Edward Said hoje

Dom, 24/09/2006 - 21:00

Se alguém quiser ler um livro que decifra problemas fundamentais do mundo atual, deve ler “Orientalismo”, de Edward Said. Nele se expõe, da forma mais clara possível, o postulado central da hegemonia capitalista no mundo moderno e contemporâneo: a contraposição entre “civilização e barbárie”, que expressa uma visão racista do mundo. Said demonstra, com riqueza de análises e exemplos, como a concepção eurocêntrica amalgama tudo o que não é ela em um mundo que chama de “oriente” – que funciona como sinônimo de bárbaro. Neste espaço se fundem japoneses, iranianos, russos, chineses, paquistaneses, hindus, africanos, árabes, que teriam em comum não ser ocidentais. Três anos depois da morte de Edward Said, suas teorias continuam a ser a melhor referência para compreender os grandes enfrentamentos do mundo contemporâneo. Foi em nome dessa suposta superioridade do ocidente, que o governo Bush desatou, mesmo sem consentimento do Conselho de Segurança da ONU, a guerra e a invasão do Iraque, no suposto de que conseguiriam impor um regime e os valores ocidentais – isto é, capitalistas. A ilusão dos EUA era a de impor sua “civilização” à “barbárie” oriental, nesta ocasião representada pelo Iraque. Baseavam-se no que haviam conseguir fazer do Japão: uma civilização não menos estranha à dos EUA quanto a iraquiana, que no entanto foi transformada num sucedâneo das potências capitalistas em pleno extremo oriente. No entanto, para que isto fosse possível o Japão teve que ser derrotado numa guerra imperial, que incluiu a explosão de duas bombas atômicas. O governo Bush acreditou que poderia reproduzir esse mecanismo, implantando no coração do Oriente Médio um enclave ocidental. A ocupação colocou em prática os atos mais bárbaros que o mundo contemporâneo conheceu, das torturas de Abu-Graieb àquelas postas em prática na base naval de Guantánamo – território usurpado de Cuba. Enquanto permitia que os patrimônios da civilização iraquiana fossem destruídos. Importa-lhes os poços de petróleo e não os museus. Os EUA amalgamam nos focos da “guerra infinita” os núcleos do que consideram “barbárie oriental”, identificada com “terrorismo” e com toda forma de luta antiimperialista. A luta por um mundo multipolar, de resistência à hegemonia imperial dos EUA se apóia nas teses de Said, para desmistificar a homogeneização que a globalização neoliberal e o poderio militar estadunidense tentam impor.