Hasdai Ibn Shaprut
CONTAM QUE...
Hasdai Ibn Shaprut, judeu cordobês nascido em 915, foi vizir do califa Abd al-Rahman III, quando Córdoba se equiparava à Bagdá como um dos lugares mais civilizados do mundo.
Contam que os judeus do al-Andaluz deixaram-se assimilar pela cultura hispano-árabe e viveram tranquilamente suas tradições e religiosidade. Na Hispania, depois da chegada dos visigodos, os judeus representavam o estrato social mais baixo e no al-Andaluz, sobretudo durante o domínio omíada, passaram a ser tratados segundo a dhimma islâmica como o “povo do livro”, assim como os cristãos (que se ofendiam com isso). As oportunidades no comércio, nas artes, junto à intelectualidade e na vida pública, renderam alegria aos judeus de Sefarad. A herança hebraica enriquecida tornou-se fonte integradora na produção cultural e na política.
Hasdai, figura ilustre no califado e no corpo diplomático, convivia com as negociações e com o fluxo de visitas oficiais na cidade administrativa de Madiant-al-Zahira, próxima de Córdoba. O vizir, o braço-direito do califa, não foi menos importante na comunidade judaica: para os sefarads, Hasdai era o nasi , o príncipe. Entusiasta, escreveu sobre o al-Andaluz a um patrício distante:
“É uma terra de grãos, videiras e dos mais puros óleos, rica em plantas, um paraíso com todo tipo de delícias. E com jardins e pomares onde florescem árvores frutíferas de toda espécie, bem como as que têm bichos-da-seda em suas folhas... Nossa terra possui fontes próprias de prata e ouro, e de suas montanhas extraímos cobre e ferro, zinco e chumbo, khol e mármore e cristal... O rei que governa a terra tem acumulado prata e ouro e outros tesouros e dispõe de um exército cuja organização jamais se viu igual... Quando outros reis ouvem falar do poder e da glória do nosso soberano, trazem-lhe presentes... Eu recebo essas oferendas e as retribuo”.
Sobre a atuação de Hasdai e sua importância como cidadão hábil e admirado em ambas comunidades, conta-nos M.R. Menocal:
“O centro da autoridade judaica naquela época ficava, como também o antigo califado, em Bagdá. Era lá que o gaon , chefe de toda a comunidade judaica, exercia sua autoridade, era dele a prerrogativa (dentre outras) de estabelecer o calendário dos judeus. Hasdai decidiu que dali por diante não seria mais assim e fez uma declaração de independência que repetiu aquela feita por Abd al-Rahman poucos anos antes. A partir daquele instante, proclamou o nasi , a comunidade judaica andaluza estabelecia suas próprias datas e mudanças de luas e de dias sagrados. E foi assim que, na exata metade do último século do primeiro milênio da Era Comum, em sua grandiosa cidade de Córdoba, muçulmanos e judeus tornaram-se igualmente independentes”.