A arte de contar histórias

Sex, 04/04/2014 - 09:04
Publicado em:
Há quatro anos, a atriz Chantal Mailhac começou um trabalho que considera uma missão. Na época, morava em Londres e estava insatisfeita com o teatro. Sentia que realizava “uma técnica vazia”, que faltava algo. Mais tarde, de passagem por Paris, foi contagiada pelo universo de Hakawat (arte de contar histórias), do qual uma amiga conterrânea fazia parte. Voltou para o Líbano decidida: seria uma contadora de histórias.

Ao lado de Sabine Choucair, Chantal fundou a companhia libanesa Whispered Tales – “Histórias Sussurradas” e, juntas, foram conhecer as narrativas de sua terra. “Fomos ouvir as histórias do povo, principalmente sobre o que aconteceu na época da guerra e dos últimos 50 anos”. A atriz faz teatro corporal, que, como conta, é o movimento do corpo como uma metáfora da viagem do pensamento. Ela aliou a expressão muda do teatro com o prazer de contar histórias. “Há uma necessidade humana da palavra e eu sentia essa necessidade”.

Morando no Brasil há dois anos, a atriz faz apresentações para um público diversificado, que abrange crianças e adultos, brasileiros e árabes e praticantes de yoga. “As histórias são para todos independentemente da origem, da cultura de cada um. Sou libanesa e descendente de franceses. Meu repertório inclui histórias árabes, do Líbano, da África, China, Japão, Mongólia, Brasil e países da Europa”.

Em seus espetáculos, Chantal apresenta, entre outras narrativas, contos da sabedoria sufi e anedotas de Mullah Nasreddin. Ela explica que a história sufi fala do encontro do homem com Deus, com a espiritualidade. “As histórias do Oriente são poderosas. Elas vão encher os vácuos que estão sendo cavados com os conflitos atuais. É muito importante para despertar a confiança. São um resgate para lembrarmos quem somos”.

Chantal ressalta a importância de contar as histórias árabes para os brasileiros. “É uma forma de abrir os horizontes. Elas ajudam a mostrar que, apesar da história moderna geopolítica do Oriente e da distorção midiática, não há só fanatismo, tem muita sabedoria na cultura árabe. Essa conexão também contribui para o próprio reconhecimento do brasileiro frente ao outro.

As histórias, diz ela, são um espelho do ser humano, do funcionamento da mente e do coração. São baseadas em fatos reais e por serem repetidas ao longo do tempo ficam no imaginário popular. “Nessa viagem no tempo e no espaço, colhem no meio do caminho o que no Líbano chamamos de sal e pimenta. São os detalhes que adicionamos, o nosso tempero, a nossa identidade”.

Para Chantal o contador é o primeiro ouvinte da história, é aquele que a acolhe. A história chega para o contador e exige que seja contada, criando uma continuidade em um mundo cheio de conflitos que deixam marcas profundas nas sociedades, que jamais se recuperarão. “Não estou falando da morte, ela é necessária para que a vida siga. Falo da guerra. A guerra é diferente. Ela borra, cria um vácuo, elimina. Os conflitos eliminam, não há como reexistir depois deles”, argumenta.

Já o ouvinte, destaca, é um colaborador, um transmissor que nunca vai deixar que a história se perca, passando-a de geração a geração. “O ouvinte se transforma espontaneamente em contador. Vai perpetuar a história. Para mim, ser contadora é uma responsabilidade grande porque estou passando algo importante. E nesse momento concretizo a minha necessidade de transmitir o que eu sei, o que aprendi. O momento de contar só pode acontecer entre mim e outra pessoa”. Assim, acrescenta, a história atravessa o tempo e o espaço e se torna o fio que amarra a trama do mundo.  “É por isso que as histórias são sempre atuais”, finaliza.

Para conhecer o trabalho de Chantal, acesse http://chantalmailhac.blogspot.com/