Muçulmano aquele que se entrega a Deus

Sex, 23/05/2014 - 10:02
Bismi-llāhi r-raḥmāni r-raḥīm, 

Em Nome de Deus, O Clemente, O Misericordiador

Todo muçulmano quando inicia qualquer atividade pronuncia primeiramente Bismillah... pois tudo que ele faz está sendo feito com a permissão de Deus (Allah). Em Nome de Deus tudo deve ser feito, seja na hora da alimentação, do trabalho, do estudo, assim como, a expressão InshAllah (Se Deus quiser) marca claramente que a pessoa fará o que pretende se isto for desejo de Deus.

Na etimologia da palavra Islam, encontramos a forma verbal “aslama” que significa “submissão a Deus” e da qual “muslim” (muçulmano) é o particípio presente: “aquele que se submete a Deus” (ELIADE; COULIANO, 1995, p.191). No dicionário árabe-português, de Helmi Nasr, Islam significa entrega, obediência completa a Deus, além de “a religião do islã” e “Islamismo” (2005, p.130).

Entrega foi o termo que adotei na minha tese de doutorado Entre Arabescos, Luas e Tâmaras, porque considerei, não só porque se trata da tradução correta, como me alertou Aida Ramezá Hanania, mas também, por considerar que há uma entrega desse muçulmano que professa a sua religião e com o qual pude conviver nesses mais de 16 anos de pesquisa.

Destaco a relação primordial entre um texto, revelado ao Profeta Muhammad, que se constitui no seu primeiro intérprete, e aqueles que o recebem e o recitam cotidianamente para (re)estabelecerem, pela oração, a ligação originária (do Profeta) com Deus. Este texto — o Alcorão — consubstancia as práticas fundamentais da vida religiosa islâmica ou os pilares da fé muçulmana.

Os pilares da fé islâmica são: Shahada, profissão de fé do muçulmano, ele repete em todas as orações "Não há Deus se não Deus e Profeta Muhammad é o seu Mensageiro". Quando o não muçulmano diz a frase em árabe, ele se reverte (retorna) ao Islam e passa cumprir os outros pilares; Salat (oração) os muçulmanos devem realizar cinco orações diárias: ao alvorecer; ao meio-dia; entre o meio-dia e o pôr-do-sol; logo após o pôr-do-sol; aproximadamente uma hora após o pôr-do-sol; Jejum (Ramadã) durante 29 e 30 dias o muçulmano jejua, não come e nem bebe durante o dia, acredita-se que nos últimos 10 dias do mês do Ramadan o Alcorão foi revelado ao Profeta, período portanto que as orações se intensificam. Zakat, a contribuição anual é feito em uma média de 2,5% da renda anual, variando dependendo da condição e do contexto na qual vive o muçulmano; Hajj, peregrinação a Meca deve ser feito se a pessoa tiver condições físicas e ou financeiras para empreender.

Essas são as linhas gerais para se compreender o universo islâmico, os primeiros passos. No cotidiano islâmico, Deus vem em primeiro lugar, depois, todas as demais atividades. Nada pode ser associado a Ele. A Unicidade é um conceito fundamental na religião, por isso, os 99 nomes de Allah são os atributos que só a Ele pertence, pois nada pode estar no mesmo patamar que Ele, portanto a idolatria é estritamente repreendida no Islam. 

Muçulmano é temente a Deus, é entregue aos seus ensinamentos. O que aprendi em mais de 16 anos de pesquisa foi a generosidade islâmica expressa não só por brasileiros convertidos/revertidos que vivenciam a religião, mas também, pela comunidade árabe que trouxe o Islam ao Brasil e que me ensinou o pouco que sei sobre a religião, generosidade religiosa, que soube ensinar, sem a pretensão de serem perfeitos, porque perfeito só Allah, eles me diziam, me dizem. Mais recentemente, pude conhecer alguns países islâmicos Marrocos e a Turquia e lá como aqui, a comunidade recebe a todos seguindo os ensinamentos (Hadices) do Profeta Muhammad. A experiência em Cuba também foi de encher os olhos de emoção, comunidade alegre, religiosa, que recebe aos não muçulmanos, como se fosse um dos seus. Por isso, quando leio sobre rapto de meninas, sobre violência às mulheres, sobre guerras, destruição, este não é o Islam que eu pesquiso e a qual tenho me devotado a aprender. 

A imprensa contribui fortemente para uma imagem negativa dos costumes islâmicos, qualquer informação errada sobre a religião, nos coloca em situação delicada. Isto não quer dizer que tudo é perfeito, ao contrário, os homens são imperfeitos, e a ignorância está por todos os lados. Mas é preciso não misturar os preceitos da religião, com o comportamento de determinadas pessoas. Generalizar o comportamento religioso é um grande risco. 

No Brasil, os problemas são inúmeros, talvez o mais recorrente seja em relação às mulheres revertidas, que além de enfrentarem o desprezo de suas famílias, também tem dificuldades de conseguir um emprego em sua área de atuação, pois muitas delas seguem o que está prescritivo por Deus, o uso do lenço, e por isso, são deixadas de lado em seleções de trabalho. 

Felizmente nos últimos anos cresceu o interesse da academia pelas pesquisas em comunidades muçulmanas. Acredito que esses estudos possam contribuir para Compreender o Islam e os seus fiéis sem os estereótipos da mídia e sem os estereótipos de editoras que vendem livros apenas para distorcer o que é a religião. O Islam é a religião do conhecimento, a primeira sura revelada (96, 1-5) já expressa o desejo pelo conhecimento:

Lê em nome do teu Senhor Que criou;

Criou o homem de algo que se agarra

Lê que o teu Senhor é Generosíssimo,

Que ensinou através do cálamo,

Ensinou ao homem o que este não sabia.

Os muçulmanos se entregam ao amor, ao encontro profundo com Deus, que não cabe em palavras, mas em sentimentos que são renovados todos os dias, cinco vezes por dia, em suas orações, em suas súplicas, em seu adab (comportamento).

 

Francirosy Ferreira é antropóloga, docente USP, FFCLRP e coordenadora do GRACIAS – Grupo de Antropologia em Contextos Islâmicos e Árabes;http://www.antropologiaeislam.com.br/)

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