. Faltavam ao país veículos sobre rodas, por exemplo, e as estradas eram em sua maioria caminhos de terra. Mas caminhos de terra é um grito longínquo de terra devastada desolada. A maioria dos vales e planícies da Palestina – ‘cobertas com belos campos de trigo’, como o pioneiro erudito estadunidense Edward Robinson[5] os descreveu – produziam significativos excedentes agrícolas através do século XIX. A Palestina inclusive exportava vários tipos de grãos, laranjas[6], algodão e outros produtos agrícolas.

Então tudo isto levanta a questão: desolada comparada com o quê?

Novamente, devemos voltar para a formidável influência da Bíblia sobre como os europeus e os estadunidenses viam a Palestina. Para começar, até antes da chegada destes visitantes à Palestina, eles nutriam pesados preconceitos, herdados da Bíblia, assim como de textos clássicos. Considerados pelos europeus e os estadunidenses como fundadores da civilização ocidental, a Bíblia e os clássicos serviam para definir o relacionamento do Ocidente com as terras do Leste, especialmente a Palestina, ou a Terra Santa. Viajantes aceitavam sem o menor questionamento os dificilmente [aceitáveis] números de pessoas relacionadas com estas tarefas: os exércitos rotineiramente eram contados em dezenas de milhares. Do mesmo modo, fontes manuscritas relataram populações – somente para Israel ou Judeia, nos terrenos altos da Palestina – em milhões.

Atualmente, eruditos acham que esses números eram superinflacionados em ordem de magnitude. Ocidentais no século XIX não questionavam as descrições escritas de ‘uma terra onde flui leite e mel’. Eles interpretavam a linguagem bíblica em termos de seus próprios ambientes. Como exemplo, os textos bíblicos estão plenos de referência a ‘florestas’. A maioria dos leitores do norte da Europa ou dos Estados Unidos naturalmente imaginam florestas como as do norte europeu e estadunidense. Eles não consideravam, ou de fato desconheciam tudo sobre, o ambiente natural do Mediterrâneo e o clima da Palestina. As pinturas de antigos mestres ou os impressos representando episódios bíblicos tais como a Crucificação ou outras cenas da vida de Jesus reforçam estas familiares imagens da Terra Santa. Obras de arte canônicas europeias rotineiramente mostram arquitetura e paisagens que se parecem com as do norte da Europa, em vez do leste mediterrâneo. Criados nestas falsas expectativas da Terra Santa, é menos surpreendente que tantos relatem que a terra é ‘desolada’, ‘vazia’, e ‘arruinada’. É muito simples, ao ser encontrada uma paisagem tão diferente daquela forte expectativa, eles a processavam através de textos familiares – neste caso, profecias bíblicas de desolação.

No século XIX, a expectativa dos visitantes seria moldada em seguida por outro fator – os relatos de visitantes anteriores. Relatórios de viagem à Palestina e ao Leste faziam parte de gênero popular entre leitores europeus e estadunidenses – principalmente entre aqueles que realizavam suas visitas pessoais à Terra Santa.  Decênios e até séculos de relatos de desolação e terrenos ermos tiveram efeito. Mark Twain[7] poderia se tornar famoso por mostrar a Palestina como ela era (em vez de através dos olhos de viajantes anteriores), porém na época que suas anotações satíricas de percurso The Innocents Abroad (1869) [Os inocentes no exterior] foram publicadas, sua Palestina desolada era um clichê de texto de viagem.

É importante que, vendo a Palestina decadente oriunda de um imaginado grande e glorioso passado (outro imaginado) para um desolado presente ajudou os visitantes a fazerem valer uma reivindicação de propriedade da terra. A ideia de que ela caiu em desespero e desolação confirmou antigo estereótipo orientalista da [pessoa] médio-oriental como um preguiçoso, e do império otomano como um decadente. As interpretações bíblicas europeias e os textos clássicos posteriores nutriram estes preconceitos. O desolado estado da terra, sob seus governantes otomanos e habitantes árabes, contrastava com quanto a terra significava para os europeus cristãos. Em suas visões, eles sabiam mais sobre seu passado glorioso e por tanto eram seus herdeiros de pleno direito.

