Um chamado à solidariedade ao povo palestino

Qua, 23/11/2016 - 22:05

Em um debate sobre Palestina, a informação aterradora de que, em meio aos ataques a Gaza em 2014, realizou-se uma gigantesca marcha em Israel pelo direito dos animais. Quinze mil pessoas participaram. No mundo inteiro, veganos celebraram a preocupação israelense com os animais. Assim, Israel obliterou o genocídio que promovia em Gaza, mais uma vez se apropriando de uma das lutas que são realizadas ao redor do mundo. Após o pinkwashing (lavar de rosa, ao se colocar como paraíso LGBT), veganwashing (algo como lavar de vegano) é o nome dessa nova forma de propagandear ao globo o quão democrático é o Estado de Israel. A farsa orientalista – em que Israel se coloca entre os “ocidentais” civilizados, ante os “orientais” árabes e palestinos bárbaros – demonstra assim sua face mais perversa: a desumanização, em nome de um projeto imperialista, de dominação colonial.

Choca que o mundo ceda à manipulação israelense, sobretudo em meio a um genocídio em que 142 famílias de Gaza perderam no mínimo três pessoas. Foram mais de 2.200 assassinados, dos quais 530 crianças. Trinta e sete por cento das mortes se deram por bombardeios via drones. Ou seja, precisão cirúrgica sobre as cabeças inclusive de bebês. E esse é apenas um capítulo recente da Nakba (catástrofe palestina, representada pela criação do Estado de Israel em 15 de maio de 1948) que segue há quase 69 anos.

As 400 crianças palestinas presas por Israel, a contínua demolição de casas sobretudo em bairros de Jerusalém, os ataques frequentes de colonos a palestinos e o impedimento de livre circulação na Cisjordânia são algumas pequenas mostras do apartheid, ocupação e colonização israelenses. Em Gaza, até 18 horas por dia sem eletricidade, população vivendo sob escombros, bloqueio desumano e bombardeios constantes há dez anos – como o de 2014. Onde hoje é Israel, cerca de 60 leis racistas contra os palestinos que escaparam da expulsão e centenas de aldeias proibidas de acesso a serviços básicos. A um raio de 150km da Palestina histórica, 5 milhões de refugiados em campos. No mundo, milhares espalhados, após a fragmentação da sociedade palestina implementada intensamente a partir de 1948, inaugurada de fato ainda ao final do ano anterior.

O dia 29 de novembro de 1947 foi o marco, prenunciando a tragédia que se abateria sobre os palestinos. Na data, a Assembleia Geral das Nações Unidas recomendou a partilha da Palestina em um estado judeu e um árabe, sem consulta aos habitantes locais. Presidida pelo brasileiro Oswaldo Aranha, a sessão é caso exemplar das manobras em bastidores nesses círculos, a serviço do domínio imperialista da região. Essa foi adiada até que se conseguissem os votos necessários à consolidação do projeto sionista – de constituição de um estado judeu homogêneo em terras palestinas, ao que seria necessário a limpeza étnica da maioria da população (não judia).

A ação, com a vergonhosa cumplicidade do Estado brasileiro – que se manteve ao longo da história –, forneceu as bases para que o movimento sionista colocasse em marcha seu plano deliberado de limpeza étnica. Iniciado 12 dias após a recomendação na ONU, culminou, segundo escreve o historiador israelense Ilan Pappé, na expulsão de 800 mil palestinos de suas terras e propriedades e destruição de 531 aldeias.

Em 1977, a mesma ONU instituiu o 29 de novembro como Dia Internacional de Solidariedade ao Povo Palestino. Desde então, anualmente, realizam-se na data, em todo o mundo, atividades para lembrar a Nakba que se abateu sobre os palestinos, denunciar que essa população ainda espera por justiça e ampliar o chamado urgente por solidariedade internacional.

Boicote à HP

Em 2016, as iniciativas nesse sentido já começaram e abrangem uma convocação do movimento por boicotes, desinvestimento e sanções (BDS) a Israel de que integrem campanha cujo alvo agora é a HP (Hewlett Packard). A famosa multinacional estadunidense de tecnologia da informação é a segunda maior investidora no setor em Israel.

Seu sistema está instalado nos checkpoints (postos de controle) na Cisjordânia que impedem a livre circulação dos palestinos, na infraestrutura informatizada ao cerco a Gaza e às forças de ocupação, bem como aos assentamentos. A HP contribui ao controle sobre o ir e vir dos palestinos ao fornecer identificação biométrica que os diferencia dos israelenses em meio ao apartheid institucionalizado.

Ante essa cumplicidade, entre 25 de novembro e 3 de dezembro, o chamado do movimento BDS é que se realizem ações por boicote à HP. Essas iniciativas – que se espelham na campanha por boicote ao apartheid na África do Sul nos anos 1990 – têm garantido perdas econômicas importantes a transnacionais e multinacionais como a HP e a Israel, isolando seu projeto colonial. A queda nos investimentos em Israel alcançou 46% nos últimos anos com o BDS.

Oslo e a economia

Essa cumplicidade ganhou reforço a partir dos malfadados acordos de Oslo. Firmados entre a Organização pela Libertação da Palestina (OLP) e Israel em setembro de 1993, não à toa são considerados por muitos palestinos como uma nova Nakba – um exemplo lamentável de rendição da liderança histórica palestina ao seu algoz, como denunciou desde o início o intelectual palestino Edward Said (1935-2003), o qual denominava tais acordos corretamente como Tratados de Versalhes da causa palestina.

Said teve o mérito de perceber, ainda em 1993, as reais intenções de Oslo: enfraquecer a resistência e os movimentos de solidariedade ao povo palestino em todo o mundo, assegurando, a partir da criação da Autoridade Palestina (AP), a formação de uma nova classe capitalista subordinada ao projeto sionista.

Oslo foi absolutamente bem-sucedido em seu propósito mascarado sob o manto da paz e coexistência. Firmando o reconhecimento mútuo entre OLP e Israel, os acordos basearam-se na desde sempre injusta proposta de dois estados – ou seja, de uma Palestina em apenas 22% do seu território histórico. A ideia difundida ao mundo era de que o controle desse pedaço passaria às mãos dos palestinos gradativamente. Inicialmente, a Cisjordânia se manteria dividida em áreas A (sob administração da AP, equivalente a 18%), B (mista, entre Israel e AP, a 22%) e C (sob controle militar exclusivo israelense, a 60%). Logo à sequência da assinatura, Israel ampliou a construção de assentamentos e aparatos como estradas exclusivas para colonos que impediram qualquer autonomia por parte da liderança palestina. Um ano depois, como complemento, foram firmados os Protocolos de Paris, que selaram a consequente cooperação de segurança da AP com Israel – em outras palavras, a Autoridade Palestina passou a gerenciar a ocupação, reprimindo a resistência palestina.

A questão econômica é chave nesse processo: qualquer fundo, importação ou exportação por parte da AP desde então estão sujeitos a repasse israelense, que assegurou o controle sobre a circulação em terra, mar e sobre as fronteiras. Fruto desse processo, uma nova burguesia surgiu na Palestina ocupada – atrelada ao projeto sionista.

A realidade de Oslo demonstra que tipo de paz o líder israelense Shimon Peres, tão saudado em todo o mundo recentemente, por ocasião da sua morte, defendia e pretendia. Uma pacificação com dependência econômica integral da AP e normalização de relações em meio ao apartheid e à ocupação. Aos palestinos, ante a dívida histórica do Brasil e do mundo, neste 29 de novembro, muito além de retórica: solidariedade ativa.