Um excelente começo

Qui, 08/12/2005 - 22:00
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Edward Said tem um significado especial para a vida das pessoas que participaram e contribuíram para a publicação do livro 'Edward Said: trabalho intelectual e crítica social'. E pode-se perceber isso ao ler a coletânea de artigos a ser lançada no próximo dia 13 de dezembro, que, além de mostrar a pessoa e a obra do intelectual palestino, apresenta muitos significados para o seu legado. A história do livro tem início em setembro de 2003, logo após o falecimento de Said, depois de uma longa e dolorosa luta contra a leucemia, que se mesclava com o seu ativismo político, em especial a batalha pela questão palestina. Sua morte, não somente produziu tristeza, mas nos obrigou a tomar consciência da desorganização política e cultural em que nos encontrávamos. A publicação de um artigo afrontoso, para não dizer covarde, em um jornal de grande circulação, fez com que nos deparássemos com a nossa fragilidade e sentíssemos uma profunda incompreensão. Aquele momento de frustração e sentimento de incapacidade, pelo qual passamos, felizmente durou pouco e acabou levando à ação organizada. A ação inicial organizada por Ivana Jinkings, Emir Sader e Daniela Morreau foi o manifesto (que depois tornou-se o Manifesto dos 187), que seria enviado em protesto ao referido artigo.. Assinado por alguns dos mais importantes intelectuais brasileiros (muitos outros quiseram assinar, mas, pela premência do tempo, não foi possível), foi a expressão da nossa indignação e, ao mesmo tempo, uma demonstração de que a organização seria a nossa força. Muitas idéias a esse respeito foram trocadas entre colegas que partilhavam da mesma indignação, como com Murched Taha, Carlos Madi, Walid Shuquair e Ali El-Khatib. Por que aceitávamos tantos ataques sem nada fazer? Concomitantemente, Emir Sader propôs que fizéssemos uma homenagem a Edward Said. Com a participação do Instituto Jerusalém do Brasil e da SBPC-SP, passamos à organização e alguns convidados foram contatados, como Jacob Gorender, que imediatamente atendeu ao nosso pedido. A iniciativa crescia à medida que os convites eram feitos aos prováveis participantes e tomou proporções muito maiores do que as inicialmente imaginadas. Percebemos então que algo especial estava prestes a acontecer, contando com a participação de José Arbex Jr., Gilberto Maringoni, Milton Hatoum, Chico de Oliveira, Ricardo Antunes, Ligia Osorio, Mamede Jarouche, Ivana Jinkings, Chico Miraglia, Mohamed Habib, Aziz Ab’Saber e Marilena Chauí. Os apoios para a realização vieram de vários setores como o Club Homs e a FEARAB-SP, e a confecção do maravilhoso cartaz dos artistas Cláudia e Cláudio Hernandez (pode ser visualizado no site www.icarabe.org). Depois, a confecção dos impressos pela ADUSP (Associação dos Docentes da USP) e por Dirceu Travesso. A divulgação foi ampla graças a ADUNIFESP (Associação dos Docentes da UNIFESP), a Boitempo Editorial, a ANDES–SN, Brasil de Fato, Jornal da Ciência, e aos deputados Ivan Valente e Said Mourad. Um esforço genuinamente coletivo e organizado, acima de tudo pedagógico, pois mostrou que seria possível fazermos muito se assim desejássemos e tivéssemos compromisso. Sobre o ato em si, não é necessário dizer muito, basta apreciar a beleza de produção intelectual contida no volume a ser lançado no dia 13. Os artigos, de uma complexidade e riqueza, são um convite não só à leitura das obras de Edward Said mas ao universo do intelectual no seu papel de reflexão e questionamento. Além dos artigos da homenagem, outros complementam a edição, como os de Arlene Clemesha, Lejeune Mato Grosso e Paulo Farah. Neste último, são apresentados trechos de uma entrevista inédita com o intelectual. Hoje, dois anos após a morte de Said, podemos dizer que 'Edward Said: trabalho intelectual e crítica social' não é só grandioso pelo registro histórico da homenagem. Ele representa o marco histórico de nosso movimento e organização pela criação de um Instituto da Cultura Árabe, proposta por Chico Miraglia naquele dia. A possibilidade da criação do instituto fez ressurgir a chama da nossa dignidade e sintetizou a atuação que viria a seguir. Fundamos o Instituto da Cultura Árabe em outubro de 2004, em um ato aberto a todos que quisessem participar, resgatando o universalismo que faz parte da cultura árabe. Entre as ações deste Instituto, fica também este livro, registro histórico e produção intelectual. Com ele também comemoramos nosso primeiro ano de atuação. Continuaremos atuando pela divulgação da cultura árabe, em todas as suas formas, e de maneira que seja condizente com a grandiosidade desta cultura milenar que tanto tem contribuído para as ciências, as artes, o conhecimento, enfim, para o lento, doloroso e, às vezes, por demais contraditório progresso da humanidade. O papel do Instituto da Cultura Árabe é continuar no resgate da história e da dignidade deste povo e desta cultura humanista. Quero finalizar com alguns registros importantes. O livro só foi possível graças à idéia de Milton Hatoum, que nos incentivou a fazê-lo; ao apoio de Ali El-Khatib, pela paciência de toda a Diretoria do ICArabe, que acreditou e discutiu o projeto; à força de José Arbex Jr. e o pessoal da Editora Casa Amarela, que trabalhou para executá-lo. Registro também o trabalho minucioso de Arlene Clemesha, historiadora, tradutora e conhecedora da obra de Edward Said. Como a vida e a obra de Edward Said, como o ato em sua homenagem, o livro representa o trabalho de muitos e é a expressão mais pura da beleza e da força de um trabalho coletivo. Um excelente começo. ** Este artigo, adaptado para a newsletter, é parte, e pode ser lido na íntegra, no livro 'Edward Said: trabalho intelectual e crítica social', a ser lançado no dia 13 de dezembro próximo.