Para a Terra Santa, este conceito ocidental foi particularmente visível na atividade do Palestine Exploration Fund – PEF [Fundo para a Exploração da Palestina – FEP]. Fundado em Londres em 1865, sob o patrocínio da Rainha Vitória[8], ele foi o primeiro de várias organizações dedicadas ao estudo da Palestina para levantar [fundos] nos países ocidentais. O explorador do FEP (e engenheiro do exército britânico) Charles Warren[9] relatou que os árabes da Palestina esperavam que europeus tomassem o país. Em um panfleto arguindo pela colonização judia da Palestina, sob os auspícios de uma proposta da uma renovada British East India Company [Companhia Britânica da Índia Oriental], Warren fez os árabes dizerem: ‘Venham vocês, quer gostemos disso ou não’. Logo que a Grã Bretanha decidiu que a Palestina tinha valor estratégico, a FEP também produziu um mapa de pesquisa com cobertura total da Palestina, uma tarefa desempenhada pelo British Royal Engineers  [Engenheiros Reais Britânicos] e coordenação com o British War Office [Ministério da Guerra Britânico].

Mas o FEP desafia uma simples caracterização. Ele veio juntando um torvelinho de diferentes interesses e motivações, alguns imperialistas, alguns religiosos – às vezes convergindo, às vezes competindo. Na própria primeira reunião do FEP em 1865, o presidente declarou: ‘Este país da Palestina pertence a vós, a mim, ele é essencialmente nosso.’ Este aparentemente colonialista pronunciamento na realidade veio do Arcebispo de York, que tornou claro que ele queria dizer uma propriedade não imperial mas religiosa:

Ela foi dada ao Pai de Israel com as palavras: ‘Ande pela terra em seu comprimento, e na largura dela, e Eu a dou a vós.’ Nós significa andar através da Palestina no comprimento e na largura dela, porque esta terra foi dada a nós. É a terra da qual virão as novas de nossa Redenção.

Não fazendo caso da lei otomana das antiguidades, o FEP – e os visitantes em geral – rotineiramente traziam na volta artefatos da Palestina – e de outros lugares no Oriente Médio. O Baedeker e outros guias do período inclusive davam conselhos úteis de como escarnecer a lei e efetivamente furtar o patrimônio cultural do país. O aparentemente óbvio declínio da terra (desde um imaginário enorme e glorioso passado para outro imaginário desolado presente) equivalia a uma visível, tangível prova de que as relíquias de seu passado – se não a própria terra em si – pertencia a seus herdeiros ocidentais.

Para a maioria dos visitantes da Palestina no século XIX, então, o declínio parecia autoevidente. Isto levou a uma pergunta óbvia: o que foi que o causou? Dois grandes suspeitos se apresentaram: causas naturais (o clima mudou), e aquelas humanas (a terra dói-se para a ruína a custa de administração errônea). Para os visitantes cristãos do século XIX, mudança de clima geralmente significa a ação de Deus. Desolação, vaticinada pelos profetas do Velho Testamento resultou de uma maldição de Jesus. Twain escreveu no The Innocents Abroad que a Palestina estava sob ‘o sortilégio que havia secado seus campos e agrilhoou suas energias’ – talvez zombando do então grande número de peregrinos cristãos. A visão da Palestina sob uma praga tinha um pedigree recuando para o século XVII, mas só veio a florescer no século XIX. A obra de Porter está saturada com esta visão – a certa altura ele enfatizou em maiúsculas: ‘O TOTAL DE BASHAN E MOAB É UMA GRANDE REALIZAÇÃO DE UMA PROFECIA’[10].

O pastor escocês Alexander Keith[11] [em seu livro] Evidence of Truth of the Christian Religion Derived from de Literal Fulfilment of Prophecy [Evidência da verdade da religião cristã derivada da realização literal de profecia] exemplifica a enorme popularidade desse entendimento da Palestina. Mais de 50 edições desta obra foram impressas através do século XIX. Para Keith e outros, a Palestina sofreu não sob uma singular maldição e sim duas: uma da terra e outra dos judeus. Os judeus foram amaldiçoados com séculos de errância. A terra, em sua ausência, foi amaldiçoada com desolação, tudo porque os judeus rejeitaram a Jesus. A troco disto, os sionistas cristãos almejavam que a restituição da Terra Santa aos judeus ajudaria a trazer o futuro reino de Cristo sobre a terra, e a futura conversão dos judeus ao cristianismo. Em resumo, a imagem da Palestina desolada era em seu sentido real contra os judeus.

