Integrantes do ICArabe abordam temas relacionados ao cinema e à questão palestina em seminário da Unifesp

Sex, 04/12/2015 - 15:53
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O diretor de Comunicação do Instituto, Arturo Hartmann, e o curador da Mostra Mundo Árabe de Cinema, Geraldo Adriano Godoy de Campos, participaram, nesta quinta-feira, da jornada Crítica do Presente, no seminário “O Oriente que nos é Próximo: Viagens e Histórias de Ontem e de Hoje”, promovido pela Cátedra Edward Said de Estudos Pós-Coloniais da Unifesp. O encontro, no prédio da Reitoria, em São Paulo, foi dedicado às experiências de alunos da Unifesp que participaram de curso realizado em setembro de 2015 na Universidade Notre Dame de Beirute, no Líbano, e nos sítios históricos daquele país. As discussões abordaram a crise das fronteiras e os traumas do desenraizamento emblemático da região, das questões culturais à política contemporânea, das ruínas da história às guerras modernas e aspectos do patrimônio cultural.

Temas relacionados ao cinema e à imprensa foram abordados nos debates. “O cinema tem sido uma forma de historicamente territorializar a América Latina e o Mundo Árabe”, afirmou o pesquisador bolsista da cátedra e curador da Mostra Mundo Árabe de Cinema, Geraldo Campos. Ele discorreu sobre o filme “A Última Estação (2012)”, que conta a história de um libanês que saiu de sua terra natal, veio para o Brasil e, anos mais tarde, decidiu ir atrás dos amigos que atravessaram o oceano junto com ele e foram para outros locais do país, filme realizado por Marcio Curi e Di Moretti.”

Outro filme citado pelo pesquisador foi o documentário “Constantino (2012)”, no qual o diretor Otavio Cury viaja para a Síria e encontra o livro de seu bisavô, Daud Constantino Al-Khoury, poeta e um dos pioneiros do teatro árabe. “São filmes que mostram a impossibilidade de chegar a uma raiz pura”, afirmou Campos, em relação à mistura das culturas árabe e latina. Para ele, é possível enxergar uma “dança das culturas para achar esse espaço comum.”

A também pesquisadora da cátedra Isabelle Somma, sócia fundadora do ICArabe, falou sobre a visão da mídia ocidental em relação ao mundo árabe.  A doutora em História Social pela USP trabalhava como repórter quando ficou inspirada ao ler o livro “Orientalismo: oriente como invenção do ocidente”, de Edward Said, o intelectual que inspirou a fundação do ICArabe, e decidiu seguir a área acadêmica. Ela falou no seminário sobre sua dissertação de mestrado “Orientalismo na imprensa brasileira”, que analisou a cobertura dos jornais Folha de S.Paulo e O Estado de S. Paulo.

“Não é à toa que os árabes são associados à violência, os jornais só cobrem isso, há poucas notícias culturais (sobre o mundo árabe)”, criticou. “É muito fácil entrevistar árabes, eles falam inglês, são acessíveis. Talvez seja um problema de falta de interesse (dos jornalistas).” 

Para ela, essa associação dos árabes ao terrorismo e a explicação religiosa para atentados no noticiário tornam a notícia mais “vendável e palatável”. A pesquisadora também falou como o Oriente é abordado pela visão europeia desde o século IV, por exemplo, quando se dizia que os orientais conseguiam o que queriam por meio do “arco e do roubo”, em uma época ainda anterior à revelação do Islã.

Palestina, Líbano e viagens

Outros temas abordados foram a situação política na região da Palestina e pesquisas sobre refugiados. O diretor executivo da Web-TV da Unifesp e diretor de Comunicação do ICArabe, Arturo Hartmann, falou sobre como Edward Said analisou em seus livros e artigos os acordos israelenses-palestinos nos anos 1990 como desfavoráveis à Palestina. “Toda a obra de Said e seus artigos são muito atuais.” Hartmann ainda debateu sobre como Israel tem manipulado a ideia de terrorismo em favor de seu discurso contra a Palestina depois dos atentados de 11 de setembro.

Já Mariane Gennari, mestranda do departamento de história da USP (Universidade de São Paulo), contou como foi sua viagem  ao Líbano em 2014 pela FFLPP-Brasil (Rede Educacional pelos Diretos Humanos em Palestina/Israel), organização que integra junto com Hartmann. “Você pode imaginar como foi para eles”, disse sobre os antigos habitantes da vila Iqrit, quase toda destruída por forças israelenses na véspera do Natal de 1951, com exceção de uma igreja, um imóvel próximo à igreja e um cemitério.

Entre os alunos da Unifesp que participaram do curso realizado em setembro deste ano na Universidade Notre Dame de Beirute, no Líbano, Bruno Coimbra, mestrando do Departamento de Psiquiatria, falou ao site do ICArabe sobre a pesquisa realizada por eles em relação ao impacto nos seres humanos que têm que deixar seus países na condição de refugiados. “Quando você vive o trauma, você vive em um ambiente bioquímico diferente. Tudo vai mudar, seu corpo vai ser diferente”, afirmou.

A pesquisa mostrou que os traumas psicológicos fazem que com que a maioria das células somáticas do corpo se dividam mais rápido, o que resulta em envelhecimento celular e um envelhecimento do corpo, em geral, associado. O resultado é a ocorrência de mais doenças associadas à velhice, como a demência, diabetes e cardiopatia.

Assista à entrevista de Bruno à TV Unifesp: https://www.youtube.com/watch?v=Qtus0sEpkSY

Cátedra Edward Said

A Cátedra Edward Said de Estudos Pós-Coloniais da Unifesp foi criada em julho de 2014, uma parceria da Reitoria da Universidade Federal de São Paulo com o Instituto da Cultura Árabe (ICArabe). Said foi um intelectual palestino, ícone da resistência cultural e política árabe e da luta por justiça e igualdade, falecido em 2003. 

Desde a morte de Said, pessoas ao redor de todo o mundo têm realizado atividades e criado grupos de trabalho buscando estudar e conhecer sua obra, especialmente em relação aos estudos de pós-colonialismo e discussões ligadas à Questão Palestina, acompanhadas de perto por ele.