Artigo - Morre Shimon Peres, homem da “paz dos cemitérios”
Por Soraya Misleh
As declarações de líderes globais sobre a morte do israelense Shimon Peres ontem (27), aos 93 anos, demonstram a paz colonial que defendem para a Palestina. Peres não foi um “homem da paz”; usava essa retórica a serviço do projeto sionista – no qual teve papel decisivo. Projeto de expulsão da população nativa palestina para constituição de Israel como um estado judeu.
Nascido na Polônia em 1923 e tendo imigrado para a Palestina em 1930, ele pertencia à ala dos chamados “sionistas trabalhistas” – que não se diferenciavam dos “revisionistas” em suas ações e propósitos, mas procuravam se distinguir desses últimos no anúncio claro de suas pretensões coloniais. Uma escola que Peres ajudou a criar e foi fiel por toda a vida. Era discípulo do fundador de Israel, David Ben-Gurion. Dizia-se “Ben-gurionista”. Junto com sua liderança máxima, Peres foi um dos arquitetos da limpeza étnica que culminou na nakba (a catástrofe palestina) há pouco mais de 68 anos e compôs a principal mílicia paramilitar, a Haganá, responsável por atrocidades incontáveis nas aldeias palestinas. Reivindicava que essas forças confirmavam a “pureza das armas”. E mesmo ao fim de sua vida, em uma declaração em 2013, reviveu o velho e hoje desacreditado mito de “uma terra sem povo para um povo sem terra” – ou seja, uma representação de que os palestinos eram um não povo. Uma desumanização lógica para quem tem em seu currículo uma extensa participação em massacres.
Nessa lista está a ordem dada ao massacre em Qana, no Líbano, em 1996, que resultou no assassinato de 154 pessoas – sob o argumento recorrente e mentiroso de defesa de Israel, muito utilizado em períodos pré-eleitorais como o que Peres enfrentava naquele momento. Defensor da política de assentamentos israelenses desde seu início e do cerco assassino a Gaza, foi durante seu governo que ocorreram as ofensivas genocidas à estreita faixa em 2008-2009 e 2012 – em meio à última, no ano de 2014, deixou a Presidência, não sem antes autorizá-la. Tem ainda em seu histórico a arquitetura do programa nuclear israelense, a ordem de sequestro do químico Mordechai Vanunu após denunciar tal programa ao mundo e a colaboração com o apartheid na África do Sul – chegou a oferecer ajuda nuclear a esse regime em 1975.
Nessas quase sete décadas, foi primeiro-ministro de Israel por duas vezes, presidente de 2007 a 2014, ocupou 12 gabinetes e teve passagens pelos ministérios da Defesa, dos Negócios Estrangeiros e das Finanças. Laureado com o prêmio Nobel da Paz em 1994, juntamente com Yitzhak Rabin e Yasser Arafat por seu papel fundamental na consolidação dos malfadados Acordos de Oslo em setembro de 1993 – uma segunda nakba para os palestinos, como se comprovou ao longo da história -, tem nesse um de seus grandes feitos. A realidade de Oslo – como afirmou o intelectual palestino Edward Said à época, o Tratado de Versalhes da causa palestina - demonstra que tipo de paz Peres defendia e pretendia. Uma pacificação com dependência econômica integral da Autoridade Nacional Palestina (ANP), consequente cooperação de segurança com o Estado de Israel e normalização de relações em meio ao apartheid e ocupação de terras palestinas. Contra essa “paz”, a resistência palestina. A Peres, resta o cemitério da história dos assassinos e colonizadores.
Fontes:
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Soraya Misleh, diretoria do ICArabe, é mestre em Estudos Árabes pela USP.
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