Adieu Chahine

Sáb, 09/08/2008 - 21:00

Nenhuma pessoa influenciou mais o cinema árabe e a percepção dos árabes sobre o cinema do que Youssef Chahine, que começou a fazer filmes em 1950 após seu retorno de um período de três anos de estudos nos Estados Unidos. Desde o início, o estilo de Chahine de fazer filmes se apresentou como uma mudança marcante em relação ao que muitas pessoas acreditavam ser o cinema na época.Nenhuma pessoa influenciou mais o cinema árabe e a percepção dos árabes sobre o cinema do que Youssef Chahine, que começou a fazer filmes em 1950 após seu retorno de um período de três anos de estudos nos Estados Unidos. Desde o início de sua carreira, o estilo de Chahine de fazer filmes se apresentou como uma mudança marcante em relação ao que muitas pessoas acreditavam ser o cinema na época. Para Chahine, nunca houve qualquer resolução fácil para um conflito dramático de um filme, já que ele colocava a si a tarefa de não apenas entreter suas audiências, o que fazia com extrema habilidade, mas também de desafiá-las a pensar e entender o conteúdo intelectual de seus filmes, algo que deu à sua obra a reputação de serem difíceis de compreender como um todo. No entanto, era esse sentimento de se estar levemente incomodado ao sair do cinema após assistir a um de seus filmes que a Chahine mais lhe agradava, já que ele sempre acreditava no poder das pessoas a partir do momento em que começassem a questionar uma ordem social injusta e no poder do filme em levantar tais questões nas mentes das pessoas. Seus estudos de teatro na Pasadena Playhouse, Califórnia, deram ao estilo de Chahine elementos do teatro que marcaram seus filmes para além do estilo realista dominante do cinema egípcio quando ele começou a fazer filmes. No entanto, se Chahine deixou as normas realistas estabelecidas em termos de estilo, compartilhou a preocupação da escola pelos pobres e pela representação das injustiças que os pobres sofrem nas mãos dos ricos. Ainda que uma forte empatia com os miseráveis do mundo possa ser discernida em seu filme de 1951, Son ofthe Nile, já em 1954 e no filme The Blazing Sun essa empatia transforma-se em um apoio visceral aos pequenos fazendeiros representados no filme, que lutam para quebrar o monopólio feudal dos latifundiários sobre as vendas de cana-de-açúcar às companhias de açúcar. A luta é liderada por um homem que surge a partir do próprio povo, o filho educado de um dos fazendeiros que retorna a sua vila nativa no Alto Egito para defender os direitos da sua comunidade a uma vida melhor do que a de quase-escravidão que então levavam. De muitas maneiras, The Blazing Sun reflete a nova direção que a sociedade estava tomando no momento em que foi produzido, em que a revolução de 1952 tinha colocado abaixo os grandes donos de terras e dito a camponeses pobres para “levantarem suas cabeças”. O personagem principal do filme também tinha um passado social similar aos daqueles parte dos Oficiais Livres que lideraram a revolução de 1952. Ainda, o apoio de Chahine ao direito dos excluídos de se organizar em protesto foi talvez dado em alta voz na sua obra-prima da época, o filme Central Station, de 1958. Neste filme, passado na estação de trem central do Cairo, além da história principal de três trabalhadores, dois homens e uma mulher, há também uma segunda linha dramática que representa a luta de funcionários da estação para formar um sindicato. Também em 1958, Chahine produziu o filme Jamila the Algerian, uma expressão de solidariedade à luta de libertação nacional do povo argelino contra o colonialismo francês. Ele novamente fez pública sua posição em Al-Nasser Salah el-Din, filme produzido em 1963, no qual apresentou sua posição com relação à ocupação israelense da Palestina. O filme, um trabalho histórico, lida com a captura de Jerusalém pelos cruzados na Idade Média e a sua libertação por Saladino e foi um veículo para Chahine expressar suas visões pan-árabes e seu apoio à luta do povo palestino contra a ocupação. Neste filme, as habilidades de Chahine foram aliadas a suas crenças políticas, e esse casamento de conteúdo político com poderosos, às vezes impressionantes, efeitos artísticos alcança seu clímax no filme de Chahine The Land, de 1969. Aqui, ele consegue construir inesquecíveis cenas panorâmicas representando a luta dos camponeses contra o confisco de suas terras por donos de terras feudais e as autoridades estatais que os apoiavam. The Land, inesquecível como foi, tornou-se o último filme verdadeiramente popular de Chahine, que começou a mover-se em direção a um estilo com uma nuance mais filosófica, enquanto ainda retinha sua simpatia pelos pobres e os despossuídos. Em The Choice, por exemplo, feito em 1970, mostrou sua preocupação com a relação entre intelectuais e o poder político representado pelo Estado, especialmente em países de Terceiro Mundo como o Egito. Em 1973, Chahine pegou seu sentimento anti-stablishment um passo além em The Sparrow, acusando o stablishment de sua corrupção ilimitada ser a razão principal da derrota de 1967. O sentimento radical anti-stablihment radical persistiu até seu último filme, This is Chaos, lançado em 2007, sobre a corrupção e o abuso da polícia no Egito atual. Como muitos críticos notaram nos obituários de Chahine que apareceram na última semana, sua carreira foi uma das mais sólidas do Egito e do cinema árabe, e por isso só, assim como pela influência que exerceu sobre gerações de cineastas, sempre será lembrado. *O texto acima foi publicado originalmente no Al-Ahram weekly. Tradução de Arturo Hartmann **O cineasta egípcio Youssef Chahine morreu domingo, dia 27 de julho, aos 82 anos