O Líbano e as eleições presidenciais
Quem tentar falar ao telefone com alguém no Líbano: parente, vizinho, antigo colega de escola, de qualquer credo ou partido, não importa, sentirá o clima de pesadelo que se apoderou de ambos os lados do abismo da política no Líbano.
Se deixarem de concordar sobre a escolha do futuro presidente da República e, com o fim do mandato de Emile Lahoud, tanto a coalizão governante quanto a oposição tenderão a instaurar governos rivais. Desde já, ambos os lados procuram abrigo na Constituição para justificar a legalidade de suas ações.
O antigo Ministro da Defesa Albert Mansour, autor do livro Thawrah dod Taïf (Revolução contra Taïf) declarou ao The Daily Star, diário libanês publicado em inglês, que “se os dois lados falharem em conseguir um acordo sobre o próximo presidente, Lahoud poderá assinar um decreto considerando o atual governo demissionário”. Todo mundo sabe, em todo o Líbano, que o atual presidente tem dito que não terminará seu mandato entregando o poder ao Gabinete do primeiro-ministro Fouad Siniora.
De fato, o artigo 53 da Constituição permite ao presidente “Emitir, por sua própria autoridade, os decretos aceitando a demissão do Gabinete ou considerando-o demissionário”. Se usar desta última prerrogativa, Lahoud imediatamente empreenderá consultas aos membros do Parlamento para designar um novo governo. Segundo Mansour, “os Membros do Parlamento que atenderem ao convite presidencial serão consultados e aqueles que não comparecerem não contarão”.
É evidente que Membro algum da coalizão governante comparecerá a estas consultas com o próprio presidente que está tentando apear do poder durante as noites e os dias dos últimos dois anos e conseqüentemente, se este for o cenário, os parlamentares da oposição formarão seu próprio Gabinete.
A coalizão governante também tem as suas prerrogativas constitucionais que lhe dá o direito de abrir as portas da Câmara dos Deputados, dez dias antes do término do mandato presidencial, eleger seu próprio presidente e seu próprio governo.
Mansour, que acompanha o processo Taïf desde o nascedouro e participou dos governos de reunificação do Líbano de 1989 a 1992, diz que se a coalizão seguir em frente e eleger seu próprio presidente a oposição considerará o fato “uma tentativa de conspiração e golpe e há meios para responder a isto”. Por tudo isto, a situação presente cria uma crise política de proporções extraordinárias.
Os jornais libaneses: An-Nahar, L’Orient-Lejour, As-Safir, The Daily Star, ecoam a opinião dos otimistas, dando destaque à iniciativa do Presidente do Parlamento, Nabih Berry, que está tentando um acordo entre as partes, mas, se acordo não houver, irá ele convocar o Parlamento impreterivelmente no final deste mês de setembro, dentro do prazo previsto na Constituição.
Esta é a esperança penetrando através uma fresta estreita através da qual passara a luz e o ar do entendimento ou, para alguns, a única chance de uma solução pacífica entre libaneses e o afastamento de mais uma ocupação estrangeira.
É importante esclarecer alguns fios de toda esta trama. O Presidente Lahoud e toda a oposição consideram o Gabinete atual inconstitucional, pois, nos termos da Constituição alterada pelos acordos de Taïf, em seu artigo 95, “Os grupos confessionais serão representados de forma justa e eqüitativa na formação do Gabinete” e, com a ausência de Ministros xiitas no atual Gabinete, ainda que tenham se demitido por sua própria vontade, torna o Governo inconstitucional. Os Ministros xiitas que se demitiram o fizeram por considerarem o primeiro-ministro e sua coalizão governante traidores da pátria, servos obedientes dos Estados Unidos, Israel, França et caterva.
A coalizão governante, por sua vez, considera o Presidente Lahoud igualmente traidor da pátria por sua associação com a Síria, com esta implicada no assassinato de Rafik Hariri e favorecimento à oposição que lhe prorrogou o mandato.
Tenho incansavelmente defendido a tese de que o problema do Líbano não é somente religioso, confessional; ele também é social, também é econômico. A carnificina fratricida ocorrida no Líbano, no Século XIX, aparentemente religiosa, entre druzos e maronitas nada mais era que uma luta pelo domínio econômico.
A consolidação da divisão do Líbano entre religiões foi oficializada por decreto do Alto Comissário francês para o Líbano e, em 1932, após o único senso jamais ocorrido no país, a França reconheceu a divisão do país em 16 seitas religiosas. Entende-se esta divisão se olharmos para a criação dos partidos políticos libaneses que têm também caráter regional, nas aldeias das regiões: o partido de Jumblat onde estão radicados os druzos, o dos Chamoun onde moram os maronitas e de Fadlallah onde habitam os xiitas. Ideologia é assunto secundário para os partidos libaneses salvo mui honrosas exceções.
A Carta de Reconciliação Nacional, assinada pelos deputados libaneses reunidos na cidade saudita de Taïf, em 1989, estabeleceu novamente a divisão de cargos eqüitativamente entre religiões e pôs fim à guerra civil que sangrou o Líbano por 17 anos.
E é exatamente o rompimento deste acordo que está sendo tentado pela coalizão governante e, se os libaneses não criarem juízo, o Líbano será novamente ocupado. Não é necessário dizer por quem.