A Causa Nacional Palestina... (5 de 7)

Dom, 25/11/2007 - 22:00

O processo de influência imperialista sobre a Palestina nos anos 90

As duas estratégias destinadas a resolverem o conflito árabe-israelense e a questão energética eram: a inserção mais direta da região em um mundo economicamente “globalizado”, em que Israel, ao manter relações políticas e econômicas com seus vizinhos árabes...As duas estratégias destinadas a resolverem o conflito árabe-israelense e a questão energética eram: a inserção mais direta da região em um mundo economicamente “globalizado”, em que Israel, ao manter relações políticas e econômicas com seus vizinhos árabes, também pudesse deixar de ser uma enorme fonte de despesas para os EUA; e a adoção, pelos países árabes, do projeto econômico liberal para relacionarem-se com Israel e com os próprios EUA e seus aliados, servindo, assim, às demandas da economia ocidental por petróleo e outras fontes energéticas oriundas da região. Em relação à primeira estratégia, pode-se dizer que, entre 1991 e 1993, iniciativas pelo fim dos conflitos passaram a exercer pressão tanto sobre partidos e movimentos israelenses pacifistas (alguns socialistas) quanto entre organizações palestinas da esquerda nacionalista. Em 1993, aprovou-se o plano de paz de Oslo entre o governo do primeiro-ministro israelense Yitzhak Rabin, do Partido Trabalhista, e a Organização para a Libertação da Palestina (OLP) de Yasser Arafat. Assim, pequenas porções da Cisjordânia foram postas sob administração da recém-criada “Autoridade Nacional Palestina” (uma espécie de proto-Estado palestino). Entretanto, o governo israelense avançou pouco na retirada das tropas e no desmantelamento das colônias israelenses dos territórios palestinos nos prazos previstos pelos acordos que se seguiram de 1993 a 2000, bem como na definição do status final de Jerusalém Oriental e na solução do problema dos refugiados. Em 1995, o assassinato de Rabin por um “fundamentalista” israelense foi o estopim para o agravamento da situação e para o congelamento de um plano de paz que, na verdade, já nascera incompleto e propenso a satisfazer mais um lado do conflito do que o outro. Sabemos que o grande impasse das negociações entre Arafat e o primeiro-ministro Ehud Barak em 2000 deu-se porque Israel continuou a não aceitar o retorno dos refugiados palestinos e a constituição de Jerusalém Oriental como capital da Palestina livre, embora os acadêmicos “orientalistas”(1) e a grande mídia comercial nos queiram incutir a idéia de que Israel teria oferecido aos palestinos a administração de mais de 90% do território. Como já dizia o falecido Edward Said, crítico literário palestino radicado nos EUA, mesmo que a oferta fosse tão generosa, ela se esvaziava de seus propósitos ao entregar à Autoridade Nacional Palestina (ANP) o controle de um território descontínuo, sem fronteiras demarcadas e quase sem acesso às fontes de recursos agrícolas e de água. Os sionistas sempre falaram que a segurança de Israel estaria comprometida uma vez fosse permitida a volta dos refugiados para a região. Mas tivessem o exército e as colônias israelenses se retirado da Cisjordânia e da Faixa de Gaza nos prazos previstos nos acordos, possibilitando a declaração do Estado palestino independente, essas populações regressariam para habitar a Palestina, e não Israel. Isso talvez até minaria a intenção de alguns grupos palestinos anti-sionistas de tentarem “destruir” Israel, pois as fronteiras seriam rigorosamente demarcadas e definidas, não perdurando a situação atual, em que a população palestina da Cisjordânia vive segregada em verdadeiros guetos, onde as incursões militares israelenses são uma constante. Já a respeito da segunda estratégia, entretanto, a resistência e a desconfiança das elites governantes árabes e/ou muçulmanas do Oriente Médio e de alguns partidos políticos e movimentos sociais a tais mudanças fazem da região um caso especial, pois diferenciado, em relação a questões como o fim da guerra fria, o colapso da URSS, a