Copa do Mundo dos Refugiados: futebol une nacionalidades, histórias de sobrevivência e esperança

Qui, 03/07/2014 - 22:16
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Cerca de duzentos refugiados, entre jogadores e espectadores, pessoas que buscam reconstruir suas vidas longe de seus países de origem, reuniram-se na Copa dos Refugiados, no Colégio Santa Cruz, em São Paulo. Seis seleções competiram: Síria, Mali, Congo, Costa do Marfim, Colômbia e Haiti, a campeã do torneio.. 

Mais do que um torneio de futebol, a Copa do Mundo dos Refugiados, realizada em parceria entre as ONGs Atados, que se dedica a promover o engajamento de voluntários, e o Adus - Instituto de Reintegração do Refugiado – Brasil, veio para colocar sob os holofotes a situação de pessoas em condições de vulnerabilidade social, que por diversos motivos foram obrigadas a sair de suas terras e procurar refúgio no Brasil. Muitas histórias tristes, mas com alguma centelha de esperança.

Adama Konate, 33, estudante de contabilidade, deixou o Mali em 2012. Toda sua família ficou naquele país. Havia aprendido sobre a cultura brasileira nas aulas de História. “O mais importante aqui é como o Brasil apoia toda essa gente que chega de outros lugares. Sinto como se estivesse em meu país”, revelou Konate, que conseguiu abrir uma pequena lan house no centro de São Paulo. Ele escreve poesias e sonha em publicá-las.

O chef de cozinha sírio, Karan Alshikh, 30, acredita que o Brasil é o melhor lugar do mundo para viver. “As pessoas no Brasil são diferentes, recebem todo mundo, ninguém fica perguntando sobre religião ou política”. Para ele, o único problema é que falta trabalho para profissionais sírios. “Há pessoas que se refugiam aqui que são médicos, engenheiros e não arrumam trabalho. O Brasil precisa fazer algo para acolhê-las porque elas também são importantes”, afirmou Alshikh, que se mostrava agradecido pelo torneio de futebol. “Todo mundo está conhecendo um ao outro. Essa é uma grande ajuda, agradeço a todos.”

O engenheiro mecânico sírio Talal Altinawi, 40 anos, chegou ao Brasil há seis meses. Antes de chegar aqui, morou no Líbano por um ano. Trouxe com ele a mulher e o casal de filhos, de 12 e 9 anos. Pretende fixar-se no Brasil e reconstruir a sua vida. “Estou trabalhando há dois meses e quero aprender português rápido porque planejo estudar na USP”, disse Altinawi, que jogou ao lado do filho adolescente no time sírio. “Trouxe meu filho para jogar, trocar conhecimento e cultura”. Como era o primeiro dia do Ramadã, período sagrado para os muçulmanos, o time sírio entrou em campo em jejum. 

Dana, também vinda da Síria, planejava fixar-se na Europa ou nos Estados Unidos. Morou dois meses na Turquia, mas não conseguiu trabalho. Decidiu mudar-se para o Brasil. Faz sete meses que está no país, já entende  português e trabalha dando aulas particulares de inglês e árabe. “Não quero voltar a viver na Síria. Lá, as pessoas não podem sair, o caminho para o trabalho é muito perigoso.”

Segundo ela, a todo momento ouve-se o som de bombas. “Tem gente que se esqueceu de como é dormir bem. Há histórias de violência contra meninas”, contou. Quando arrumar um emprego de carteira assinada e tiver independência financeira, Dana pretende trazer a irmã, que está na Síria, para morar com ela. Mas, por enquanto, onde ela vive, só há espaço para um colchão e o dinheiro que ganha com as aulas ainda é muito pouco.

Para Daniel Morais Assunção, um dos fundadores da Atados e um dos organizadores do torneio, a Copa do Mundo da FIFA, embora seja um evento mundial, é excludente. “A Copa dos Refugiados é justamente para inseri-los num momento de alegria e diversão de que tanto precisam. A ideia era fazer uma Copa para todos, incluindo os refugiados, um momento de festa para eles. Queremos mostrar que eles também podem ser astros do futebol. Eles vivem uma vida difícil no Brasil. Vêm fugidos, muitos deixam a família”, ressaltou.

Além do medo e da preocupação com quem ficou no país de origem, os refugiados enfrentam muitas dificuldades no Brasil, especialmente as questões burocráticas de liberação de documentos para que possam trabalhar, ter moradia e estudar o idioma. 

A Atados e a Adus identificaram também que a questão da moradia é um dos problemas mais sérios, pois os refugiados, quando conseguem trabalho, ganham pouco. E e o aluguel é alto. Eles não têm fiador, ganham em torno de mil reais e o aluguel de um quarto em São Paulo custa cerca de quinhentos reais.

Ações de apoio

A Adus promove diversas ações de apoio aos refugiados, entre elas, um curso de português. As aulas são oferecidas nos abrigos da Penha e do Belém, em São Paulo. “A entidade planeja oferecer ainda cursos de capacitação profissional, como auxiliar de guincho, logística, costura, manicure e cabeleireira”, explica Ana Madaleno, coordenadora do curso.

Outro programa da ONG é o Apadrinhados, que consiste na assistência de um padrinho a um refugiado. O padrinho não ajuda apenas financeiramente, auxilia na busca de abrigo, participa da ações para pedir doações e tem que visitar o apadrinhado pelo menos uma vez por mês, ver se precisa de médico, condição de moradia e de trabalho.

Os interessados em conhecer a Adus e ajudar os refugiados podem obter mais informações no site http://www.adus.org.br/

Refugiados no Brasil 

Segundo o ACNUR – Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados, há cerca de 5500 refugiados no Brasil, de 79 nacionalidades diferentes. Os números revelam que os pedidos de refúgio no país têm crescido. Somente dos haitianos, nos últimos quatro anos, o Brasil teve quase 18 mil solicitações pedindo refúgio, segundo dados da Polícia Federal.

São Paulo concentra mais da metade da população de refugiados e segue sendo o destino também da maioria dos solicitantes de refúgio recém- chegados ao país. Por volta de 1500 novas pessoas, entre homens, mulheres e crianças, já foram cadastradas pela Caritas São Paulo somente desde o início de 2014.  O aumento do número de chegadas de refugiados tem sido progressivo. Enquanto em 2010, a Caritas registrou 310 novos pedidos de refúgio, em 2013, o número foi de 2899 solicitações.