O problema não é o pão...

Qua, 30/04/2008 - 09:00

No dia 6 de abril, uma greve geral foi convocada no Egito (lembremos que por lá se trabalha normalmente nesse dia, pois os muçulmanos guardam as sextas-feiras). Seria de um dia apenas. Não temos ainda um balanço da extensão das paralisações, mas foi convocada principalmente pela internet, por panfletos nas portas de fábricas e nas escolas. O grupo político que fez a convocação é o de maior expressão na oposição ao governo do ditador egípcio Hosni Mubarak, no poder desde 1981 (quando assumiu em função da morte de Anuar El Sadat, que por sua vez ocupava o poder desde 1970, com a morte de Gamal Abdel Nasser). Mubarak governa a mão de ferro e, em 27 anos de presidência do país, foi reeleito sucessivas vezes (ao menos cinco pelos registros e com percentuais elevadíssimos, sob acusação de fraudes pela oposição). O racionamento do pão vem provocando profundo mal estar na população. Para se ter uma idéia disso, o governo limitou a cada família a compra de 20 pães por dia a um preço em torno de dois centavos de real cada pãozinho. Até as forças armadas foram mobilizadas para conter a fúria popular, sempre instigada pela oposição, lideradas pela Irmandade Muçulmana. A demissão do primeiro Ministro Ahmed Nazif foi pedida por nada menos que 226 deputados, muçulmanos e independentes (de um parlamento que tem, no total, 454 cadeiras e no qual o governo é amplamente majoritário). A organização político-religiosa que conhecemos hoje como irmandade muçulmana completa este ano 60 anos de existência. Ela foi fundada no Cairo em 1928 por Hasan Al Bana e seus colegas e intelectuais jovens que estavam insatisfeitos com os rumos que estavam tomando o islamismo. Aproveitaram o sucesso dos wahabitas na península arábica e o fim do Império Otomano após a I Guerra Mundial. Entre os pontos programáticos mais importantes que essa irmandade defendia podemos listar: retorno à pureza do Islã, a junção do credo e do Estado (livro e espada), sacrificavam-se ao extremo pela sua causa, defendendo a unificação de todo o mundo islâmico, sob uma autoridade exclusiva. É como se fosse a volta do império Islâmico e o seu auge que se deu no século XI. Rejeitavam todos os valores ocidentais e principalmente o colonialismo. Nas décadas de 1930 e 1940, chegaram a ter na época mais de 500 mil membros e eram uma das maiores forças políticas no Egito. Essa era uma época que as forças políticas no Egito eram divididas quase que em três partes idênticas. Uma parte significativa era composta pelos comunistas, uma segunda parte pelo grupo chamado de Oficiais Livres do exército, composto por jovens oficiais com patentes acima de capitão e até coronéis, que deu origem a Gamal Abdel Nasser, que viraria presidente após o golpe em 1952 e a terceira parte, da Irmandade Muçulmana. Na maioria das vezes esses grupos políticos se digladiavam entre si, mas em alguns momentos fizeram alianças e governaram o Egito. Em fevereiro de 1949, Bana foi assassinado e sua liderança foi substituída pela de Sayyid Kutb, um dos intelectuais mais respeitados no Oriente Médio. O seu pensamento defendia que os homens deveriam ser governados por leis oriundas do alcorão e da Sharia e não aquelas elaboradas pelos próprios homens. Entre 1945 e 1948, a Irmandade Muçulmana lançou uma grande campanha tanto contra os comunistas como contra os nacionalistas seculares, os Oficiais Livres. O grupo político denominado de Oficiais Livres eram compostos basicamente por cadetes e oficiais da baixa oficialidade oriundo da classe média urbana, pequena burguesia, geralmente defensores de um estado laico, separado da religião. No golpe de 1952, que destituiu a monarquia do Rei Faruk, houve uma aliança entre esses três grupos, comunistas, Irmandade e Oficiais Livres. A história registra que dos oito oficiais majores e coronéis que perpetraram esse famoso golpe de estado, quatro eram da Irmandade (Anuar El Sadat, que viraria presidente depois da morte de Nasser em 1970; Amer, Hussein e Mehanna) e três eram marxistas ou tinham influência de idéias marxistas (Khaled Mohiedin, Riffat e Saddik). Todos os outros eram da linha chamada nacionalista, do chamado pan-arabismo, na qual Nasser se incluía. Em 1996, o governo manda assassinar Kutb, encerrando assim essa aliança entre os Oficiais Livres e a Irmandade. Desse período em diante, a Irmandade ficou na oposição e nunca mais participou da estrutura de poder do Egito moderno. É preciso registrar que todos os grupos islâmicos e fundamentalistas que atuam hoje no Oriente Médio, como a Jihad Islâmica e o Hamas, que são palestinos, bem como a Al Qaeda, de Osama Bin Laden, beberam, como fonte inspiradora, dos textos de Bana e Kutb. Sua ação política tem como base uma ação assistencialista que ajuda os menos favorecidos da sociedade, uma doutrinação constante na linha do estado islâmico e de forte oposição ao governo egípcio, um grande aliado do imperialismo norte-americano. Não são e nem nunca foram alternativa a esquerda, os patriotas e nacionalistas, os socialistas. Mas, cumpre um papel importante neta conjuntura política adversa, de correlação de forças que nos é profundamente desfavorável. Devemos monitorar nas eleições ocorridas no dia 8 de abril o seu crescimento, ainda que a maioria de seus candidatos tenha sido impedido de disputar. Mas eles estão crescendo politicamente.