Música árabe: expressividade que vem da sutileza

Qua, 29/08/2007 - 09:00

Na aula “Música árabe”, dada no Clube Sírio em junho, com apoio de seu Núcleo de Cultura Árabe (esta mesma aula já havia sido dada no curso Panorama da Cultura Árabe, promovido pelo ICARABE em 2006), o público, acostumado a ouvir música árabe em casa e nas festas, foi bastante participativo, ajudando na reflexão sobre um tema tão fascinante. A aula começou com um passeio por várias sonoridades árabes e o público logo percebeu a diversidade existente. Os sons identificam as tradições de um povo: a escolha de determinados sons, ritmos e instrumentos, é reflexo da cultura e da organização social. Sabemos que o mundo árabe é bastante heterogêneo, logo sua música também é um mosaico. Apesar dessa diversidade, algumas características são comuns a quase todas as músicas produzidas pelos árabes. A primeira, comentada pelos ouvintes, foi que as músicas lembravam canções de roda, cantigas de ninar. Isso acontece por seu caráter circular: as frases musicais se repetem, girando em torno de algumas notas. A repetição envolve as pessoas, gerando outro padrão interno. Então, quem está dentro se envolve, como uma criança num balanço... Não passou despercebida também a importância da palavra. Toda a música árabe é baseada na palavra e na forma de pronunciá-la. A linha melódica imita a voz humana: não existem grandes saltos na altura das notas, as frases são ditas com as mesmas inflexões e ritmos das palavras. Versos e melodias estão totalmente associados. Se a palavra é tão importante, é natural que todos os que estejam executando a música “digam a mesma palavra”, ou seja, que toquem as mesmas notas. Todos os instrumentos executam a mesma linha melódica, os músicos estão intimamente ligados à palavra ou à melodia que querem expressar juntos. Logo alguém da platéia lembrou daqueles maravilhosos improvisos, sejam vocais ou instrumentais, e perguntou como isso poderia acontecer se todos têm que fazer a mesma coisa. Acontece que na música árabe existe o momento da união, mas também o momento da liberdade: podem ocorrer improvisos entre duas frases ou mesmo no meio delas. Esse jogo enriquece a música. Outra pergunta dos ouvintes: por que a música árabe soa tão diferente da música ocidental? A principal razão é que a música oriental possui mais notas que a ocidental. Existem notas além das que nos acostumamos a ouvir; notas intermediárias. A princípio, nossos ouvidos estranham, mas logo se acostumam com estas sonoridades, que possibilitam maior complexidade e riqueza. Uma pessoa da platéia lembrou do pai de olhos fechados, se deleitando com músicas maravilhosamente bem trabalhadas. Isso ocorre porque a música árabe pode gerar estados emocionais e espirituais, por causa da forma de utilização dos sons: a chamada musicoterapia já era conhecida entre os árabes e muitos outros povos da antiguidade! Esta música acontece sobre um ambiente sonoro, ou seja, trabalha em torno de uma seqüência de notas (chamadas modos ou ajnas) que produz efeitos sobre o ser humano. A combinação destes modos, que gera uma escala (maqam), tem nomes que dão uma noção de seu uso: o amigo, o outono, a brisa, o que abre o coração, a alegria, a gazela, a que parece com a lua, etc. Outra característica importante que gera este “maravilhamento” é que a música árabe ainda utiliza a chamada afinação natural, baseada na vibração das cordas dos instrumentos. Os sons produzidos por essas vibrações emitem freqüências que se harmonizam com as do ser humano, produzindo um grande bem-estar. Sentimos-nos “em casa”. Esta afinação foi também utilizada pelos ocidentais até o início do século XVIII, quando surge o sistema temperado. Todas as notas passam a ter o mesmo valor - as mesmas distâncias -, acabando com as nuances da afinação natural, onde os sons eram produzidos pela vibração de uma corda dividida em partes e não a partir de um valor matemático. Essa mudança foi fruto do racionalismo, que rejeitou vários aspectos das artes e ciências existentes. A música ocidental passou também por isso e perdeu muito com estas alterações. Muitos músicos árabes contemporâneos continuaram produzindo música com sua riqueza e complexidade; mas alguns optaram por trabalhar com instrumentos temperados, o que reduz muito o campo sonoro. Poucas maqamat podem ser tocadas em instrumentos temperados, pois estes possuem menos notas e poucas possibilidades de trabalhar a sutileza existente nas músicas árabes. Existe o risco de estes músicos não saberem mais trabalhar com estas características, o que seria uma perda muito grande. Felizmente existem muitos músicos árabes de excelente qualidade que estão empenhados em expressar e passar adiante este conhecimento, que exige muita dedicação, estudo e empenho. Mas exige, principalmente, um ouvido atento e um coração aberto, para que estes sons toquem sua alma e assim se possam produzir lindas melodias para o mundo.