Pão e delicadeza

Seg, 06/10/2008 - 00:00
Comer e viver. De longe, o caminhar da humanidade impregnou a cozinha árabe de tantos elementos, povos e passagens. As mesas das culturas árabes são fartas, perfumadas, coloridas. No filme "Os segredos do Palácio", drama tunisiano ambientado em Tunís, os momentos descontraídos vinham da cozinha, da cantoria das mulheres preparando ingredientes e pratos. Quase sentimos os aromas ao vermos os pratos decorados levados ao salão. Contam que no Alandaluz, o pão, além da base de trigo, era elaborado com outros cereais como o arroz. Em casa, se assava o pão no forno doméstico, o tanûr, diferente do forno do padeiro, o furn. Como primeira refeição, parte da população comia uma papa de farinha e leite; nozes e amêndoas enriqueciam o mingau conforme as posses da família. Legado árabe à região, o arroz era preparado com carnes ou vegetais, e o arroz-doce nos chegou mesclado com açúcar e canela. Antes, o cardamono fez parte dessa sobremesa. Por aqui, o cardamomo não é tão utilizado, mas se temos a sorte de saborear o verdadeiro café árabe, o perfume do cardamomo torna-se indelével nos registros olfativos, assim como aconteceu com o orégano, alecrim e hortelã-pimenta, que também enriqueciam os alimentos no Alandaluz. O tom de óleo na cozinha evidentemente vinha das preciosas olivas mediterrâneas: azait, o azeite nosso de cada dia. Na Espanha árabe, limpeza e boas maneiras faziam parte da fé enquanto forma de viver. Uma pessoa de bem, não vestia roupas sujas e ao comer não enchia a boca, mastigava devagar, não lambia os dedos, evitava o alho e o palitar dos dentes em público. Nas cortes muçulmanas do ocidente, como em qualquer ambiente distinto, os pratos eram servidos em seqüência protocolar: primeiro as sopas e os cremes, depois os pratos de carne, aves ou peixe e por último as sobremesas. Por volta do século XI, as toalhas de couro fino nas mesas elegantes substituíram as de linho, e as taças de cristal tomaram o lugar dos copos de prata. Comer e viver. Que o pão e a delicadeza permaneçam nas mesas, nas relações, na passagem da humanidade pelos caminhos que busca. A memória diluída, a que tudo guarda, sela em potes de ouro o que há de realmente perene. *poeta e escritora, é autora de "Poemas pra Navegar" e de "Andaluza". Integra o Projeto EntreVentres de dança&poesia e coordena oficinas de escrita.