Debate encerra a 6ª Mostra Mundo Árabe de Cinema
A Cinemateca Brasileira foi palco, na noite de 29/6, de um importante debate sobre a produção cinematográfica no mundo árabe. Com a presença da diretora tunisiana Raja Amari, a atividade encerrou a 6ª Mostra Mundo Árabe de Cinema. A mesa contou também com as presenças de Nágila Guimarães, curadora da Mostra, Soraya Smaili, Diretora Cultural e Científica do ICArabe, e mediação de Aimar Labaki.
Antes do debate, foi exibido “Segredos enterrados”, dirigido por Raja. O filme conta a história de três mulheres que vivem isoladas em um palácio abandonado, guardando um segredo sobre sua família. A existência delas se modifica a partir da chegada de Salma, que passa a partilhar da rotina das mulheres como prisioneira.
Para iniciar a discussão, Soraya Smaili relatou ao público como surgiu a ideia de realizar mostras de cinema voltadas unicamente para a produção árabe. Segundo ela, o cinema árabe, apesar de pouco conhecido, era muito desejado. Afinal, diversos países árabes possuem grande tradição em produzir filmes, como o Egito. Em seguida, Nágila contou que começou a pensar em fazer a curadoria da mostra em 2009, a partir do crescimento das produções em número e qualidade. “Não tivemos a intenção de focar em questões políticas, mas sim de ter várias histórias, vários diretores, de diferentes países”, explicou.
Na sequência, Raja Amari, passou a responder perguntas de Aimar Labaki e do público, ávido por informações tanto sobre o cinema como sobre a recente revolução na Tunísia, que derrubou a ditadura de Ben Ali após mais de vinte anos de regime. Segundo Raja, a Tunísia produz em média três ou quatro filmes por ano, com financiamento do Ministério da Cultura. Como os recursos não são suficientes, os diretores apelam para as co-produções com outros países, geralmente europeus.
Raja falou também sobre a censura política que os filmes tunisianos enfrentam por serem financiados por órgãos do governo. Para driblá-la, e também garantir mais recursos, está sendo criada uma estrutura independente, reunindo cineastas tunisianos. Esse órgão, semelhante a um sindicato, produziu um documentário sobre a revolução que tirou Ben Ali do poder e pretende criar uma estrutura que regule a produção cinematográfica no futuro.
Para a diretora, que levou três anos para concluir “Segredos enterrados”, a grande dificuldade em fazer filmes em seu país é mesmo a busca por financiamento. Segundo Raja, seu filme suscitou intenso debate, principalmente por tocar em elementos como o desejo e o corpo femininos. “As personagens principais são femininas. Os conflitos, as complicações, estão centradas sobre o corpo das mulheres, no filme e na realidade”, disse.
Perguntada sobre seu conhecimento sobre o cinema brasileiro, Raja contou estar na fase da descoberta, pois há pouca difusão na Tunísia. “Conheço um pouco mais o cinema argentino”, falou.
Muitas questões giraram em torno da representação da mulher árabe. Raja enfatizou o fato de que seu filme não representa necessariamente uma realidade social, e tampouco tem a pretensão de falar sobre a mulher árabe, mas sim contar uma história de ficção. Para ela, é difícil falar sobre um cinema árabe, pois a realidade dos países – e, consequentemente, de suas expressões artísticas – são muito distintas. “Não gostaria de rotular meu cinema como árabe”, disse, “pois sofro diversas influências”. A diretora citou o exemplo do cinema iraniano, que, para ela, não tem uma identidade unicamente árabe, mas é composto por influências distintas.
Sobre as co-produções, que foram diversas vezes questionadas, Raja disse que procura escolher profissionais que trabalharam em filmes que a agradaram. Em “Segredos enterrados”, ela empregou técnicos franceses, turcos e tunisianos, resultando em uma boa experiência de trabalho.
Raja falou também sobre questões políticas, principalmente sobre a revolução. Disse que a Tunísia enfrenta agora um período de transição, pois ainda não foram realizadas eleições. “Espero que as coisas aconteçam”, disse. Questionada sobre a possibilidade de união dos países árabes em uma estrutura semelhante à da União Européia, Raja afirmou que se tratar de realidades muito diferentes, e que essas diferenças são importantes.