Artigo: “As forças armadas das Nações Unidas atacam Israel”
Mais ridículo e falacioso que o título deste comentário, de longe, é aquele do artigo de Giulio Meotti intitulado The UN declares War on Judeo-Christian Civilization (As Nações Unidas declaram Guerra contra a Civilização Judaico-Cristã).
Giulio Meotti é jornalista, com coluna permanente, no diário Il Foglio, de propriedade de Silvio Berlusconi, o que já não o recomenda muito, e seus artigos aparecem também com frequência no jornal israelense Yedioth Ahronoth, um jornal diário israelense de grande circulação, desde a década de 1970, dono da maior tiragem em Israel, o que não é difícil de acontecer para um sionista italiano que às vezes tem publicado alguns artigos no Wall Street Journal, enxertados por recomendações de investidores na Bolsa de Nova York. Meotti se diz expert em antissemitismo, Israel, Islã, multiculturalismo e Oriente Médio, o que seria possível, se seus artigos fossem racionais e não falseassem a verdade.
O artigo que comentamos aqui foi publicado recentemente, dias após a aprovação da Resolução 2334 das Nações Unidas criticando e demandando que Israel cumpra com a Lei Internacional e deixe de construir assentamentos permanentes em terra que não lhe pertence.
Comecemos por alguns pontos arrolados por Meotti para afirmar que “As Nações Unidas declararam guerra contra a civilização judaico-cristã” o que é uma tremenda falácia com intuito de pintar um quadro fantasioso sobre um fato de importância maior que a Resolução da Assembleia Geral de 1948, que os sionistas usaram para criar um Estado e continuam usando para justificar um crime contra os palestinos.
O articulista começa indagando como é que a jurisprudência Ocidental não evitou que não fossem mais cometidos crimes contra a humanidade e está sendo usada para perpetuar mais crimes contra a democracia. Ora, jurisprudência é aquilo que serve como modelo ou exemplo para agir e, já que estamos falando em Nações Unidas, ele deveria antes de cobrar do vagamente por ele intitulado “Ocidente” se Israel, que não cumpre Resoluções dos diversos órgãos da ONU desde a sua fundação, tem moral para cobrar ações a quem quer que seja.
Ainda a esta altura, quem cobra cumprimento de leis contra a humanidade jamais deveria violá-las e não há um chefe de governo israelense, desde quando organizaram o seu Estado, e até hoje, na era Netanyahu à frente, que não seja culpado de transgressão da Lei Internacional e estes deveriam ser encaminhados aos tribunais internacionais.
Mas, quando o colunista fala em democracia, ao escrever sobre o estado de Israel, ele deveria, no mínimo, lembrar que o sistema político israelense não está comprometido com igualdade democrática, com a distribuição equitativa de poder entre todos os seus cidadãos, ou seja, entre os árabes que consideram israelenses – cristãos e muçulmanos – e os judeus cujos avós nunca tinham pisado na Palestina e muitos deles achavam que a Palestina era uma terra sem povo, sem história e tradição. Depois, ocupar a terra dos outros e não cumprir as leis internacionais e falar de democracia e crimes contra a humanidade é simplesmente risível.
Os palestinos, os países que votaram por unanimidade contra o comportamento criminoso contínuo de Israel, ao usar a terra alheia em benefício próprio, inclusive os Estados Unidos, que pareciam não aguentar mais ficar apoiando as mazelas de Israel e se abstiveram de votar, não estão terrivelmente manipulando fatos reais para “apagar toda a história judaica cristã”, pois quem isto faz são os sionistas que cometem transgressões contra o povo palestino, dono da terra, e depois expõem atitudes velhacas ofensivas à inteligência judaico-cristã-islâmica, a começar por seu chefe de governo dizendo que não vai submeter-se à Resolução das Nações Unidas, como se algum dia o tivessem feito, desde quando impuseram sua existência ilegal ao planeta Terra, principalmente aos palestinos, muçulmanos ou cristãos.
Será que temos que lembrar a Meotti que ninguém no Islã considera o mundo “originalmente e eternamente islâmico” como ele afirma? O mundo, na realidade, também não foi jamais judeu ou cristão ou muçulmano e é exatamente a diversidade o que a humanidade sempre procurou, pois só ela é garantia da salvação, principalmente para quem como ele parece achar que ela vale somente para judeus e cristãos e não vale para os muçulmanos ou até mesmo para ateus e seguidores das centenas de religiões que este mundo tem.
A referência a “macacões laranja, decapitações e escravidão” usadas pelo jornalista são menções ao Estado Islâmico, que de estado e de islâmico nada tem; não passa de um ajuntamento de fanáticos à busca de poder e o Islã está longe desta organização, pois esta interpreta mal todos os fundamentos da religião do Corão. Para todo o mundo, sem exceção, a EI é uma organização criminosa, fundamentalista, que merece o mesmo castigo que merece Israel pelo uso que quer fazer da religião de Moisés, para praticar crimes capitulados nos Dez Mandamentos e usar um Acordo com Deus, que foi quebrado, como uma das bases da criação de um estado que peca pelo seu comportamento contra o povo palestino e não respeita nem mesmo os seus aliados.
