Cinqüenta anos depois

Dom, 03/12/2006 - 22:00

A solidariedade árabe teve seu pico em 1956. Em todo o mundo Árabe, pessoas abraçaram a causa egípcia como se fosse sua. A campanha de Suez acabou com a Grã-Bretanha perdendo seu domínio sobre a região e, por fim, em todo seu império global. Ainda lembro da onda de protestos ocidentais contra a Guerra. Mesmo no Reino Unido, a oposição à guerra foi tal que um político proeminente, o Ministro para Assuntos Externos Anthony Nutting, renunciou em protesto. Para que possamos dar a devida medida de toda a importância da campanha de Suez, talvez seja ilustrativo contar o que aconteceu quando o presidente Gamal Abdel-Nasser foi a Nova York em 1960 para participar de uma reunião da ONU. Foi a primeira e última vez que Nasser visitou os Estados Unidos. Um homen de cabelos grisalhos deixou seu assento na Assembléia Geral da ONU, caminhou até Nasser e se apresentou a ele. “Eu sou Harold MacMillan, primeiro-ministro britânico”. Esse foi um momento de orgulho árabe em uma era que há muito está distante. Permita-me elaborar: A experiência de Suez mostra que a derrota militar não necessariamente significa uma derrota política. Posso citar numerosas vitórias militares que não duraram porque os vitoriosos foram apressados e visaram o curto-prazo, no lugar de ganhos permanentes. E, novamente, há derrotas militares que tornaram-se vitórias políticas porque os vencidos recusaram-se a render-se. Nasser foi uma espécie de líder que sabia como transformar derrota em vitória. Ele assim fez na campanha de Suez em 1956. Assim fez novamente quando a Síria rompeu sua união com o Egito em 1961. E tentou assim fazê-lo novamente em 1967, antes de morrer ferido como um leão em 28 de setembro de 1970. A resistência libanesa de julho de 2006 lembra a resistência egípcia de outubro e novembro de 1956. Aqui, novamente, a vitória não foi decidida no campo de batalha. O poder militar pode sobrepor a bravura no campo de batalha. Mas, no final, o resultado de qualquer conflito depende do espírito dos combatentes. Combatentes determinados podem fazer os agressores arrepender-se de suas ações. Eu estou convencido que os confrontos árabe-israelenses não podem ser julgados isoladamente por padrões militares, mas pela qualidade de resistência persistente e habilidade dos combatentes. O mundo tem respeito por aqueles que lutam por si mesmo. Eu lembro quando era um jovem diplomata em Londres e fui ao aeroporto Heathrow para dar as boas-vindas a Hoda Abdel-Nasser, que ia para a Universidade de Oxford pesquisar para sua dissertação de doutorado.Isso foi poucos anos depois que seu pai morreu. Eu dei o passaporte de Hoda ao oficial responsável. Quando ele viu o nome dela, ele me perguntou se ela era parente do grande homem, sem mencionar o nome de Nasser. Eu disse que ela era sim sua filha. O oficial fez uma chamada pelo telefone, depois voltou e deu à Hoda um visto com limite em aberto e desejou-lhe uma boa estadia com um olhar que podia ter sido de um respeito reservado. Agora, deixe-me avançar até a viagem do presidente Anwar El-Sadat a Londres em 1975. Eu fui com um colega até o Escritório para Assuntos Externos do Reino Unido para arranjar a visita. É verdade dizer que Sadat era esperto e impositivo tanto quanto Nasser era patriótico e carismático. E ali os oficiais do Escritório de Assuntos Externos começaram a argumentar conosco sobre onde sua majestade, a rainha, receberia o presidente egípcio. Seria nos portões do Palácio de Buckingham ou às portas de sua residência? Uma argumentação bizantina se seguiu para definir se aquela era uma “visita de trabalho” ou uma “visita de Estado”. Eu recordo dizer que se Nasser, que foi jurado inimigo da Grã-Bretanha, fosse quem estivesse visitando Londres, a Força Aérea teria dado as boas-vindas a ele na fronteira internacional por um claro respeito e reverência. Para colocar de forma simples, nas relações internacionais, os interesses vêm antes dos sentimentos. A campanha de Suez foi um ponto de mudança para a região, assim como para os movimentos de liberação nacional ao redor do mundo. Nasser falou não somente pelo Egito, mas por toda uma região e pelo mundo. Historiadores dividem a história em pré-Suez e pós-Suez. Especialistas em geografia falam do “Suez leste” e do “Suez oeste”. Tais termos estão gravados na memória. E eles nos dizem que resolver é tão importante quanto o poder militar. Em 1956, França e Grã-Bretanha não consultaram os estadunidenses. Pelo contrário, eles planejaram o tempo do ataque para coincidir com as eleições nos Estados Unidos e a turbulência em Budapeste. Eles queriam punir o Egito por exercitar seu direito de nacionalizar o Canal de Suez, e os estadunidenses não apreciavam o elemento da surpresa. A Campanha de Suez, portanto, traçou uma linha entre o velho estilo de imperialismo e um novo modelo de imperialismo. Logo depois, o presidente Eisenhower veio com a famosa doutrina sobre o preenchimento do vácuo no Oriente Médio. Os trabalhadores árabes das docas que pararam de carregar barcos franceses e britânicos e os trabalhadores de petrolíferas que explodiram dutos estavam todos fazendo homenagem ao movimento pan-árabe colocado em movimento no Egito. A campanha de Suez assinalou o nascimento da uma liderança pan-árabe e foi o ponto de mudança no curso da liberação nacional. A Índia nomeou uma de suas principais avenidas Nasser. O falecido rei Hussein nomeou uma praça Nasser. Isso mostra que as nações relembram seus vitoriosos apesar de retrocessos e derrotas. A campanha de Suez precisa ser examinada profundamente, de todos os lados, político, econômico e social. Aqui está um conflito que quebrou o Império Britânico e deixou uma duradoura impressão na psique árabe. As autoridades francesas e britânicas têm recentemente liberado muitos dos documentos da época, todos que indicam que Israel foi o principal catalisador e facilitador da guerra. Inicialmente, oficiais franceses e britânicos queriam enviar seus pára-quedistas contra Alexandria, em um replay da invasão britânica de 1882. Então, o alvo foi movido para Port Said, e o Sinai foi invadido também. A campanha de Suez foi o ponto culminante de um esforço de três mãos para depor Nasser e acabar com o pan-arabismo na raiz. Os britânicos queriam punir Nasser por expulsá-los do Canal de Suez. Os franceses queriam puni-lo por apoiar a revolução argelina. E Israel era a Israel de sempre. É isso que faz Suez especial. Isso nos dá mais do que pistas para entender os esquemas sendo maquinados contra nossa sitiada região. *Este artigo foi originalmente publicado na edição nº 882 da edição inglesa do diário Al-Ahram weekly (http://weekly.ahram.org.eg)