Ilustração de Muhammad no Brasil
Em julho do ano passado, uma revista brasileira, “Aventuras na História”, publicou capa com uma ilustração de Muhammad. A matéria, de minha autoria, contava a história do Profeta que revolucionou a história de um povo (o árabe) ao dar-lhes um código de leis em forma de mensagem religiosa. O resultado disso: de uma terra onde reinava olho por olho, dente por dente, surgiu um império que mais tarde gerou frutos como Al Andalus. Na época, me opus à publicação de uma ilustração de Muhammad. Primeiro, porque não tínhamos elementos para reconstituir com fidelidade o rosto do Profeta. Em segundo lugar, porque muitos muçulmanos considerariam uma afronta a representação, que é mais um tabu do que uma proibição explícita da religião. Consultei um especialista em Islã, um intelectual laico da Universidade de Harvard, William Graham (não obtive resposta de especialista do mundo árabe, como Tariq Hamadan). Ele me disse que não havia nada confiável, nem hadiths , que proibissem a reconstituição da imagem de Muhammad. Enfim, se existe a tradição, melhor é respeitá-la. Os muçulmanos desenvolveram uma extraordinária forma de não representar coisas que teriam sido criadas por Deus, como a natureza, animais, seres humanos. Eles desenvolveram formas geométricas e a caligrafia para respeitar essa necessidade. De qualquer forma, é bom lembrar que os xiitas representam Ali e seus filhos sem nenhum problema. O tabu fica por conta dos sunitas. Voltando à revista. Na época, muitos leitores se mostraram indignados em fóruns da revista dizendo que foi um desrespeito. O editor se mostrou atento às preocupações e discutiu com eles a necessidade de termos representações em um mundo imagético como o nosso, o que não significaria desrespeito. Apenas uma forma de nos aproximarmos dos leitores brasileiros e apresentarmos a história desse fantástico personagem. Houve diálogo e respeito de ambos os lados. De um lado, a revista se preocupou em contar, sem preconceitos e sem vieses, a história desse fantástico líder. De outro, os muçulmanos participantes do fórum entenderam que houve uma aproximação respeitosa de um tema já tão carregado de incompreensão. O resultado disso foi a compreensão de que quando um assunto como este é tratado com o devido respeito, não vai ser uma simples ilustração de Muhammad que vai tornar a matéria uma afronta. O problema está exatamente em como a questão é tratada. Por isso, ninguém tentou matar o editor ou queimar a editora Abril. Hoje, todos ainda trocam figurinhas pelo Orkut e pelos fóruns de discussão. É uma pena que os europeus, ainda com tiques colonialistas, não entendem o que é diálogo entre iguais.