A imagem da Palestina como realização de uma profecia (ou maldição) exerceu uma grande influência sobre como os ocidentais compreendiam a Terra Santa. Um efeito foi talvez inesperado. Keith, em outro de seus livros, The Land of Israel (1844) [A terra de Israel], referiu-se aos judeus como ‘um povo sem uma terra; ainda que sua própria terra conforme será demonstrado subsequentemente, é em grande medida, um país sem povo’ – uma frase diretamente ligada em sua origem à dupla maldição de judeus e da Palestina pela rejeição dos judeus a Jesus. Contrariamente à ideia popular, não há evidência de que isto era amplamente usado como slogan sionista. Mas isto era certamente conhecido entre os sionistas. O primeiro presidente de Israel Chaim[12] Weizmann usou uma variante dela; o autor britânico Israel Zangwill[13] usou outras variantes ainda repetidamente.

Escrevendo em Nova York durante e Primeira Guerra Mundial, David Ben-Gurion[14] e Yitzhak Ben-Zvi[15] (o futuro primeiro ministro e o segundo presidente de Israel, respectivamente) insistiram que a Palestina era ‘uma terra sem povo’, e que durante os 1.800 anos do exílio judeu, não havia gente ligada à terra que a chamassem de pátria. Mais significativo do que a frase exata é o fato de que as ideias e as atitudes que ela representa eram largamente repartidas pelo movimento sionista político e o sionismo cristão. Este slogan muito bem divulgado captura a conexão entre o movimento sionista político e o sionismo cristão, com as suas às vezes surpreendentes ideias contra judeus. Para ter segurança, o sionismo era profundamente enraizado tanto no contexto político nacionalista europeu dos finais do século XIX e dos textos e tradições judias. Mas historiadores do sionismo em anos recentes – tais como Shalom Goldman[16] no Zeal for Sion (2009) [Zelo para Sion] – deram crescente atenção na menos influente, mas ainda assim significativa, força do sionismo cristão.

Imagens devastadas da Palestina não eram limitadas aos sionistas, quer fossem cristãos ou judeus. Alguns fundadores do campo de pesquisa da Palestina participaram com eles, também. Charles Warren, o pioneiro supervisor e escavador do FEP, falou das maldições e dos sítios e cenários arruinados. Ele insistiu que a terra amaldiçoada carecia tanto de chuva suficiente para a agricultura quanto de população suficiente para trabalhar a terra: ‘A terra se espalhava desmoronada e mal tratada.’ Mas ao mesmo tempo, Warren admitia o excedente agrícola.

Claude Conder, o mais ainda influente colega do FEP, era outra história. Conder não era um divulgador de porta em porta das profecias desoladoras da Bíblia. Ao contrário, ele atribuiu a condição da Palestina à falta de administração humana. Assim como a ideia de uma maldição divina, a visão de Conder também tinha uma história. O filósofo e historiador francês Constantin-François Volney[17] foi talvez o mais influente proponente. Volney viajou através do Oriente Médio em 1780 e atribuiu ‘a condição decadente e desolada’ de suas cidades à ‘ineficácia do império dos turcos’. O popular (guia) de Volney,  Travels Through Syria and Egypt (1787) [Viagens através da Síria e do Egito], era o  favorito tanto de Thomas Jefferson[18] quanto de Napoleão Bonaparte[19]. O chefe do estado maior de Napoleão afirmou que [o livro] serviu de guia para o exército francês no Egito.

Nos anos 1860, a análise de Volney recebeu novo ímpeto de George Perkins Marsh. Marsh  era um conservacionista pioneiro que argumentava que o meio ambiente da bacia inteira do Mediterrâneo chegaria à ruína devido à má administração humana. Naquela época, o livro marcante de Marsh: Man and Nature (1864) [Homem e Natureza] já estava alterando a política ambiental da Europa. As opiniões de Conder, enquanto talvez não influenciadas diretamente por Marsh, eram parte deste mais amplo contexto.

Quando os ocidentais apontavam a culpa do povo pela alegada ‘desolação’ da Palestina, determinando exatamente qual povo era de especial escrutínio: o decadente império otomano do presente e recente passado (escolha de Conder) e supostamente a conquista árabe no século VII. Durante o século seguinte, explicar o declínio sob a soberania muçulmana representava uma das principais tarefas de trabalho sobre a Palestina, medievais e modernos. As geralmente errôneas presunções históricas sobre a conquista árabe levou a datação confusa de sítios e tipos de cerâmica. Mais especificamente, os eruditos atribuíam todas as destruições e abandonos na antiguidade tardia à presumida destruição com a conquista árabe do século VII.

