Desentendimento entre fracassados

Seg, 13/11/2006 - 12:00
O jornal britânico 'Daily Mail' do dia 12-10-06 traz um artigo da jornalista Sarah Sands, especialista em assuntos militares, que é no mínimo curioso para quem não tem boa vontade com homens fardados, sob o título: “Sir Richard Dannatt: A very honest General”. A declaração franca e séria do General sir Richard Dannatt, Chefe do Estado Maior das Forças Armadas britânicas, logo após regressar de uma viagem de inspeção ao Iraque, precipitou um inusitado ar de realismo que indica a séria possibilidade de uma retirada unilateral das forças sob seu comando do Iraque. Já Paul Rogers, professor de estudos da paz na Bradford University (norte da Inglaterra), em sua coluna semanal no 'OpenDemocracy' de 26-10-06 sob o título de 'After the failure in Iraq', desmascara as afirmações oficiais de que as forças policiais iraquianas no sul do Iraque estarão em condições de tomar conta da segurança, na zona de ocupação britânica no correr de 2007. “De fato”, escreve Rogers, “a maioria desta (conversa) de retirada, no discurso oficial britânico, não passa de uma retórica política designada a cultivar a folha de uva que será necessária para uma eventual retirada que deve ocorrer, independentemente da atual situação interna no Iraque”. A entrevista de Dannatt revela muito bem a situação interna no Reino Unido, que levará à retirada, quando afirma, referindo-se a um “convênio militar” entre a Nação e suas Forças Armadas: “Eu disse ao Secretário da Defesa que o Exército não derrubará a nação, mas também não quero que a nação derrube o Exército”. Traduzindo claramente: o que o General viu no Iraque foi moral baixo, soldos mesquinhos, equipamento obsoleto e pavor das milícias xiitas. O observador atento verifica que esta situação se agrava quando vista do outro lado do Atlântico. Não dá para deixar de lembrar, nesta hora e nestas circunstâncias, a declaração do Presidente George W. Bush, anos atrás, a bordo de um porta-aviões, de que “a missão foi cumprida com uma vitória na guerra contra o terrorismo e o fim das grandes operações militares no Iraque”. Os saudosistas podem ver uma série de fotos deste acontecimento no portal da CNN, acessando: Mission accomplished. E é exatamente neste portal que encontraremos o resultado de uma enquête recente sugerindo que somente 20% dos norte-americanos acreditam que a guerra está sendo vencida, o que representa a metade do número de um ano atrás. A resposta da Casa Branca são mais discursos, mais cantos de vitória, enquanto em Bagdá o Embaixador estadunidense Zalmay Khalilzad declara que “o Iraque será estabilizado dentro de um tempo razoável” eo comandante militar norte-americano, General George Casey, declara que “as forças de segurança iraquianas estarão em condições de se responsabilizar pela segurança dentro de doze a dezoito meses” e tudo isto não passa de retórica política destinada a enganar o respeitável público. As declarações contraditórias acima se agravam quando se lê a declaração do General Peter Schoomaker, Chefe do Estado Maior do Exército, no artigo do jornalista John F. Burns, no The New York Times de 24-10-06, quando declara: “Os Estados Unidos planejam manter tropa de 140.000 no Iraque durante os próximos quatro anos”. Generais e políticos à parte, corre entre os analistas militares a convicção de que os Estados Unidos têm duas opções no Iraque: continuar como está ou fortificar bases militares. E se nenhuma das duas funcionar, ouviremos mais discursos, a bordo de porta-aviões e nos jardins da Casa Branca. A continuar a presente situação, os Estados Unidos continuarão esperando que a insurgência contra a ocupação, por golpe de sorte, se esmaeça, o que não ocorrerá e terá um alto custo sob qualquer ângulo pelo qual se examine a situação. Nem as orações fervorosas da direita fundamentalista cristã norte-americana - que incentivou a guerra contra o Iraque e tenta deste então estabelecer sua base na Mesopotâmia - ajudará. Esperarão sentados. A alternativa seria o abandono das cidades iraquianas e a consolidação de algumas bases militares fortificadas, na esperança de que acabe surgindo um regime autocrata que seja obrigado a aceitar uma influência estadunidense baseada na força militar camuflada. No que depender do povo iraquiano, a declaração de um representante de firma brasileira, em telefonema de Mosul, dá conta da união de árabes xiitas e sunitas e curdos, para que o Iraque continue unido e combatendo a ocupação. Os Estados Unidos só estão conseguindo, até aqui, uma coisa: a união de todos contra eles. O tal representante informou ainda que Nouri Al-Maliki, em roda familiar, queixava-se dizendo: “Como Primeiro Ministro, sou Chefe das Forças Armadas, mas não posso movimentar um pelotão sem o consentimento da Coalizão”. Se o queixume e a coragem de expressá-lo chegaram a este nível, o passo seguinte é a luta aberta de todos os iraquianos unidos. Eles devem saber também que eleições, nos Estados Unidos, para o legislativo ou o executivo, nada muda para eles, pois consideram Republicanos e Democratas, areia de uma só duna. Prova disto é também o artigo de Reider Visser, autor do livro de grande sucesso: Basra, 'The Failed Gulf State', em artigo de 26-10-06, publicado emseu site que só trata do Iraque, sob o título 'There is no Biden Plan': “Esta opção (...) envolveria passos ativos da política norte-americana para chegar a uma separação, em três direções etno-religiosas – um norte curdo, um oeste árabe sunita e um centro-sul árabe xiita. Estas entidades formariam uma frouxa confederação, compartilhando as rendas do petróleo que serviria de grude para colar o sistema”. Com argumentos fundamentados e irrefutáveis, Visser prova que o tal “plano” não existe e se existisse seria inexeqüível. Esta é mais uma armação confusa estadunidense. Coletando dados de todos os horizontes, chega-se à conclusão de que há desentendimento entre os fracassados aliados nessa aventura iraquiana. A retirada do Reino Unido é simples e fácil, mas, para os Estados Unidos, a que é mais provável é aquela sugerida por Rogers, ao qual recorremos novamente: “Reforçar as forças dos Estados Unidos em outros quatro Estados do Golfo: Kuwait (nas bases do exército e da aeronáutica), Qatar (em volta do estado-maior regional Cetcom), Bahrain (no estado-maior da 5ª Frota Naval) e Djibouti se tornará mais significante, assim como a um pouco mais distante base em Diego Garcia”. Se eles fracassaram militarmente no Iraque, o objetivo dos cúmplices malsucedidos estará assegurado, inclusive com a conivência de Estados árabes: garantir o controle sobre o petróleo, ainda que através de bases distantes! Pura ilusão dos fracassados, pois a vitória no Líbano contra Israel, a incansável luta na Palestina, os indícios de uma união no Iraque, o cansaço das multidões na Arábia Saudita, Egito e Jordânia, nos lembram o que disse Victor Hugo (1802 – 1885) em Tas de Pierres: “A agonia tem seus coices. Em linguagem política, isto se chama reação”.