O Líbano em perigo constante
Em 6 de junho de 1982, Israel invadia o Líbano pela segunda vez. Não sendo a primeira e nem tampouco a última, vale a pena lembrar.
Denominada “Operação Paz na Galiléia”, a agressão, atravessando as linhas dos capacetes-azuis das Nações Unidas, só de longe se relacionava com a terra onde Jesus fizera seu primeiro milagre, o da transformação da água em vinho, já que tinha outros dois objetivos: a expulsão da Organização para a Libertação da Palestina (OLP) e das Forças Armadas da Síria do território libanês e a instalação em Beirute de uma “nova ordem” favorável aos cristãos falangistas que assinariam um acordo de paz líbano-israelense.
Lembro-me bem deste dia. Vindo do Iraque onde fora a negócios, passei no Líbano para visitar meus familiares, a caminho do Brasil. Levara à boca a colher de mulukhia que minha irmã preparara quando vi pela janela aberta passar uma esquadrilha de F-1 israelenses, presenteados pelos Estados Unidos, indo atacar o acampamento de refugiados palestinos, situado a menos de 200 metros dali. As bombas ensurdecedoras estremeceram a casa e, minutos depois, corriam pelas ruas da aldeia velhos, mulheres e crianças, chorando e gritando, sem rumo, procurando abrigo. Minha mãe, não sei de onde trouxe forças, me jogou no chão e me cobriu com seu corpo franzino. Acalmada a situação, ela me fez ir para o aeroporto e seguir meu destino. Consegui fazê-lo, enquanto soldados israelenses atravessavam a fronteira do sul do Líbano, pisoteando as linhas dos capacetes-azuis das Nações Unidas e, com cobertura aérea pesada e mais tropas em operações anfíbias, avançaram até a estrada Beirute-Damasco em questão de horas, ignorando também a Resolução 509 do Conselho de Segurança das Nações Unidas do mesmo dia.
O presidente sírio Hafez Assad apelou para o líder soviético Leonid Brezhnev, que usou a linha vermelha com o presidente estadunidense Ronald Reagan. Este, para ajudar Israel a ganhar tempo, limitou-se a pressionar o seu enviado especial, Philip Habib, a intensificar seus esforços de paz. Habib morrinhou mais alguns longos dias quentes do verão infernal negociando um armistício, o tempo suficiente para que o General Ariel Sharon expulsasse Yasser Arafat de Beirute, coisa que , é fácil deduzir porque, as forças armadas sírias também fizeram em Trípoli.
Tudo não passava de tapeação, pois em 13 de junho os israelenses expulsaram o presidente do Líbano Elias Sarkis de seu palácio em Baabda e, com o Partido das Falanges, cercaram meio milhão de libaneses e palestinos em uma área de 8 quilômetros quadrados, cortando-lhes água, eletricidade, comida e combustível, submetendo-os a intenso bombardeio de artilharia pesada e ataques aéreos, tudo sob o comando do general Ariel Sharon que exigia a rendição incondicional da OLP. A trégua com a Síria foi rompida por Israel no dia 22 de junho. A esta altura, Israel já tinha 76.000 homens operando no Líbano além de número desconhecido de combatentes falangistas da direita libanesa, contra 18.000 palestinos e seus aliados da esquerda e 25.000 soldados regulares sírios.
Em 19 de agosto, o cínico Habib conseguiu uma trégua entre todas as partes e quem pagou a conta, mais uma vez, foi o Líbano. E não seria a última.