No par de décadas passadas, historiadores, geógrafos e arqueólogos começaram a desafiar a ideia de que a conquista árabe trouxe um declínio generalizado. Mesmo neste projeto revisionista, no entanto, o declínio era usualmente assumido, e os eruditos estão simplesmente disputando qual a datação dele. Ao mesmo tempo, entre os ecologistas e peritos de solo, o debate humano/natural continuou até o presente – mais uma vez, com ambos os lados começando desde a ideia de declínio como uma doação. A história ambiental recente de Israel, contendo capítulos (de autoria) de ecologistas e geógrafos de proa do país, traz o título Between Ruin and Restoration (2013) [Entre ruína e restauração]. Sua capa justapõe duas fotos: em cima, uma próspera cidade (isto é, ‘restauração’); embaixo, um panorama desértico (‘ruína’).  A maior parte dos artigos repete a crença convencional sobre uma Palestina otomana desolada e arruinada; alguns deles adotam o desolado deserto de Twain obviamente parodiando The Innocents Abroad pelo valor de face.

Um punhado de estudos nas décadas passadas, notadamente o trabalho do cientista agrícola israelense Noam Seligman[20], alega que para a Palestina do século XIX, assim como a maior parte do Mediterrâneo, os recentes projetos israelenses de pesquisa sugerem que, longe de serem construções que há muito tempo caíram, pelo menos alguns dos impressionantes terraços agrícolas na área de Jerusalém foram construídos após a conquista árabe e continuaram em uso no período otomano. A maioria dos ecologistas , no entanto, continua a indicar o suposto desflorestamento da Palestina otomana, e a falta de população e abandono dos terraços. Suas visões diferem pouco daquelas de Warren e de outros orientalistas observadores do século XIX.

Em outras palavras, continuamos vivendo com as consequências dos relatos dos viajantes do século XIX à Palestina. Podemos encontrar os nossos próprios contemporâneos repetindo isto em relatos de judeus israelenses e palestinos árabes, desde a mídia noticiosa aos filmes. Podemos senti-los nas descrições dos ‘panoramas dos desertos bíblicos’ da Cisjordânia. Fazem mais de um século e meio desde quando Josias Leslie Porter viajou através da palestina enquanto escrevia o seu guia John Murray. Naquele tempo, muito da história e do panorama mudou. Contudo os efeitos dos relatos de Porter e outros continuam. No entanto, é o nosso entendimento histórico da Palestina que é desolador.

[1] Michael Press é erudito visitante no Borns Jewish Studies Program at Indiana University. Ele é o autor de The Iron Age Terracottas of Ashkelon and Philistia (2012) [As terracotas de Ashkelon e Philistia na idade do ferro].

[2] Tradução e Notas de rodapé por José Farhat, cientista político, arabista e Diretor de Relações Internacionais do Instituto da Cultura Árabe. Divulgação, em português, com autorização da AEON.

[3] Josias Leslie Porter (1823–1889) foi um pastor presbiteriano irlandês, missionário e viajante, que se tornou um administrador acadêmico. Em 1855, Porter publicou seu primeiro livro sobre o Oriente Médio, Five Years in Damascus [Cinco anos em Damasco], no qual relata sua vida naquela cidade e suas viagens a vários destinos tais como: Palmira, Hauran e Líbano.  Em 1858 ele publicou um livro, pela série de guias Murray (como mencionado acima) sob o título Handbook for Travellers in Syria and Palestine [Manual para o viajante na Síria e Palestina e, em 1875 ele publicou uma segunda edição deste grandemente reescrita, após uma segunda visita àquelas regiões, conforme mencionado no texto acima.

