Comissário da ONU para refugiados palestinos lança campanha no Brasil

Qua, 02/10/2013 - 21:23
O comissário-geral da Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina (UNRWA), órgão ligado à ONU, Filippo Grandi, lançou na segunda-feira, dia 30, na Câmara de Comércio Árabe Brasileira,  a campanha de arrecadação de fundos em favor dos refugiados palestinos, em evento no qual expôs questões estruturais das operações da agência, da situação histórica dos refugiados palestinos no Oriente Médio e do envolvimento do Brasil.

Atualmente são mais de  5 milhões de refugiados que vivem em diferentes regiões do Oriente Médio, como Faixa de Gaza, Líbia e Síria. O principal objetivo da campanha é de arrecadar fundos para investir em equipamentos de saúde. A estimativa dos dirigentes da UNRWA é de obter cerca de R$ 1 milhão em arrecadação no Brasil.  “Cerca de três milhões de pessoas utilizam nossos serviços, em 135 centros de saúde que temos na região do Oriente Médio. São cinco mil médicos e enfermeiras que trabalham em nossas clínicas”, afirmou Filippo Grandi.

O comissário-geral detalhou que os recursos obtidos poderão ser investidos na compra de 23 equipamentos de ultrassom, usados para atendimento a gestantes. “Em 2011, quase 100 mil mulheres fizeram parto em nossas clínicas”, ressaltou.

Outro ponto destacado foi a nova migração de refugiados palestinos que vivem na Síria e estão deixando o país por causa da guerra civil no país. Antes do conflito, 530 mil refugiados se encontravam no país. Com o agravamento da guerra, 60 mil já deixaram a Síria, 50 mil dos quais em direção ao Líbano. “A questão dos refugiados palestinos é um tema humanitário muito importante, que exige apoio, mas também a compreensão e a compaixão. Os refugiados palestinos, por muito tempo, foram muito marginalizados. É uma questão complexa, difícil de ser resolvida; a UNRWA está cuidando deles, mas ninguém quer lidar com isso”, disse o comissário. “Nossos meios, como UNRWA, são cada vez mais limitados, e o nosso apoio é cada vez mais necessário, já que a população cresce.”

Grandi explica, por exemplo, que na Faixa de Gaza, dois terços da população, ou seja, 1,1 milhão de pessoas, dependem dos serviços da agência. “E preciso lembrar-lhes que Gaza está sob o bloqueio [israelense]”, ressalta.

Já na Cisjordânia, os palestinos, inclusive os refugiados, são profundamente afetados pela ocupação israelense, lembra o comissário: “Se você é um palestino na Cisjordânia, e precisa de tratamento médico, não pode recorrer a um hospital, porque está bloqueado. Então, o centro de atendimento mais próximo é o da UNRWA”.

Além disso, a escalada e o transbordamento dos conflitos na região são ressaltados frequentemente quando se trata da questão dos refugiados. No caso dos palestinos, muitos são forçados a buscar refúgio pela segunda ou terceira vez, num ciclo de perpetuação da sua condição de vulnerabilidade.

“Hoje, o problema mais grave é para os refugiados palestinos que estão em território sírio. A Síria costumava ser um local relativamente estável para eles, mas hoje, assim como todos os outros, eles são afetados por uma guerra terrível. A maioria deles está deslocada dentro do país; muitos fugiram para o Líbano, outros para a Jordânia, o Egito, e até para Gaza”, explica o comissário.

De acordo com Filippo Grandi, a UNRWA precisa de US$ 1,2 bilhão anuais para manutenção de todo o seu atendimento, metade dos quais para serviços básicos, como saúde e educação. O restante é destinado para operações emergenciais, como a eclosão de conflitos. Somente a guerra na Síria demanda recursos da ordem de US$ 300 milhões da UNRWA para atendimento aos palestinos atingidos.

 

Parceria do Brasil como ator global emergente

A questão dos refugiados palestinos é regional, localizada no Oriente Médio, mas tem reflexo e peso estratégico global, disse Grandi, especialmente por ser parte fundamental de um conflito armado e estrutural que já dura 65 anos, com diversas ramificações.

“Entendo que o Brasil, a cidade de São Paulo e as comunidades locais têm seus próprios problemas, bastante distantes da região. Entretanto, acredito que o conflito israelense-palestino, do qual os refugiados são parte, é uma questão de interesse estratégico global, e não apenas uma questão regional. Por isso, deve ser da preocupação do Brasil, como um ator global emergente, e para São Paulo, que é uma metrópole cada vez mais global”, continuou.

Segundo Grandi, o Brasil é um parceiro muito interessante para a UNRWA, que mantém diversas negociações com o Governo Federal. Mas a parceria, para ele, pode ir além do governo, através da sociedade civil e outras organizações, com a atenção a questões de direitos sociais e civis, que são fundamentais na Palestina.

O Brasil é um dos doadores da UNRWA, e em 2012 ocupava o 18º entre eles. No último ano, a doação oficial feita foi de 7,5 milhões de dólares (16,7 milhões de reais, um aumento de 700% em comparação com doações anteriores) para o programa central, de um total de 833,9 milhões de dólares (1,8 bilhões de reais) em doações para aquele ano, de acordo com dados divulgados no portal oficial da agência.

 

Desafios cada vez maiores

No início dos seus trabalhos, a UNRWA dedicava-se a salvar vidas, tratar e prevenir doenças transmissíveis e mitigar a fome, diz Grandi. No decorrer de seis décadas, porém, o programa evoluiu: “hoje, fornecemos assistência em diferentes níveis. Cada vez mais, os desafios que enfrentamos são os de doenças não transmissíveis, como doenças cardiovasculares, câncer, diabete e outras. Parece menos urgente em comparação com o caso anterior, mas posso garantir, estive em campos no Líbano, onde as pessoas têm câncer ou diabete, mas simplesmente não têm dinheiro para manter um tratamento continuado, e isso é devastador”.