O Estado Islâmico e o Estado que se quer Judaico, para quem pensa com isenção, têm o mesmo propósito e querem chegar a seus objetivos independentemente de considerações humanas, morais, legais e principalmente religiosas.
Não merece consideração a frase do articulista que diz “Se é possível apagar e reescrever a história, também é possível redirecionar o futuro”, por se prestar à exploração do lado cômico, se é que esta existe, quando o assunto em pauta é sério por tratar-se de crimes contra a humanidade cometidos por Israel e individualmente por seus governantes. O que vale para o Estado Judeu vale também para o Estado Islâmico.
É verdade - pelo menos uma verdade foi escrita pelo empregado do Berlusconi - quando cita a Relatora Especial de Direitos da Mulher das Nações Unidas, Dubravka Simonovic, quando destaca que “quando palestinos espancam suas esposas a culpa é de Israel”. Só que o jornalista não foi honesto e respeitador dos direitos de autor quando retirou uma frase de um contexto. Esta citação é meia frase de um relatório substancioso, usada para dizer que os palestinos espancam suas esposas como se só os palestinos o fizessem e os italianos e os sionistas não. Simonovic, poucas linhas após a citação acima, disse também em suas conclusões que o fator contribuinte para este fenômeno “é o contexto da prolongada ocupação” e disse mais, quando se referiu aos palestinos que vivem em Gaza, sublinhando que a primeira causa do tratamento dado pelos maridos às suas mulheres em território cercado “é devida à pressão constante causada pelo bloqueio”. É claro que nem Giulio Meotti e nem a imprensa israelense fizeram qualquer menção a estas frases que representam a conclusão do relatório de Dubravka Simonovic.
Meotti obviamente não leu o Relatório de Simonovic, como também não leu um artigo do Haaretz, de 27/02/2013, onde o jornal israelense publicou a manchete: Israel admits Ethiopian women were given birth control shots. (Israel admite [que] as mulheres etíopes receberam injeções para controle de natalidade.). As “mulheres etíopes" a que se refere o Haaretz são judias trazidas da Etiópia para Israel numa operação da qual os israelenses se orgulham.
Por trás do fato há a comprovação da discriminação racial em Israel, não somente contra árabes palestinos, mas também contra judeus que vieram dos países árabes. Note-se que se referem às “mulheres etíopes” algo que não dizem quando se trata de uma judia russa ou polonesa ou alemã; estas são judias sem menção do país de origem. Os etíopes que foram trazidos para a Palestina ilegalmente ocupada não ficam nas cidades israelenses, eles ficam confinados em aldeias escondidas para que os visitantes não notem e digam que há israelenses pretos. Que Meotti leia o artigo do Haaretz, reconheça a discriminação contra judias por serem pretas e não discrimine as mulheres judias, cristãs ou muçulmanas, brancas, negras ou amarelas, seja lá onde ele inclui as mulheres Árabes.
O “extermínio físico [de Israel]” não está no keffiyah que Peter Thomson, o presidente da Assembleia Geral das Nações Unidas usava na reunião da ONU e sim nos crimes que Israel vem cometendo ao longo de decênios e perdendo o apoio que chegou a ter muitos anos atrás. Thomson, com seus muitos anos de Nações Unidas, tem assistido, e participado, das inúmeras condenações de Israel e das centenas de Resoluções de todos os órgãos das Nações Unidas contra Israel que nenhuma cumpre. Ele, também como representante permanente de Fiji na organização internacional, não esquece nunca e tal qual a totalidade de seus conterrâneos, lembra os ataques assassinos do quartel das forças das Nações Unidas, em Cana, na Galileia libanesa, criminosamente atacado por terra, mar e ar pelos israelenses, matando soldados fijianos, crianças, mulheres e idosos libaneses e palestinos indefesos. Por tudo isto, Thomson usa o símbolo da resistência palestina como protesto e demonstração de apoio às vítimas dos sionistas.
O chamado Ocidente - incluindo também os Estados Unidos - está farto dos crimes de Israel e de sua desobediência às Resoluções das Nações Unidas e sinceramente não demonstram qualquer apoio, parceria ou comunhão com o estado sionista. A última Resolução do Conselho de Segurança é prova disto.
Como sempre, todos aqueles que pretendem defender Israel fracassam ao atribuir ao povo palestino e seus defensores a culpa por consequências de problemas criados pelo próprio estado israelense. É o caso, por exemplo, da Resolução 2334 do Conselho de Segurança das Nações Unidas, qualificada por Meotti como “o ápice de um ano vertiginosamente proveitoso para os antissemitas”, uma entre aquelas que “em novembro passado, comissões da Assembleia da ONU adotaram, em um único dia, dez resoluções contra Israel, a única sociedade aberta do Oriente Médio”.
