Por que defendemos profetas
Um fato entristeceu profundamente os muçulmanos do mundo inteiro no início deste ano: um jornal da Dinamarca publicou caricaturas ofensivas do Profeta Muhammad (que a paz esteja com Ele e sua Purificada Descendência), no que foi secundado por diversos periódicos europeus. A justa revolta dos muçulmanos foi respondida com o argumento de que a ação do cartunista estava respaldada naquele que seria um princípio muito caro às sociedades ocidentais: o da liberdade de expressão.
É obrigação de todas as pessoas justas defender a liberdade de expressão, pois ela está intimamente ligada ao direito do indivíduo de se manifestar. A manifestação do espírito é característica intrínseca do ser pensante, que observa o meio em que vive, raciocina e com base em seu raciocínio infere, conclui, propõe, critica e age. Deus nos inculcou a capacidade de pensar e, dessa maneira, nos diferenciou do restante da Sua criação. Nos elevou, inclusive, sobre os anjos e arcanjos, pois nos conferiu também a faculdade do livre arbítrio, concedendo-nos a possibilidade de escolher entre o bem e o mal.
Devemos entender, no entanto, que a liberdade de expressão não pode ser tomada como um princípio absoluto. Ela tem uma medida, que é a honra do outro. Esta é uma das primeiras lições que qualquer estudante de primeiro ano de Jornalismo aprende. Fazer da liberdade de expressão o valor maior da sociedade, como pretendem os defensores do caricaturista dinamarquês, significa escancarar as portas da ofensa gratuita, da calúnia desmedida, significa elevar a injúria e a difamação a um nível superior ao do respeito. É para evitar isso que os códigos legais inscrevem o ataque à honra pessoal no rol dos crimes.
Ora, se não é lícito escrever uma reportagem acusando alguém de algo que não fez ou que não é, deve-se ter ainda mais escrúpulo quando a referência é a um Profeta, um ser humano especial, escolhido para ser transmissor da mensagem divina. Todas as tradições religiosas reconhecem nestes indivíduos a condição diferenciada de uma pessoa imaculada, encarregada de informar aos demais sobre a existência de uma realidade superior à matéria, de um Princípio Consciente responsável não só pela criação do mundo, mas pela sua sustentação. Caricaturizar um Profeta de maneira ofensiva pode ser, portanto, sintoma de ignorância pura e simples, de um ateísmo militante e agressivo ou, no limite, expressão da mais sórdida má-fé, manipulada com interesses políticos muito bem definidos.
Não me surpreende o fato de que “filósofos”, políticos, artistas e até mesmo jornalistas ocidentais tenham acorrido em defesa do caricaturista dinamarquês. A jornalista de uma das revistas mais importantes do Brasil, uma publicação semanal que tem se constituído em porta-voz oficial da islamofobia no país, argumentou em sua reportagem que, em contraposição ao Mundo Islâmico (nas entrelinhas qualificado de “intolerante” e “violento”), no Ocidente a imagem de Cristo (que a paz esteja sobre ele) foi “desconstruída” (sic) de várias maneiras, tendo o Profeta Jesus, filho de Maria (que a paz esteja sobre eles) sido representado até como drogado e homossexual.
Para esta jornalista, que certamente representa parcela considerável da opinião pública ocidental, crítica do comportamento dos muçulmanos, a medida de desenvolvimento de uma sociedade é o grau de humilhação a que pode condenar Profetas e homens santos. Quanto mais baixo for o nível a que esta sociedade fizer descer a imagem dos fundadores das suas próprias bases espirituais e morais, mais progressista ela é.
Como contrapartida necessária, respeitar as motivações doentias – para não dizer demoníacas – dos “intelectuais” que se dedicam à tarefa de, nos termos da jornalista, “desconstruir” a imagem dos Profetas é dever de todo o indivíduo comprometido com a “modernidade”. E modernidade, para estas pessoas, é sinônimo de “evolução”. (Particularmente, não concordo com a relação direta que se faz entre os dois termos, pois vejo em muitos aspectos da modernidade sinais claros de retrocesso da civilização, mas isso seria tema para outro artigo).
As caricaturas ofensivas do Profeta Muhammad (s.a.a.a.s.) não devem ser tomadas como causa. Elas são sintomas de uma sociedade que perdeu, há muito tempo, o respeito pelos seus símbolos. De uma civilização que já “desconstruiu” seu Profeta maior como drogado e homossexual, como um indivíduo fraco e atemorizado por dúvidas como qualquer ser humano, não se poderia esperar outra coisa se não voltar-se, agora, contra as demais tradições religiosas e tentar “desconstruir” a imagem dos seus Profetas.
Nós, muçulmanos, não aceitamos este ataque. E podem dizer que a defesa que fazemos não só do nosso Profeta, mas de todos os 124 mil Profetas enviados à humanidade, é uma atitude conservadora. Para nós, ser conservador é um grande elogio. Somos conservadores sim, pois entendemos que existem valores a serem conservados (e respeitados) eternamente por guardarem uma relação íntima com aquilo que nos faz humanos. Entre estes valores estão a crença num Princípio Transcendente e Consciente de tudo quanto existe, Sustentador e Ordenador do universo, a Quem denominados Allah, bem como o respeito aos Seus nobres mensageiros. A estes valores nenhuma pretensão à “modernidade” ou a qualquer outra liberdade humana se contrapõe.