Enquanto esses desafios precisam ser enfrentados, explica o comissário, “frequentemente, temos que lidar, outra vez, com conflitos e emergências. Por isso, no Líbano, hoje, temos dois grandes problemas: continuar a fornecer os cuidados habituais e também fornecer cuidados de emergência àqueles que fugiram da Síria”.

 

Perpetuação da crise humanitária

Antes da fala dos participantes, foram exibidos filmes com a história das migrações palestinas e os problemas humanitários gerados por esses grandes deslocamentos, iniciados em 1948.

As negociações entre israelenses e palestinos, mediadas diretamente pelos Estados Unidos e outros atores internacionais, têm sido identificadas como extremamente falhas na questão dos refugiados. O mais recente conjunto de provisões, os Acordos de Oslo (assinados na década de 1990), não abordam a temática suficientemente, e ainda não há previsões para que isso aconteça no atual processo de negociações, retomadas no final de julho.

Enquanto isso, a agência fica sujeita ao trabalho de um verdadeiro governo, como afirmou o próprio comissário, com a função de prover serviços sociais básicos, mas também bastante complexos a uma enorme população de refugiados, dispersos e recebidos por países vizinhos que têm suas próprias questões políticas e econômicas internas.

Grandi ressalta que a agência não trabalha através de intermediários, sobretudo governos, mas reconhece também a necessidade de coordenação com a administração nacional, refletida em questões de segurança e de educação (com a aplicação do currículo nacional nas suas diversas escolas), entre outras.

Entretanto, a continuidade do conflito por mais de seis décadas e os matizes políticos do debate sobre o estatuto de refugiado dos palestinos (com um “sistema especial” de proteção estabelecido pela ONU) e sobre o mandato da agência deve estar sobre a mesa, para incluir questões políticas e jurídicas, como o direito de retorno, de reassentamento ou de restituição (no caso das propriedades confiscadas ou destruídas pelo Estado de Israel).

Grandi explica a dificuldade de financiamento dos programas básicos de assistência, uma vez que os emergenciais “têm mais apelo”. Entretanto, ressalva, os básicos são os mais importantes.

“Neste ano, temos um déficit de 50 milhões de dólares, mas a assistência emergencial depende do perfil da crise. [O programa da agência] na Síria, hoje, atrai bastantes fundos. Quanto maior o fracasso político, mais os Estados desejam dar assistência humanitária. Se tomarmos como exemplo a Faixa de Gaza, que infelizmente, para a mídia, é uma crise ‘antiga’, foi fácil atrair fundos há três ou quatro anos, mas atualmente, é bastante difícil”, explicou.

Para informações sobre a campanha de doações, sobre a situação atual dos refugiados palestinos na região de atuação da UNRWA e sobre os seus trabalhos, acesse a página oficial da agência (em inglês).

 

UNRWA como alvo da violência e a continuidade dos trabalhos

A agência lida com diversas problemáticas estruturais, que se mostram cada vez mais complexas com o passar do tempo. Seu trabalho foi idealizado inicialmente como uma resposta emergencial a uma crise de refugiados derivada da guerra de 1948 (que levou ao estabelecimento do Estado de Israel, mas à negligência das Nações Unidas com relação à autodeterminação palestina).

Entretanto, a agência também fica sujeita às instabilidades políticas de cada país e aos episódios de escalada da violência. Exemplos são eventos como a Operação israelense Chumbo Fundido (dezembro de 2008 - janeiro de 2009), quando escolas, centros de saúde e um armazém de suprimentos da agência foram atingidos por ataques das Forças de Defesa de Israel (FDI). No último caso, o armazém foi totalmente queimado, assim como tudo o que havia dentro.

“Nestas situações, a agência é restituída pelo governo ou força responsável pelo dano. No caso do armazém em Gaza, que foi queimado completamente em 15 de janeiro de 2009, Israel ‘pagou’ (e é assim que o governo classifica a operação) pelo dano”, explica Grandi.

Por outro lado, o comissário faz menção também a episódios em que a própria equipe da agência é afetada. Por exemplo, no conflito sírio, Grandi diz que oito pessoas já foram mortas e outras 17 estão desaparecidas, de uma equipe de 3.700 funcionários. “Alguns danos não podem ser restituídos”, lamenta. “Além disso, quando os danos são materiais, mas você não sabe quem atirou, a quem pede restituição?”, ressalva.

 

Iniciativa concreta

De acordo com Grandi, no âmbito da sociedade civil, a Câmara de Comércio Árabe Brasileira viabilizou a primeira iniciativa concreta de suporte financeiro aos refugiados palestinos no Brasil com o lançamento da campanha. As conversas com a entidade começaram no ano passado, quando o comissário da ONU esteve no país e percebeu a receptividade dos diretores da Câmara à iniciativa. “Apoiamos esta campanha e vamos colocar toda a estrutura de comunicação da Câmara para apoiar e divulgar este projeto, visando alcançar seus objetivos”, afirmou o presidente da Câmara de Comércio Árabe Brasileira, Marcelo Sallum.

“Estamos conversando há meses com a ONU, por intermédio da UNRWA, buscando uma forma de ajudar o atendimento médico em áreas do Oriente Médio. Agora vamos auxiliar os amigos da Agência, fazendo o atendimento a refugiados em áreas específicas da região”, reforçou o vice-presidente da Câmara, Riad Younes.

(com Portal Vermelho)