Vinho é a bebida dos deuses
A poesia brota do real, das muitas realidades de que somos parte. O poeta compõe o poema. O poema nos toca porque é pleno de realidade. Por isso há algo de muito vivo na afirmação que abre esta estória.
A sura sobre o vinho sugere que os muçulmanos o evitem. O vinho e os jogos de azar evocariam castigos arrepiantes. De outro lado, nas tabernas cristãs, a venda de vinho era liberada e de maneira geral, os muçulmanos de Alandaluz consumiam vinho com prazer. Segundo testemunhos de cronistas, esses amantes do vinho gabavam-se dos efeitos inebriantes provocados pela bebida.
O vinho era servido por jovens criados em qualquer encontro como festas e dîwâns. O dîwân dos árabes teria herdado do dîwân dos persas esse costume, já que o apreço à bebida vinha do antigo Império Sassânida, e a palavra dîwân é de origem persa. A região de Shyraz, terra do poeta Saadi (século XIII), é mãe de uma das uvas mais ricas, a shiraz ou syrah. Manejadas por mãos e nariz sensíveis, chega a produzir vinhos de inigualável perfume violeta. Por habitarem territórios de castas valiosas e, considerando o apreço ao refinamento, é natural que persas e alandaluzes consumissem vinho. No atual Irã, o cultivo da shiraz é proibido mas felizmente muitas mudas foram levadas para outras partes do mundo. Vinho e poesia, parceiros há tempos, também se encontraram nos salões e pátios de Alandaluz.
O vinho nos toca porque perfume, sabor e prazer alimentam nossas gemas poéticas. Nós, brasileiros integrados à poesia cotidiana, a misturas e sincretismos, aceitamos que o vinho é a bebida dos deuses, e se a poesia se calca no real, brindemos à realidade que nos une, nossa herança alandaluza, plena de beleza, vinho e poesia.