[4] Ascalão também conhecida como Ashkelon ou a clássica Ascalon,é cidade costeira da Palestina, que está, desde 1948, sob ocupação israelense. A cidade atual fica a 19 km ao norte de Gaza e a 2 km ao leste-nordeste do local da antiga cidade. Devido a sua localização na costa mediterrânea, Ascalão foi sempre a porta de entrada para a conquista do sudoeste palestino. Há traços da existência da cidade datados do ano 2.000 aC e seu nome foi encontrado em textos de arquivos egípcios da mesma época e nas Cartas de Amarna. Cerca de 150 anos depois foi conquistada pelos egípcios até quando passou à soberania dos filisteus, no século XII aC até o ano 735 aC quando passou para o domínio assírio sob Nabucodonosor II (604-562 aC), imperador da Babilônia, que expulsou a maior parte de seus habitantes para a Babilônia. A ocupação pelos filisteus coincide com o período dos Juízes e da monarquia israelita. A cidade foi conquistada por Alexandre o Grande em 332 aC e com a morte deste passou para seus sucessores, ptolomaicos e selêucidas, e durante este período passou a ser conhecida por seu nome helenizado: Ascalon, nome que perdurou através da era das cruzadas. Cita a tradição que Herodes o Grande, rei da Judeia, sob soberania romana, nasceu  na cidade, mas não há prova alguma disto, apenas há que ele lá mandou construir prédios públicos. Os árabes conquistaram Ascalão em 636 dC, foi capturada pelos cruzados durante uma guerra que durou 50 anos até ser reconquistada por Saladino, quando teve suas muralhas derrubadas em 1191 dC. Durante o século seguinte a cidade permaneceu em ruínas e suas redondezas desabitadas até meados do século XX. A moderna Ascalão teve origem em uma aldeia árabe chamada al-Majdal até a guerra árabe-israelense em 1948-1949 quando sua população árabe foi expulsa pelas organizações terroristas que se tornariam, logo depois, as forças armadas de Israel. Os árabes donos da terra foram substituídos por imigrantes judeus, que mudaram o seu nome por três vezes até a denominação atual.

[5] Edward Robinson (1794-1863) foi um estudioso bíblico estadunidense. Seus trabalhos sobre geografia bíblica e arqueologia bíblicaelaborados quando do domínio otomano na Palestina, tornaram-no o "Pai da Geografia Bíblica" e o "Fundador da Palestinologia Moderna" segundo outros eruditos da mesma época e depois.

[6] A respeito da exportação de laranja, conheci dois irmãos, da família Taha, donos dos grandes laranjais na região palestina da cidade de Haifa. Os dois irmãos e respectivas famílias eram inquilinos de meu pai, em Burj al-Brajné, no Líbano, onde se refugiaram quando os sionistas declararam ‘independência’ e ‘formação de um estado’. O responsável pelos laranjais disse que a exportação não foi interrompida, pois os sionistas simplesmente c0ontinuaram em embarques, só mudando o adesivo que dizia “Made in Palestine” para outro, “Made in Israel”. O  irmão que era responsável pelas lojas de tecidos disse que ficava furioso ao passar pela loja principal de Haifa e via o ocupante que a adquiriu praticamente por nada do governo que a considerava  propriedade de ‘ausente desconhecido’. 

[7] Mark Twain é pseudônimo de Samuel Langhorne Clemens (1835-1910), estadunidense, foi humorista, jornalista, conferencista e romancista que adquiriu fama internacional por suas narrativas de viagens, especialmente The Innocents Abroad (1869), Roughing It (1872), e Life on the Mississippi (1883), e por suas histórias de aventuras dos tempos de criança especialmente The Adventures of Tom Sawyer (1876) e Adventures of Huckleberry Finn (1885).  Talentoso raconteur, incomparável humorista e irascível moralista, ele superou suas aparentes limitações originais para se tornar uma figura pública popular e um dos melhores e mais queridos escritores dos Estados Unidos.

[8] Rainha Vitória, cujo nome completo e título são: Queen Alexandrina Victoria (1819-1901) foi rainha do Reino Unido da Grã Bretanha e Irlanda (1837-1901) e imperadora da Índia (1876-1901). Foi a última da Casa de Hanover e deu o seu nome a uma era, a Era Vitoriana. Durante o seu reinado a monarquia britânica iniciou seu caráter puramente cerimonial. Ela e o seu marido o príncipe consorte Albert of Saxe-Coburg-Gotha, tiveram nove filhos de cujos casamentos surgiram a maioria das famílias reais europeias. O século XIX, durante o seu reinado, foi uma época de reformas. Ela detestava crianças e resistiu a mudanças tecnológicas, mesmo quando inovações mecânicas e tecnológicas mudaram a face da Europa. Ela estava determinada a reter o poder político, só que acabou presidindo à transformação política do papel da monarquia, salvando a continuidade do regime. Este foi a maior realização de seu reinado.

[9] Charles Warren é o General Sir Charles Warren (1840-1927) que foi oficial da British Royal Engineers, um dos mais antigos europeus arqueólogos da Terra Santa Bíblica e particularmente do Monte do Templo (como é chamado por judeus e cristãos) e Al-Haram ash-Sharif (para os muçulmanos). Além desta atividade a maior parte de seu serviço militar foi na África do Sul e foi Chefe da Polícia de Londres.  

