Marianne Khoury: “os cinemas do Egito e do Brasil estão se conectando"

Sex, 29/08/2014 - 15:02

Não foi apenas o interesse do público brasileiro pelo cinema árabe que cresceu, ao longo dos nove anos da Mostra Mundo Árabe de Cinema do ICArabe. Com as produções brasileiras em seu radar, o Egito tem até uma plataforma criada por cinéfilos para se conectar com diretores brasileiros, como conta a cineasta Marianne Khoury, que está no Brasil para lançar “Zelal”, o  primeiro registro cinematográfico de um hospital psiquiátrico no Egito. Marianne participará, na sessão “Cinema Egípcio Contemporâneo”, da mesa de debate “Cinema e Pathos”, neste sábado, dia 30 de agosto, às 18h, após a exibição do filme “Zelal”, com mediação de Soraya Smaili, curadora da Mostra Mundo Árabe de Cinema. Em entrevista ao ICArabe, a diretora, que por mais de três décadas foi uma colaboradora muito próxima do grande cineasta egípcio Youssef Chahine e atualmente dirige a Misr Film Focus e participa do júri de inúmeros festivais como Roterdan, Abu Dhabi e Milão, entre outros, também fala sobre o cada vez mais importante papel que a mulher exerce no cinema e nas sociedades árabes. Leia a seguir:

 

ICArabe - Como surgiu a ideia de filmar um hospital psiquiátrico e alguns de seus aspectos?

Marianne Khoury - Sou interessada em histórias humanas e especialmente aquelas dos que as sociedades chamam de "loucos". São realmente loucos? Ultrapassaram a fronteira? Ou é um grande estigma em torno deles? O filme é uma viagem, uma exploração para esse mundo de loucura, em dois hospitais psiquiátricos no Egito. A voz é dada a estes homens e mulheres comuns, que vivem nas  sombras porque carregam dentro deles os males da sociedade.

ICArabe - Você teve que enfrentar resistência das autoridades para filmar?

Marianne - Bem, você não pode filmar no Egito, a menos que você tenha as autorizações ou licenças, e muito menos as filmagens em um hospital psiquiátrico público. Tirei todas as autorizações necessárias das autoridades, o que levou alguns meses. Eu tive sorte. 

ICArabe - E como foi a reação dos pacientes? Alguma história causou mais impacto sobre você? 

Marianne - Os pacientes foram ótimos. Filmamos três vezes ao longo de um período de oito meses. Nós estabelecemos uma boa relação com eles e, muitas vezes, eles estavam esperando por nós. Eles não tinham inibições na frente da câmera. E não houve nenhuma câmera escondida durante as filmagens.

ICArabe – Os públicos de outros países enxergaram uma relação entre a realidade dos hospitais psiquiátricos no Egito e no hospital em seus próprios países? 

Marianne – Sim, em vários países as pessoas viram uma relação entre as realidades do hospital psiquiátrico no Egito e os hospitais em seus próprios países. Muitas testemunhas durante as discussões sobre o filme compartilharam suas experiências com casos na própria família, como especialistas, com seus pacientes, ou como os próprios pacientes.  As situações são muito semelhantes, mas, por exemplo, o que está acontecendo agora no Egito foi o caso na França há 30 anos. A saúde mental tem se desenvolvido de forma diferente, dependendo de como os pacientes são tratados, durante ou após seu confinamento, e como eles se adaptam na sociedade. Muitas experiências foram compartilhadas, casos em Canadá, Itália e até mesmo nos Estados Unidos. 

ICArabe - Em seu ponto de vista, como o cinema pode impactar ou ajudar os momentos históricos que os países árabes têm vivenciado nos últimos anos? 

Marianne – Fazer filmes é algo poderoso, especialmente documentários criativos. É um processo contínuo.

ICArabe – O mundo árabe está experimentando um aumento sem precedentes da participação de mulheres no cinema e elas estão na vanguarda. É mais difícil fazer filmes sendo mulher ou isso é apenas um estereótipo?

Marianne - Um estereótipo. Mulheres têm-se revelado muito capazes no cinema. Muito poucas pessoas sabem que as mulheres são as que começaram o cinema no Egito, na década de 1920. Elas foram pioneiras. 

ICArabe – Muitos se surpreenderam com a participação das mulheres nas revoluções árabes. Como você descreveria seu papel no cenário? 

Marianne - As mulheres foram muito ativas nas revoluções árabes.  Como mães, irmãs, esposas ou apenas cidadãs. Elas sempre foram ativas, mas isso não aparecia. Já estava na hora de ver isso publicamente. 

ICArabe- Como você vê este momento social e política no mundo árabe? As esperanças da Primavera Árabe ainda resistem?? 

Marianne - Estou otimista, ainda é o começo e temos muito que fazer. 

ICArabe – Como você vê o diálogo que filmes árabes estão estabelecendo com as produções latino-americanas? Você enxerga elementos comuns entre eles? 

Marianne - Eu tenho certeza que há uma série de elementos comuns. Esta é a razão pela qual eu estou muito feliz de estar aqui e fazer parte desse diálogo. 

ICArabe – Você acompanha o cinema brasileiro?

Marianne - Vejo cinema brasileiro apenas em festivais. Eu acabei de voltar do Festival Internacional de Cinema Kelibia para Filmes Amadores no qual o curta-metragem brasileiro “Linear” ganhou como melhor filme. Esperamos trazer o cinema brasileiro para o Egito. Agora no Egito temos a Cinema Zawya, uma plataforma interessante criada por um grupo de jovens cinéfilos para se conectar com cineastas brasileiros.

ICArabe - Você está produzindo um novo filme? Poderia nos falar sobre ele?

Marianne - Sim, estou  produzindo um documentário criativo da jovem cineasta Dina Hamza. Também estou produzindo e codirigindo o musical “Ghosts of the City” (Fantasmas da Cidade), com Montasser Hegazy.

 

Leia também: 9ª Mostra Mundo Árabe de Cinema no CCBB-SP: diretora egípcia Marianne Khoury apresenta “Zelal”, o primeiro registro cinematográfico de um hospital psiquiátrico no Egito em http://www.icarabe.org/noticias/9a-mostra-mundo-arabe-de-cinema-no-ccbb-sp-diretora-egipcia