É claro que não merecem resposta as falácias que se repete de que Israel “é a única democracia no Oriente Médio” ou “a única sociedade aberta do Oriente Médio”. Se o referido estado fosse uma democracia e uma sociedade aberta não cometeria os crimes que fazem com que órgãos das Nações Unidas adotem a Resolução 2334 sobre a ilegalidade dos assentamentos e mais 10 Resoluções sobre vários outros assuntos.
Entre as Resoluções recentes tomadas contra o comportamento não democrático de Israel está aquela que o condena por reprimir cidadãos sírios nas Colinas de Julan, como se não bastasse o que faz com as crianças palestinas em território ilegalmente ocupado ou os pescadores libaneses em águas territoriais do Líbano.
Israel condena a ONU por Resoluções, como se os criminosos não fossem o próprio estado, que comete crimes diários contra palestinos, sírios e libaneses, em suas respectivas terras ou águas ocupadas, apesar da lei internacional sobre ocupação e tratamento a cidadãos em territórios ocupados como resultado de guerra, violando sem cessar os direitos humanos.
Uma forma pueril e desrespeitosa israelense de procurar justificar seus crimes é alegar que enquanto Israel é condenado por meio de Resoluções das Nações Unidas por crimes cometidos, outras nações não são julgadas e mencionam nomes de países que se assemelham ao estado judeu em seu tratamento contra seus próprios povos ou vizinhos.
Meotti não receberia pelo artigo que escrevinhou caso mencionasse os efeitos do BDA (Boicote, Desinvestimento e Sanções), mas como a simples menção do Movimento já é uma propaganda, ele desviou e afirmou para atacar: “de acordo com os mentirosos das Nações Unidas, o país mais perverso do mundo é Israel. O Alto Comissário de Direitos Humanos, Zeid Ra'ad, do Escritório do Alto Comissariado para os Direitos Humanos da ONU, e o príncipe Zeid al Hussein da Jordânia já estão patrocinando uma ‘lista negra’ de empresas internacionais que têm laços com empresas israelenses na Judeia, Samaria, Jerusalém Oriental e nas Colinas de Golã para facilitar o boicote a Israel, na esperança evidente de exterminar economicamente a única democracia e nação pluralista da região: o estado judeu”.
Talvez ele não saiba, mas chegou tarde, pois até mesmo Benyamin Netanyahu vem se queixando e choramingando devido aos efeitos do BDS e muitas firmas internacionais estão, de fato, desistindo de investir em Israel.
Com muita raiva, ou fingimento para agradar o patrão, Meotti não deixou de atacar o Fundo das Nações Unidas para a Infância ao afirmar: A Representante Especial das Nações Unidas para Crianças e Conflitos Armados Leila Zerrougui da Argélia, sugeriu também incluir o Exército de Israel na 'lista negra' de países e grupos que causam corriqueiramente sofrimento às crianças”. Faltou revisão para a o artigo pois o Fundo é da Infância e nada tem com ‘Conflitos Armados’, mas que o Exército de Israel merece ser listado não há dúvida, pois país algum prende sem acusação crianças de até oito anos por tempo indeterminado como o faz Israel.
Não poderia faltar também a menção pelo articulista de outro organismo da ONU quando ridiculamente mencionou que “A Comissão das Nações Unidas para os Direitos das Mulheres condenou Israel como o único violador mundial dos direitos das mulheres”.
E ainda não poderia faltar a OMS e o jornalista do Il Foglio escreveu: “A Organização Mundial da Saúde das Nações Unidas também seleciona singularmente Israel como o único infrator do mundo da saúde”.
Mais uma queixa o jornalista não poderia deixar passar sem despertar o mundo para outra infração. Foi quando disse: “Em outubro passado a agência cultural da ONU, a UNESCO, declarou como num passe de mágica que locais bíblicos judaicos da antiguidade são na verdade ‘islâmicos’, muito embora o Islã sequer existisse historicamente até o Século VII, pois veio a ser estabelecido centenas de anos mais tarde - quis, com a cumplicidade pérfida do Ocidente, apagar as raízes judaico-cristãs de Jerusalém”. Isto não passa de uma mentira, pois a preocupação da UNESCO é que Israel, para apagar a memória de uma Jerusalém árabe, muçulmana e cristã, chama a atenção constantemente das autoridades israelenses para as obras que empreendem, cavando túneis por baixo das mesquitas e das igrejas, com a desculpa de facilitar o acesso ao Muro das Lamentações quando na verdade querem desfazer os monumentos muçulmanos e cristãos.
Queixa-se o editor cultural do diário Il Foglio, com uma asserção final, que “Israel continua a ser tratado como um pária por esses criminosos ideológicos e tangíveis [da ONU] e. mesmo depois disso tudo, em 1975 a ONU mostrou sua verdadeira face disseminando o libelo de sangue antissemita: sionismo é uma forma de racismo".
Com tanto perigo à vista, Giulio Meotti deveria terminar seu artigo gritando para os quatros cantos do planeta: As forças armadas das Nações Unidas atacam Israel!
José Farhat, cientista político e arabista, é diretor de relações internacionais do Instituto da Cultura Árabe (ICArabe)