Gaza: todos os dias devem ser de solidariedade
É apropriado que expressemos hoje a nossa solidariedade com os palestinos de Gaza. Mas todos os dias devem ser de solidariedade porque a crônica de hoje é a crônica de todos os dias.
E é mais que apropriado, é necessário, que hoje seja um dia de fúria. Porque é fúria que cabe diante dos corpos despedaçados das crianças, e é fúria que cabe diante da injustiça, e é fúria que cabe diante da mentira.
Que fique claro, primeiro: o caráter criminoso dos ataques israelenses não pode ser negado – eles se enquadram cristalinamente nas definições do direito internacional. Não há nada que possa desfazer esse caráter criminoso: nem a tese absurda da legítima defesa, nem a tese indecente dos escudos humanos, nem a propagando do prévio aviso.
E estes crimes têm ainda um efeito suplementar perverso: para quem não tomar cuidado, o sangue e a fumaça podem encobrir o crime continuado, velho de várias décadas, que se comete contra o povo palestino. A ocupação e o bloqueio não se bastam com pisotear os direitos fundamentais dos palestinos como indivíduos e como povo, mas trabalham com passos seguros para a inviabilização de uma autonomia palestina e mesmo para o apagamento da identidade desse povo. Isto também chama à fúria e à resistência e todos os dias devem ser de fúria e de resistência.
E chama à fúria o discurso que tenta justificar, e mesmo purificar, todos os crimes, os massacres, a ocupação, o desterro, a opressão com argumentos que mais parecem tirados de algum filme hollywoodiano barato. E chama à fúria a dominância desse discurso e sua aceitação por tantas mentes.
Chama à fúria esse desligar, por tantas cabeças que de outro modo nos pareceriam muito capazes, de todo senso critico, de toda capacidade de diferenciar o razoável do absurdo e, mais grave, de toda capacidade de reconhecer a injustiça ainda quando ela dança a seus pés.
É contra os crimes, contra a injustiça e contra as representações falsificadoras da história que é preciso lutar. E todo dia é dia de fazê-lo.