Judah Halevi e o mar
"Ansiosa ou serena, é Vossa minh'alma,
Submissa e grata,
Vagueio por mares incertos cheio de alegria por Vós
E a Vós dou graças por onde quer que vá.
E quando as velas desta nau, como asas de falcão,
Se abrirem e me levarem daqui,
quando das profundezas se ouvirem os gritos estridentes,
os lamentos e bramidos das tempestades
e as naus cristãs singrarem o mar de Berber
e os piratas se lançarem de emboscada,
quando os monstros do mar se jogarem contra a quilha
e os dragões esfaimados forem em busca da sua presa,
quando os gritos de pavor fossem como os da mulher parindo
seu primeiro filho, que lhe rasga a carne
e ela grita até não mais ter forças de gritar..."
(fragmento de Poemas do Mar, de Judah Halevi, século XII)
Judah Halevi deixou o Alandaluz em 1140. Em Alexandria e no Cairo, foi acolhido com entusiasmo por uma razão muito natural: seus poemas chegaram antes dele. A travessia mediterrânea foi aflita em seu pensamento. Seres bestiais poderiam lançar ondas fúnebres ao mar ou o barco seria flamejado pela língua de um dragão. Afinal, deixar o Sefarad dos ancestrais não foi fácil e, provavelmente, a tormenta mental seria maior que a marítima. Mas os bons ventos o levaram até Alexandria, onde a comunidade egípcia se deliciou com os seus cânticos alandaluzes.
Halevi vivia uma espécie de renuncia à cultura alandaluza, na qual cresceu e desenvolveu seu potencial de poeta e erudito. Em boa parte dos seus poemas recentes, rejeitou esquemas de métrica arabizada, convicto de que a poesia hebraica de Alandaluz seria quase uma corrupção do hebraico. Concomitante, vivia o conflito religião-filosofia, tão debatido depois por Ibn Rushd (Averrois) e Ibn Maymun (Maimonides). Ambos não levaram muito a sério os questionamentos de Halevi, pois pensavam na tradição filosófica alandaluza, muito bem partilhada entre judeus e muçulmanos. Afinal, as formas de refletir o mundo e o uso corrente de uma língua de amplas possibilidades como o árabe não implicavam em transgressões de fé. Ainda assim, Halevi, junto com Ibn Ezra e Samuel o Nagid, todos filhos de Alandaluz, fizeram parte da conhecida idade de ouro do hebraico: aos poucos, o idioma saiu dos templos e passou a falar sobre o amor, o pensar, os sentimentos eróticos ou transcendentes, enfim, passou a traduzir melhor as coisas da vida.
Aos 64 anos, quando se decidiu pelo exílio, o Egito seria uma estação porque a meta era Jerusalém. Depois da partida de Alexandria, ninguém mais soube dele. Naqueles tempos, Jerusalém era violentamente cristã e pouco convidativa para um judeu. Não se sabe se o Mediterrâneo foi manso, clemente ou cruel; se o antigo chão fenício foi mortal ou acolhedor. Contam que ele não teria chegado à Palestina.