Os libaneses e a solução de seus problemas

Seg, 23/06/2008 - 21:00
Que diferença algumas semanas podem fazer. Em maio, os homens armados do partido Amal (acrônimo de Destacamento de Resistência Libanesa), de Nabih Berri, e os do Partido Socialista Progressista (PSP), de Walid Jumblat, estavam matando uns aos outros e, nos primeiros dias deste mês de junho, as duas agremiações emitiram um comunicado comum se comprometendo a dialogar, a seguir na competição democrática em vez do conflito armado e na revitalização das instituições capazes de encorajar melhores modos de debate. Amal e PSP deram os exemplos para os outros partidos e para seus próprios militantes de como ensinar a seus líderes a prática da política, não da politicagem. O comunicado demonstra que a reconciliação é possível como evidenciou o recente entendimento de Doha. É mais que óbvio ser este apenas um início, uma das possíveis e esperadas contribuições para a reconstrução correta e sólida deste sistema político libanês, longe de ser funcional. Um sistema que não será construído por um gênio da mitologia árabe, tirado de uma garrafa encontrada à beira do Mediterrâneo, num passe de mágica rápido e definitivo. No entanto, fica mais uma vez demonstrado que algum grau de entendimento existe e uma mudança drástica está em marcha no país do cedro. É uma evidência de que os ciclos de autodestruição no qual se envereda o Líbano, desde a independência, em 1943, estão sendo quebrados. A própria linguagem da declaração é uma revolução para uma arena política dominada por métodos tribais e egoístas. O acordo entre apenas dois das dezenas de partidos libaneses não é suficiente para solucionar tudo o que está errado no Líbano, mas serve, no mínimo dos mínimos, de exemplo para os demais. Serve também para mostrar que o espantalho de uma guerra civil – bastante visível há um mês apenas – foi freado e até mesmo deu marcha a ré de diversas maneiras. E se os outros partidos se inspirarem e chegarem a acordo similar, o processo de reversão dos efeitos do sangue derramado em maio e dos 18 meses de paralisia que o precederam podem começar a cair na graça e na aprovação do povo libanês. Lavou-se a roupa suja em casa, em Doha, mas o Líbano continua com seus grandes e resistentes problemas de ordem política, econômica e social. Problemas de segurança externa também os têm de sobra, mas, com certeza, este pequeno gesto é uma lição valiosa para que se lembrem que a rivalidade entre libaneses não vale a pena, pois expõe o país a perigos internos e externos. É ainda conveniente deixar as negociações limitadas ao fomento do debate e não do confronto. Finalmente, em virtude das linhas confessionais que dominam dentro de seus redutos eleitorais, o Amal (de maioria xiita) e o PSP (predominantemente druzo) demonstraram que apesar da influência divisionária do modelo sectário não é tarde para reconciliar as muitas comunidades religiosas libanesas ou para transformar a diversidade em fonte de força e não de fraqueza. É preciso muito, muito tempo mesmo, para que fique provado que a reconciliação é auto-sustentável. O processo é tão precioso quanto fraco, mas todos aqueles que se empenharem nele merecem um muito obrigado. No entanto, vale a pena lembrar que as aves de rapina continuam seu vôo de mau agouro sobre o Líbano com seu bico adunco e suas garras fortes para tentar destroçar o Líbano mais uma vez. Não fora assim, o que vai fazer no Líbano, justo agora, a senhora Condoleezza Rice, Secretária de Estado do aliado por excelência de Israel, enquanto os partidos libaneses estão se entendendo para sair da crise? Ela chegou com um novo discurso afirmando que seu governo está “atacando as causas básicas” que ela considera estarem por trás das crises enfrentadas pelo Oriente Médio. Perguntada o que ela considera serem “as causas básicas”, ela respondeu que “já é tempo de se lidar com o problema das fazendas de Shabaa”, o que faz lembrar Marie-Antoinette, rainha da França, dizendo que se desse brioche ao povo enfurecido por falta de pão. É óbvio que se quer Shabaa e também todas as terras árabes ocupadas por seus protegidos sionistas, mas o Líbano está hoje tentando resolver os seus problemas e quanto mais longe ficar a senhora Rice e seu patrão chefe do governo cadente melhor. Ela ainda se referiu à proeminência do Hizbullah no sul do Líbano e mencionou na mesma frase Resoluções do Conselho de Segurança das Nações Unidas. Finge saber que o Hizbullah é um líder da resistência libanesa que inclui outros partidos igualmente empenhados na solução da crise libanesa. Que a senhora Rice volte a Washington para arrumar as malas, enquanto no Líbano os partidos políticos se entendem, mirando no exemplo do Amal e do PSP, para conseguir a paz dentro de casa e economizar esforços para combater os seus verdadeiros inimigos externos.