9ª Mostra Mundo Árabe de Cinema: sessão lotada e debate sobre a Questão Palestina e o cinema marcam encerramento no CCSP
O encontro contou com a participação do professor de Relações Internacionais da PUC-SP, Reginaldo Nasser, do jornalista Arturo Hartmann, diretor do filme "Sobre futebol e barreiras", e de Geraldo Adriano Godoy de Campos, curador e diretor da Mostra.
Geraldo Adriano Godoy de Campos abriu o debate fazendo um balanço sobre os trinta e cinco dias de Mostra, mais uma vez sucesso de público. “Percebemos que existe o interesse do público de São Paulo pelo cinema dos países árabes e pelas atividades, o que é motivo de muita alegria para nós porque este é um trabalho de um ano inteiro”, ressaltou. Geraldodiscorreu sobre as razões de encerrar o festival com uma mesa de debates sobre a Questão Palestina. “Além de nosso compromisso com a questão palestina, é importante dizer que o cinema palestino é um dos cinemas mais ricos esteticamente que temos hoje nos países árabes e um dos cinemas de mais longa tradição. Trata-se de uma longa história, que é bem anterior a 1948."
O diretor cultural do ICArabe pontuou que ainda que alguns estudiosos das Relações Internacionais ainda não tenham, infelizmente, entendido a força das abordagens estéticas para a compreensão da política global, trata-de um campo absolutamente fértil. “Estamos falando de genocídio, massacre, mortes, dor. Como esse imenso campo de representações estéticas pode nos ajudar a entender essas questões? Trabalhando com metáforas, com questões imagéticas e expondo a dimensão política presente na construção de qualquer representação. O cinema e as artes de modo geral não trazem respostas, mas podem ajudar a reformular as perguntas. Há uma dinâmica político-cognitiva na lógica da formulação das perguntas”, refletiu.
A produção cinematográfica, afirmou, é importante para pensarmos a questão palestina, porque tenta de alguma maneira trazer essa ideia da representação e que reconstitui uma ideia de territorialidade e de pertencimento. Ainda neste sentido, Geraldo falou sobre a ideia do cinema palestino como forma de testemunho, uma questão central dos filmes que falam sobre Gaza, atestando o potencial desta linguagem. “Esses filmes representam esse espírito e essa força do cinema palestino como uma expressão do testemunho daqueles que sobreviveram e da possibilidade também de discutir o limite da linguagem perante a catástrofe.”
A questão de gênero foi lembrada no debate e Geraldo ressaltou que a porcentagem de mulheres diretoras e produtoras envolvidas no processo produtivo de cinema no mundo árabe “é infinitamente maior do que a de Hollywood, que ainda tem uma porcentagem pequena”, disse. Os três filmes palestinos exibidos no encerramento foram dirigidos por mulheres.
Para o professor Reginaldo Nasser, os filmes vão além da Questão Palestina, devido à universalidade que carregam. “Em primeiro lugar, entendo que o cinema cada vez mais se tornou um elemento pedagógico de formação. Não só o cinema, mas também a imagem, como forma de um processo do conhecimento.”
No campo das Relações Internacionais, pontua Nasser, o conceito de percepção, que vem da psicologia foi muito utilizado durante a Guerra Fria, mas desapareceu. “Acredito que é preciso recuperar isso como uma parte teórica e metodológica do processo de conhecimento.”, afirmou.
O professor abordou também a questão da violência, do terror físico e psicológico que a população de Gaza sofre e a forma como o cinema retrata isso. “Uma coisa é dizer que Gaza está cercada, outra é mostrar isso com a imagem de pássaros, numa metáfora fantástica. Não há duvidas do terror que tem sido feito sistematicamente na Faixa de Gaza com consequências desastrosas para a vida das pessoas.”
Todos esses depoimentos, manifestações da vida cotidiana do povo palestino, destacou, acabam nos dando a dimensão do macro a partir de situações individuais. “Há, sistematicamente, um conjunto de ações, do bombardeio até outras situações, como controle dos alimentos, a forma de manifestação (daquele povo), de ver o mundo e conviver com as pessoas, que é aterrorizante. Isso deve fazer parte de nossas reflexões.”
Nas palavras de Nasser, precisamos construir mais pontes com esses processos histórico- sociais que acontecem, não só na Palestina, mas em todo lugar do mundo. “A Palestina tem particularidades, mas também tem muito a ver com a nossa vida aqui, com a vida de alguém na periferia de Nova Iorque, de Londres e de Paris”, pontuou.
Para Arturo Hartmann, que já esteve quatro vezes na Palestina, o cinema palestino se esforça especificamente numa tentativa da quebra de um discurso hegemônico. Não é fácil, segundo ele, informar sobre a Questão Palestina. Há os fatos: a barreira de Israel, o número de bombas de Israel sobre Gaza, o número de acres de terras que os israelenses tomam na Cisjordânia, tudo isso está acessível, mas falar sobre isso não é suficiente. “Existe um discurso hegemônico que é difícil de quebrar e o cinema oferece outra linguagem, que choca e emociona pelo conjunto do que a linguagem cinematográfica permite”.
O jornalista e diretor de cinema destacou três obras que participaram na 9ª Mostra como símbolo de resistência, do testemunho e de como o cinema pode ser uma arma com uma forma de mostrar a dura realidade daquele povo: “Omar”, “Para onde voam os pássaros” e “Estado-Nação”. “Todos eles trazem um jeito de tocar nestas questões. Um depoimento de um palestino falando do que ele vive em Gaza supera qualquer dado. Não que os dados não sejam importantes, temos que entender inclusive o aspecto social do que vivem esses palestinos em Gaza”, disse.
Arturo ressaltou que há grandes jornalistas palestinos, assim como poetas, poetisas, militantes e músicos. “Mas o fato de terem grandes cineastas adiciona nessa desconstrução”. E propôs outra reflexão: “Qual é o limite da arte quando ainda se está sob o domínio colonial?. Como criar uma estrutura política alternativa que traga justiça aos palestinos?”.
A relação com a mídia
Outro ponto abordado no encontro foi a relação da Questão Palestina com a mídia. Reginaldo Nasser pondera que, no contexto envolvendo Israel-Palestina, é preciso adotar uma postura mais cuidadosa. “Tem que tirar um pouco essa ideia de apocalipse do Oriente Médio. Em dez anos, o número de pessoas mortas no Brasil com arma de fogo somam 500 mil. Há muitos pontos em comum conosco.”
Já Arturo acredita que o problema está no fato de que as notícias do jornal ou da TV não têm a base histórica e isso dificulta o entendimento do público sobre a real situação. As pessoas, disse, não sabem o que aconteceu em 1948, por exemplo. “O conhecimento acadêmico existe, a academia produziu, o ponto é como o jornalista joga isso na arena pública para que o debate sobre a Questão Palestina seja diferente.”