globalização neoliberal, a adoção de um sistema político-eleitoral ocidentalizante e “democrático”, etc. Segundo Halliday (2005), a proposta de um novo processo político (via um modelo de “democracia ocidental”) e de tendências econômicas ortodoxas (via globalização neoliberal) não afetaram o Oriente Médio e suas elites com a mesma força e aceitação que demonstraram possuir em outras partes do mundo em geral e da antiga “Cortina de Ferro” (leste europeu) em particular. Se, conforme Halliday defende, a percepção e as ações das elites governantes e de alguns grupos das sociedades do Oriente Médio sobre o fim da Guerra Fria teriam se adiantado ao próprio término desse período, por que então se submeter (e arriscar-se) à instabilidade eleitoral que o projeto político-econômico de uma democracia neoliberal ocidental poderia trazer? De fato, a maioria dos agentes políticos, econômicos e sociais detentores de relações de poder influentes e decisórias sobre os Estados e as sociedades do Oriente Médio reagiram mais contrariamente a essas transformações mundiais do que a favor delas. Seus objetivos eram contrabalançar e controlar qualquer impacto que as tendências globais poderiam ter na região, especialmente em relação à redução do controle estatal da economia e à implementação de um processo político-eleitoral baseado no modelo da “democracia ocidental”. As razões dessa cautela e desconfiança não eram pautadas pela “religião” ou pela “cultura” dessas formações sociais, mas pela resposta dessas elites dominantes e de alguns desses movimentos sociais a mudanças conjunturais significativas que colocassem à prova a manutenção de uma ordem em que, conforme Halliday (2005:133), “os Estados mantinham domínio sobre a política, a sociedade e a economia e, se necessário, praticavam ‘ações preventivas’. Enfim, essas [táticas] também se aplicavam àqueles movimentos sociais que desafiassem os Estados no novo cenário internacional”. Assim, as potências do centro do sistema capitalista mundial pensavam que o fim da Guerra Fria e a desintegração da URSS iriam no sentido de que a “Nova Ordem Mundial” significaria a habilidade dos EUA e de seus aliados de resolverem os problemas mundiais (e do Oriente Médio) de forma efetiva e conjunta. Porém, essa nova conjuntura não foi suficiente para trazer paz ao Oriente Médio, inaugurando-se, na verdade, uma nova fase de competição e intransigência. Esses novos enfrentamentos passaram a ocorrer de duas formas principais: através da eclosão dos chamados “conflitos de média intensidade” entre os Estados da região (com ou sem a participação do Ocidente); ou por meio da irrupção de “conflitos de baixa intensidade” protagonizados por movimentos políticos e sociais rebeldes ou insurgentes, que atuam dentro das sociedades do Oriente Médio e contra seus próprios Estados nacionais (é claro que representados nas classes dirigentes que o controlam) além de agirem, se acharem conveniente, contra qualquer Estado ou seus representantes que apóiem o governo local tido por ilegítimo e opressor. Será sobre esses novos tipos de disputa, também conhecidos pelo nome de “conflitos assimétricos”, e hoje cada vez mais presentes no cenário internacional, de que falaremos a seguir. 1 - Segundo Esposito (2003:239-40), “o termo designa aqueles que estudam os textos clássicos escritos nas línguas asiáticas (acádico, árabe, aramaico, grego, hebraico, persa, sânscrito, turco, etc), e que exigem um conhecimento especializado. Entre eruditos ocidentais, [o ‘orientalismo’] floresceu dos séculos XVIII ao XX, quando aqueles se dedicaram a descobrir as ‘características essenciais’ das civilizações asiáticas através do estudo crítico-filológico de textos culturais. Os ‘orientalistas’ tornaram-se associados ao romantismo das culturas européias do século XIX e a uma busca pelo ‘exótico’ que foi profundamente influenciada pelo etnocentrismo e pelo imperialismo”. Hoje, a expressão é largamente conhecida na academia graças à clássica obra “Orientalismo” (1978) de Edward Said.