Mughnieh: mártir ou assassino?
A cada acontecimento de importância na arena mundial aparecem, como por encanto, peritos no assunto, nas ocorrências, nas personagens envolvidas. Com Imad Mughnieh, um homem cuja definição característica era o mistério, o mais profundo mistério, não poderia ser diferente, tanto a respeito dele quanto sobre aquele ou aqueles que o assassinaram em Damasco, no último dia 12 de fevereiro de 2008.
Imad Mughnieh é o mais secreto de todos os chefes políticos e militares do Oriente Médio, vivendo na sombra, existência sentida por todos, e poucos seriam capazes de desenhar-lhe um perfil. Sua presença pesava mais sobre seus inimigos que companheiros e comandados.
Os inimigos e os críticos de Mughnieh no decorrer de um quarto de século atribuíram a ele o planejamento, o comando ou a própria execução de mais ataques e atentados, notadamente antiestadunidenses e antiisraelenses, do que seria humanamente possível a este libanês xiita, nascido em 1962, na aldeia de Tayr Tibba, no sul do Líbano, executar. Apesar disto, toda ocorrência de sucesso, de autor não-identificado, foi a ele atribuída. Ele mereceu, por isso, que Washington colocasse sua cabeça a prêmio por cinco milhões de dólares.
Quais os crimes atribuídos a Mughnieh por seus inimigos?
Desconhecido nos anos 1970, Imad Mughnieh passou rapidamente pela militância do movimento libanês Amal e teve seu treinamento militar quando foi membro da Força-17, unidade de elite palestina encarregada da segurança de Yasser Arafat. Durante sua passagem pelo corpo dos Guardiões da Revolução iraniana, participou da guerra Irã-Iraque que opôs os dois países entre 1981 e 1988, o que o capacitou a cooperar, em 1982, na formação militar do recém-formado Hizbullah. Seu nome ganhou manchetes, em 1983, em três operações espetaculares a ele atribuídas: em abril contra a Embaixada dos Estados Unidos em Beirute (63 mortos, dos quais 17 norte-americanos), e em outubro contra os quartéis-generais das forças norte-americanas e francesas acantonadas na capital libanesa (241 marines e 58 militares franceses mortos).
Os inimigos de Mughnieh alardeiam que cometeu atos terroristas, mas omitem deliberadamente, e só assim poderia ser, o que fazia tanta gente na Embaixada dos Estados Unidos, a ponto de 63 serem mortos, e outros mais dos quais não tivemos notícia, num país pequeno como o Líbano. Não dizem por que e nem qual a nacionalidade dos 17 mortos para não reconhecer que a Embaixada norte-americana abrigava o Mossad, ao lado da CIA, além de outros órgãos do governo israelense. Precisa dizer que o ataque à Embaixada ocorreu após a ocupação do Líbano por Israel e do massacre de Sabra e Chatila, no qual morreram 2.000 refugiados palestinos, crianças, mulheres e idosos?
Quanto à morte de militares norte-americanos e franceses, quando falam dos 299 mortos, não dizem também que estes faziam parte de força expedicionária dos dois países atacando precisamente o lado ao qual pertencia Mughnieh. Não fosse este ataque aos quartéis-generais da França e dos Estados Unidos, estes países, ao lado de Israel, teriam transformado o Líbano em cantões colonizados.
Estes dois fatos e muitas outras ocorrências atribuídas a Mughnieh e seus comandados através do mundo, se cometidos fossem por pessoal norte-americano ou israelense, seriam qualificados de retaliação. Para estes, ser criminoso é sempre o outro lado. Para o observador imparcial, no entanto, trata-se de resistência às injustiças contra os povos do Oriente Médio e são atos de puro heroísmo.
Com isto concordam o Hizbullah e seus aliados libaneses.
Mughnieh e seus pares, no entanto, representam uma nova geração de resistência que domina as novas técnicas de guarda de segredos contra a vasta rede de ameaças humanas e as técnicas da guerra de resistência que levou à vergonhosa retirada de Israel do sul do Líbano em 2000. Organizados com base em células, estes combatentes enfrentaram uma força militar convencional poderosa e a derrotaram em todas as campanhas, principalmente na tentativa do Estado judeu de ocupar novamente o Líbano no último verão.
É isto que devemos a Mughnieh e seus pares. É um recado para aqueles que acham que nunca precisarão se engajar em negociações sérias e responsáveis com quem consideram ser árabes e muçulmanos atrasados. A dívida para com Mughnieh pertence tanto àqueles que o consideram assassino quanto àqueles que o veneram como mártir.
Resta uma questão cuja resposta está limitada a dois pontos: a quem interessava a morte de Mughnieh e quem possui a tecnologia necessária para executar tal façanha, em área de alta segurança, em Damasco? Pergunta que alguém com a capacidade de um Ehud Barak, atual Ministro da Defesa de Israel, pode responder, pois foi ele quem, em abril de 1973, vestido de mulher, chefiou uma quadrilha, foi até Beirute e assassinou três líderes palestinos.