O longo inverno de Rita*

Qui, 14/08/2008 - 00:00
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ريتا الطويل شتاء ريتا ترتب ليل غرفتنا: قليل ،هذا النبيذ وهذه الأزهار أكبر من سريري فأفتح لها الشباك كي يتقطر الليل الجميل ضع، ههنا، قمراً على الكرسي: ضع فوق، البحيرة حول منديلي ليرتفع النخيل ،أعلى وأعلى هل لبست سواي؟ هل سكنتك إمرأة لتجهش كلما التفت على جذعي فروعك؟ حك لي قدمي، وحك دمي لتعرف ما تخلفه العواصف والسيول ... مني ومنك تنام ريتا في حديقة جسمها توت السياج على أظافرها يضيء الملح في ...جسدي. أحبكِ. نام عصفوران تحت يدي ،نامت موجة القمح النبيل على تنفسها البطيء ،ووردة حمراء نامت في الممر ونام ليل لا يطول والبحر نام أمام نافذتي على إيقاع ريتا يعلو ويهبط في أشعة صدرها العاري، فنامي بيني وبينك، لا تغطي عتمة الذهب العميقة بيننا ،نامي يداً حول الصدى ويداً تبعثر عزلة الغابات، نامي بين القميص الفستقي ومقعد الليمون، نامي ...فرساً على رايات ليلة عرسها هدأ الصهيل هدأت خلايا النحل في دمنا، فهل كانت هنا ريتا، وهل كنا معاً؟ ريتا 

por Mahmud Darwish *

 

 

