ICArabe deseja a todos um feliz Natal e um próspero ano novo

Seg, 20/12/2010 - 11:49
Publicado em:

Nizar Qabbani (1923-1998)

Tradução: Safa Jubran

Que todo ano você seja a minha amada

 

Que todo ano você seja a minha amada.
Digo com simplicidade de
reza de criança antes de dormir,
ou o descanso, na espiga de trigo, de um passarinho.
No vestido branco, mais uma flor,
na água dos olhos, mais um navio a esperar.
Digo com calor e ira de
pés batendo o chão – dançarino espanhol –
mil círculos a formar
em torno da terra.

Que todo ano você seja a minha amada.
Sete palavras, embrulho com laço:
meu presente de ano novo.
Os cartões não dizem o meu querer;
todos os desenhos que eles contêm,
(velas, sinos, árvores, bolas de neve,
crianças, anjos) – nada disso me convém:
não me agradam os cartões prontos
nem os poemas prontos
nem os votos para exportação
feitos em Paris, Londres e Amsterdã,
escritos em francês ou inglês
servindo a toda ocasião.
Mas você não é uma mulher de ocasião;
Você é a mulher que eu amo,
você, a dor diária
que não se escreve em cartões,
que não se diz em letras latinas,
e nem por correspondência se diz.
Mas sim, quando chega a meia-noite,
você, peixe, penetra nas minhas águas cálidas, e se banha,
minha boca explora florestas ciganas, o seu cabelo,
e fica pó.

Porque amo você,
o ano novo é rei que chega;
e porque amo você, carrego
permissão especial de Deus
para passar entre mil estrelas.

Este ano, árvore não vamos comprar:
você será a árvore,
e sobre você vou dispor
meus desejos e orações,
minhas lágrimas e lampiões.

Que todo ano você seja a minha amada.
Desejo que temo querer
para não me acusarem de ambição e pretensão,
ideia que temo pensar
para que não a roubem de mim
e digam terem inventado a poesia.

Que todo ano você seja a minha amada.
Que todos os anos eu seja o seu amado.
Desejo fora do merecido,
sonho além do permitido.
E quem pode me cobrar por causa dos meus sonhos?
Quem pode cobrar os pobres por quererem sentar no trono
por cinco minutos?
Quem pode cobrar o deserto
por querer um riacho?
Em três casos o sonho é legal:
em caso de loucura,
em caso de poesia
e em caso de conhecer uma mulher estonteante como você.
Eu – felizmente – sofro dos três.

Deixe a sua tribo,
siga-me até as minhas cavernas,
largue o chapéu de papel,
a melodia desajeitada,
a fantasia.
Sente-se comigo na sombra – anestesia:
azul é o véu da poesia;
Meu casaco protegerá você das chuvas de Beirute.
Tenho um vinho tinto
das adegas dos monges.
Preparo um prato espanhol
de frutos do mar.
Siga-me, minha senhora, até os descaminhos dos sonhos:
Lhe mostrarei poemas
nunca dantes lidos,
baús de lágrimas
nunca dantes abertos,
amarei você
como nunca alguém a amou antes.

Quando chegar a meia-noite
e a terra se desequilibrar,
quando todos os dançarinos começarem a pensar com os pés
eu me retirarei
para dentro de mim,
e você irá comigo.
Você não é mulher que pertença à alegria comum,
ao tempo comum,
ao grande circo que passa aqui na frente,
aos tambores pagãos que tocam ali adiante,
ou às mascaras de papel.
Terminada a noite, o que sobra
é homens de papel, mulheres de papel.
Ah se eu pudesse, minha senhora,
construiria um ano só para você
poder recortar os dias como bem quiser,
para você tomar banhos de sol e de mar
nas areias dos meses quanto quiser.
Ah minha senhora, se eu pudesse,
ergueria uma capital para você
na zona temporal
que não seguisse o relógio solar
nem o da areia.
O tempo real começaria a contar
quando sua mão pequenina fizesse a sesta
dentro da minha.

Que todo ano seus olhos fiquem
ícones bizantinos;
seus seios, loiras crianças brincando na neve.
Que todo ano eu esteja enredado em você,
acusado por amar
como acusam o céu por viajar
e o lábio, por se arredondar.

Que todo ano eu seja atingindo por seu terremoto,
encharcado pelas suas águas,
tisnado como um vaso chinês
pela geografia do seu corpo.

Que todo ano você... não sei como dizer:
seus nomes, você escolhe,
como o ponto escolhe o seu lugar na linha,
como o pente escolhe o seu lugar nas dobras do seu cabelo.
Apenas, permita-me chamá-la
“minha amada”.