Desculpe o transtorno, estamos em obras

Qui, 04/11/2010 - 13:25
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Duas visitas ao Líbano, uma em 2004, outra em 2010. O país de agora está muito diferente daquele de seis anos atrás. Por que? Talvez porque seja uma nação de enorme diversidade, que está sob a mira de muitas outras. O fato é que os libaneses continuam dinâmicos, inteligentes e, dependendo da situação, extremamente rápidos.Em 2004, havia muitas construções, mas nada que se comparasse ao Líbano de 2010. Nós que estamos fora, esquecemos que em 2006 houve um bombardeio e muita destruição. Não vi a destruição, mas posso ver os indícios dela e, infelizmente, os efeitos também. Assim como os edifícios, as casas, as estradas e as pontes, os libaneses parecem estar recolhendo e se erguendo sobre os destroços. Muita poeira levantada, muitas coisas vindo à superfície e muito transtorno também.

Certamente, ao final de tudo isso, teremos mais mobilidade. Já há uma bela ponte e uma quase reconstruída e ampliada estrada que vai de Beirute a Damasco, rota importantíssima para libaneses e sírios. Também está em obras uma boa rodovia, que no momento é pura dor de cabeça para os habitantes do Vale do Bekaa, que fará conexão entre o Líbano e os países árabes. A Estrada Árabe, como é chamada, é uma iniciativa conjunta dos países que serão conectados pela mesma e irá interligar a importante economia do Golfo com as dos países do crescente e o Mediterrâneo. Uma iniciativa que representa um avanço, um passo à frente para a região, em especial para os libaneses.

Fico imaginando como ficará interessante o Vale do Bekaa desafogado dos transportes pesados e com a rota Beirute-Damasco livre para passeio. Este é um caminho lindo, que alterna montanhas de diferentes nuances, às vezes áridas, às vezes com uma vegetação característica à medida que se aproxima da região do mar. Fico sempre emocionada ao vê-las e felizmente isso não mudou de 2004 para 2010. Continuam lá as montanhas rochosas, fazendo calar, fazendo olhar e refletir. Delas vêm o ar e a água, o contraste do amarelo ouro com o azul. Quando estamos no Vale, podemos enxerga-las por todos os lados, assim como as pedras que vêm delas e que estão ajudando a construir as novas casas e as novas estradas. Como ficará o Líbano quando eu voltar? Diferente, mais dinâmico e crescendo sempre.

Este crescimento talvez esteja na cabeça de algumas pessoas, mas talvez não tenha sido totalmente percebido por todos os habitantes. Creio que não há a consciência plena do que ele representa. Mas isso ficará cada vez mais evidente, especialmente pelo aumento da atribulação, do cansaço e, infelizmente, do sobressalto. A atribulação para o trabalho, para a modernidade da vida. O cansaço e o sobressalto andam juntos. Ao mesmo tempo que libaneses estão cansados de guerras e de serem alvos de outros governos e interesses, têm um constante sobressalto, uma pressão presente e permanente. Ao conversar com as pessoas sobre o que representou 2006, fica evidente que foi um impacto bastante profundo. O exemplo mais contundente ficou por conta de uma prima, jovem e grávida, que em meio ao bombardeio não encontrou o seu médico ou hospital para o parto que, ao final, foi realizado em um hospital beduíno por um generoso e disposto médico palestino. Existe uma certa tranquilidade na fala dela ao contar sua história, mas existe também um profundo cansaço, embora ela seja tão jovem e tenha uma vida confortável junto ao marido e aos filhos.

Ao final, a sensação que tenho é de que os libaneses (e nós também) querem que as reformas acabem logo, que a estrada termine o mais depressa e que suas vidas possam ser finalmente reorganizadas. Assim, eles poderão fazer a limpeza, tirar toda a poeira de maneira que possam olhar para o horizonte sem tanta névoa seca, admirar suas montanhas e seu mar azul e belo de maneira clara e feliz. Seria isso possível? Seria possível que pudessem apenas viver e trabalhar? Reconstruir suas casas e suas vidas? Há muita dor para superar, mas eles nem pensam em desistir. Para nós que lá não estamos e não temos ideia do que acontece, nem podemos pensar outra coisa, querer diferente.