Rita ajeita a noite de nosso quarto: parece pouco este vinho, e estas rosas parecem maiores que a cama. Abro a janela, porque me pede, e assim a noite destila. Põe, aqui, uma lua em cima da cadeira: e em cima põe um lago enrolando o meu lenço para que a palmeira cresça cada vez mais. Já te vestiste de outra, além de mim? Alguma vez te habitou alguma mulher e soluçou a cada vez que teus galhos enrolaram o meu tronco? Esfrega os meus pés por mim, esfrega o meu sangue, e assim saberemos o que de mim e de ti sobrou das tempestades e das enxurradas... Rita dorme no horto de seu corpo, as amoras da cerca nas suas unhas me iluminam o sal do corpo Te amo, Rita. Dois pássarinhos dormiram debaixo destas mãos... dormiu a onda de nobre trigo ao seu lento respiro, e uma rosa vermelha dormiu no corredor. E dormiu uma noite breve, o mar diante da janela dormiu ao ritmo de Rita o sobe-e-desce nos raios de seu peito nu; dorme tu agora entre nós, não cubras a escuridão de intenso dourado entre nós, dorme, uma das mãos circundando o eco, e outra a espalhar a solidão das matas, dorme entre a camisa pistache e o banco de limão, dorme como égua nos estandartes na noite de núpcias... Acalmaram os relinchos. Acalmaram as colméias em nosso sangue - Esteve aqui Rita? Estivemos juntos? ... Dentro em pouco Rita partirá, e sua sombra descerá como branco cárcere. Onde nos encontraremos? – perguntaram suas mãos. Eu me virei para o longe o mar atrás da porta, o deserto atrás do mar. Beije-me nos lábios – ela disse. Eu disse: Como hei de partir outra vez, Rita, se ainda tenho a uva e a memória, e ainda me confundem as estações entre o signo e o símbolo? — O que dizes? — Nada, Rita, imito um cavaleiro numa canção que fala da maldição do amor retido nos espelhos... — ... que fala de mim? — E de dois sonhos num travesseiro que se apartam e fogem; um se apossa de uma faca, o outro recomenda mandamentos à flauta. — Não entendo, ela diz — Nem eu. Minha língua são estilhaços como um significado ao qual falta a mulher enquanto os cavalos se suicidam no final da praça... Rita degusta o chá da manhã, e descasca a primeira maçã usando dez lírios e me diz: Não leias agora o jornal, os tambores são tambores e a guerra não é o o que eu faço. Eu sou eu. Tu és tu? Sou esse que te viu como gazela a atirar-lhe pérolas, que viu seus desejos rolarem por ti como os riachos, que nos viu como dois amantes unidos na cama a distanciarmo-nos estranhos, a saudarmo-nos num porto, levados pela viagem, folhas ao vento, largados na frente das pousadas de estrangeiros como cartas lidas às pressas, — Me levas junto? Serei o selo do teu coração descalço, me levas junto? serei a tua veste numa terra que te deu à luz... para depois te fazer cair, serei um caixão de hortelã a te conduzir a morte e tu serás, para mim, vivo e morto. — Rita, o guia se perdeu, e o amor, como a morte, é promessa não cumprida... que não termina. ... Rita me enumera o dia codornas agrupadas em torno do salto alto: Bom dia, Rita! nuvens azuis para o jasmineiro das axilas: Bom dia, Rita! fruta para a luz da aurora: Bom dia, Rita! Devolve-me ao corpo para sossegar por um segundo as agulhas do pinheiro no meu sangue, abandonado desde que te conheci. Sempre que abraço a torre de marfim, me escapa das mãos um par de pombas... Ela disse: Voltarei quando mudarem os dias e os sonhos.... Rita, é longo este inverno, e nós somos nós, não digas como eu: Eu sou ela. Ela é quem te viu pendurado na cerca, e te fez descer, te abraçou, te lavou com lágrimas, espalhando-se em ti com as próprias açucenas, e tu enrascado, entre as espadas dos irmãos e a maldição da mãe. Eu sou ela. Tu és tu? ... Rita se ergue dos meus joelhos, visita seus enfeites, amarra o cabelo com borboleta prateada. O rabo-de-cavalo acaricia as pintas espalhadas, gotículas de luz escura sobre o mármore feminino. Rita reconduz o botão à camisa mostarda... Tu és meu? Sou teu; se me deixaste a porta aberta ao passado, tenho então um passado. Vejo-o agora nascer de tua ausência, do ruído do tempo, quando a chave gira no ferrolho da porta; tenho um passado que vejo agora sentado, perto, como uma mesa; tenho a espuma de sabão, o mel salgado, o orvalho o gengibre. E tu, Darwich, tens os cervos. Se queres, teus são os cervos e teus são os prados tuas são as canções, se queres, tuas são as canções e teu é o espanto. Eu nasci para te amar, égua que leva a mata a que dance sulcando no coral a tua ausência. Nasci uma senhora a seu senhor. Leva-me. Escansiarei teu copo de vinho terminal, e me curarei de ti, em ti, dá-me teu coração. Eu nasci para amar-te. Dexei minha mãe nos cânticos antigos a blasfemar o mundo e teu povo, encontrei os guardas da cidade a alimentar com teu amor o fogo, eu eu nasci para te amar. ....Rita quebra as nozes dos meus dias; os campos se expandem, este pequeno chão tenho por quarto numa rua, no andar térreo de um edifício no alto de uma montanha, que dá para o vento do mar. Tenho uma lua cor de vinho e uma pedra esculpida, tenho uma parte da cena das ondas viajando nas nuvens, e uma parte do livro do Gênesis; e outra, do livro de Jô, e outra mais do dia da colheita; e uma porção do que eu possuía, e outra do pão de minha mãe, uma parte das açucenas dos vales em poemas de antigos amantes, e uma parte da sabedoria dos amantes: a vítima ama o rosto do seu assassino. Se atravessasses o rio, Rita. Onde está o rio? Ela perguntou... Eu disse: há em ti e em mim um único rio; Verto-me sangue, verto-me memória. Os guardas não me deixaram sequer uma porta para entrar, apoiei-me no horizonte e olhei para baixo olhei para acima olhei para o lado e não vi horizonte para olhar; vi só o meu olhar na luz, a afastar-se de mim. Eu disse: Volta, outra vez, para mim, quem sabe não vejo alguém tentando ver um horizonte refeito por algum profeta com duas pequeninas palavras: eu e tu, alegria pequena numa cama estreita... alegria tênue. Não nos mataram ainda, Rita... Rita, Rita... é pesado este inverno, é frio. ... Rita canta sozinha para o correio de seu exílio no Norte distante: Deixei minha mãe sozinha, perto do riacho, sozinha, chorando a minha infância distante, toda noite ela dorme nas minhas pequenas tranças. Mamãe, quebrei a infância, saí mulher a criar o seio na boca do amado. Rita dá voltas ao redor de Rita, sozinha: não há chão para dois corpos num só corpo, não há exílio para o exílio nesses pequenos quartos – a saída é a entrada, é inútil cantar entre dois abismos. Partamos então...até que se defina o caminho. Não consigo, nem eu, ela dizia e não dizia, acalmando os cavalos em seu sangue: é de terra distante que vêm as andorinhas, meu estranho, meu querido, até este teu jardim solitário? Leva-me para uma terra distante, leva-me para a terra distante; Rita chorou: é longo este inverno. E quebrou a porcelana do dia nas grades da janela e depositou seu pequeno revólver no rascunho do poema. Jogou as meias na cadeira, e se quebrou o arrulho Foi-se descalça ao desconhecido. E eu emigrei. * traduzido por Michel Sleiman e Safa Jubran