[10] Bashan e Moab são nomes bíblicos de regiões a Leste do Rio Jordão; Bashan ao Norte e Moab ao Sul (hoje na Jordânia).

[11] O pastor escocês Alexander Keith (1791-1880), autor do mencionado livro liga a terra da Palestina a duas maldições bíblicas.

[12] Chaim Azriel Weizmann (1874-1952) nasceu em Motol, então no Império Russo, hoje Belarus, estudou Química em universidades da Alemanha e da Suiça (onde se formou em 1900). Quatro anos depois foi para a Universidade de Manchester, na Inglaterra, onde criou um método de produção de acetona derivada de milho, produto de grande valia para a indústria bélica. Weizmann ganhou fama internacional como químico, mas foi na política que se tornou engajado a serviço do sionismo. Ele teve papel preponderante nas negociações que levaram à emissão da Declaração Balfour, na qualidade de presidente da Federação Sionista Britânica. Também ajudou a comissão de inquérito britânica que levou à decisão de divisão da Palestina. Acompanhou a causa sionista até quando a Assembleia Geral das Nações Unidas recomendou a divisão da Palestina. Em 1948 foi eleito o primeiro presidente do Estado de Israel.

[13] Israel Zangwill (1864-1926), filho de imigrantes da Eyuropa oriental para a Inglaterra, foi educado pela Escola Judia Livre, da Universidade de Londres; seus primeiros escritos retratavam estórias do dia a dia, mas logo em seguida dedicou-se à situação do povo judeu, começando por seu livro Children of the Ghetto: A Study of a Peculiar People (Filhos do Gueto: Um Estudo de um Povo Peculiar) em 1892, e outros livros sobre o mesmo sujeito, assim como a peça teatral King of Schnorrers (Rei de Schnorrers), de 1894, Dreamers of the Ghetto (Sonhadores do Gueto), além de ensaios sobre personalidades judias históricas ou de seu tempo. Tornou-se porta voz do sionismo por um tempo decidiu formar a dissidente Organização Territorial Judia, dedicada à formar um território judeu dentro do Império Britânico.

[14] David Ben-Gurion, cujo nome original foi David Gruen (1886-1973), nasceu na Polônia. Ele foi quem declarou a independência de Israel em 14/05/1948; estadista e líder político sionista, foi primeiro-ministro (1948-1943 e 1955-1955) e ministro da defesa (1948-1953 e 1955-1963).

[14] Yitzhak Ben-Zvi, cujo nome original foi Isaac Shimshelevich (1884-1963), nasceu na atual Ucrânia. Foi o segundo presidente de Israel (1952-1963) e um antigo líder sionista na Palestina, mesmo antes da declaração do estado de Israel; ele ajudou a criar as instituições básicas: políticas, econômicas e militares durante a formação do estado de Israel.

[16] Shalom Goldman, é historiador, militante sionista e escritor baseado na University of North Carolina Press e comentarista da política atual de Israel e das relações entre as religiões monoteístas abraâmicas.

[17] Constantin-François de Chasseboeuf, Conde de Violney (1757-1820), é historiador  e filósofo francês, seu livro Les Ruines ou méditations sur les révolutions des empires [As Ruinas, ou meditações sobre as revoluções dos impérios] procura as origens da sociedade civil e as causas da dissolução, no qual ele considera revolução um resultado do abandono dos princípios da lei natural, da religião, igualdade e liberdade. Militou na política e participou da Revolução de 1789.

[18] Thomas Jefferson (1743-1826) o responsável por rascunhar a Declaração de Independência dos Estados Unidos e foi o primeiro Secretário de Estado de seu país, segundo vice-presidente e o terceiro presidente. Ele foi responsável pela compra da Luisiânia e o mais antigo advogado da separação de igreja e estado. Jefferson fundou a Universidade da Virginia e um dos primeiros proponentes das liberdades individuais.

[19] . Napoleão Bonaparte, originalmente Napoleone Buonaparte (1769-1821), foi general francês, primeiro cônsul e imperador dos franceses, é uma das mais celebradas personagens do mundo ocidental. Ele revolucionou a organização e o treinamento militares, apadrinhou o Código Napoleônico, o protótipo dos códigos civis subsequentes, reorganizador da educação e promotor da Concordata com o papado romano. Deixou marcas na história da França e do mundo.

[20] George Perkins Marsh (1801-1882), foi diplomata estadunidense, erudito e grande militante da conservação da natureza, além de autor do importante livro acima mencionado.