Série de verbetes informativos sobre os árabes: Sharia, por Salem Hikmat Nasser
Apresentamos mais um verbete da série especial do ICArabe, dedicada a ampliar o conhecimento sobre o mundo árabe com profundidade e responsabilidade. A iniciativa reforça o compromisso da instituição com a promoção de informação qualificada e o combate a estereótipos, contribuindo para uma sociedade mais consciente e bem informada. Leia abaixo:
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Sharia
O direito islâmico, ou sharia, é geralmente entendido como o conjunto das prescrições, regras e mandamentos que se aplicam a todos os aspectos da vida tanto do muçulmano, individualmente, quanto da comunidade dos fiéis. É, nesse sentido, um conjunto de normas que pretende ser completo, abarcando toda a vida e todas as relações. É também um sistema que se define como tendo origem e natureza sagradas.
Ele regula, primeiramente, a relação do crente com Deus (o culto ou ibada), estabelecendo os deveres da pessoa muçulmana em relação a Deus e à religião. Esses deveres são conhecidos como os pilares da fé: a shahada - a fórmula falada, profissão de fé, dita por muçulmanos que professam sua crença na existência de um Deus único e na escolha de Mohamad como seu profeta; salat, ou a oração, cinco vezes por dia; hajj, a peregrinação obrigatória a Meca; siam, o jejum feito durante o mês de Ramadan; zakat, um pagamento a ser feito para o benefício dos pobres.
A sharia não regula apenas a ibada, mas também organiza as interações sociais ou o que se chama muamalat. As regras da sharia referem-se ao estatuto pessoal dos indivíduos, às relações familiares, comerciais e econômicas. Elas também estabelecem as infrações penais e punições correspondentes e organizam o sistema político no interior do Estado com o propósito de regular as relações internacionais da comunidade muçulmana.
Uma terceira dimensão da sharia refere-se à moral ou ética islâmica, embora concepções restritivas da sharia possam ver tais considerações, relativas aos preceitos morais, dirigidas à consciência de cada muçulmano, regulando a generosidade, a tolerância, ou o altruísmo, como não constitutivas do direito islâmico propriamente.
As fontes das quais as regras do direito islâmico brotam e em que podem ser encontradas são o Alcorão - o livro sagrado que contém a coleção de revelações feitas pelo Arcanjo Gabriel a Mohamad – e a sunna - o conjunto de comportamentos e dizeres do Profeta, sendo ele, como se acredita, imune de erros e inspirado divinamente.
O ijtihad é o esforço que cabe ao ser humano, para tentar conhecer a vontade de Deus e descobrir ou conceber as normas jurídicas. Desse esforço surgiram os princípios do saber jurídico, usûl al fiqh (a teoria do direito, se quisermos) relativos ao direito islâmico, e o conjunto de normas, sobre cuja existência e teor há certa concordância.
É trivial dizer que as portas do ijtihad foram fechadas por volta do terceiro século depois do nascimento do Islã. Assim, tanto a teoria do direito, ou usûl al fiqh, quanto as normas do direito islâmico, teriam sido consolidadas para sempre nas principais escolas jurídicas, madaheb, quatro reconhecidas pelo islamismo sunita e uma escola xiita.
Prof. Dr. Salem Hikmat Nasser possui doutorado em Direito Internacional pela Universidade de São Paulo (2004) e mestrado em Direito Internacional pela Universidade Panthéon-Assas (Paris II). Em 2009 e 2011, respectivamente, foi pesquisador visitante do Lauterpacht Centre for International Law e do European University Institute. Desenvolve investigações sobre os temas próximos à fragmentação do Direito Internacional, ao pluralismo jurídico e normativo, à governança global, à diversidade de tradições jurídicas e às relações entre Direito e Globalização. Em 2023, foi nomeado membro titular do Grupo de Trabalho sobre combate ao Discurso de Ódio e ao Extremismo do Ministério dos Direitos Humanos. É Coordenador do Centro de Direito Global e Desenvolvimento da FGV Direito SP e autor de “Direito Global: Normas e Suas Relações (2023) e “Direito Global” (2021). É sócio da Nasser Advogados e foi Presidente do Instituto da Cultura Árabe (2014-2016).