Indícios da culpa de Israel na morte de Hammarskjöld
Nós tivemos o nosso Hammarskjöld, na pessoa de Vieira de Melo, que igualmente deu a sua vida à busca da paz. Ambos merecem eterna gratidão da humanidade.
Dag Hammarskjöld, cujo nome completo é Dag Hjalmar Agne Hammarskjöld, nasceu em 1905 na Suécia e morreu em 1961 em estranho acidente aéreo cujos autores até hoje não foram identificados, apesar do grande número de interessados em seu desaparecimento, em território que hoje faz parte de Zâmbia. Economista de profissão, Hammarskjöld foi estadista sueco e por dois turnos secretário geral das Nações Unidas.
Já Sérgio Vieira de Melo, nascido em 1948, no Rio de Janeiro, teve morte igualmente trágica, em 2003, num ataque da al-Qaida que declaradamente o visava pessoalmente, em Bagdá. Sérgio descende de família de diplomatas. Ele obteve êxito e visibilidade no cenário internacional por sua atividade profissional diplomática a serviço das Nações Unidas e tinha Hammarskjöld como modelo de atuação, em sua firme defesa dos princípios da independência e da imparcialidade das Nações Unidas na defesa dos direitos e dos valores humanos.
Em recente artigo no Foreign Policy os jornalistas Paul McLeary e Adam Rawnsley se lembraram de Hammarskjöld em artigo intitulado Murder and the U.N. (Assassinato e a ONU) quando lançam uma pergunta constrangedora para aqueles que há decênios fingem que o assunto não lhes compete. A pergunta dos jornalistas é sintomática. Eles lançam a pergunta “Dag Hammarskjöld, o mais venerado e icônico secretário geral da história das Nações Unidas, foi assassinado por uma organização paramilitar da era da apartheid na República Sul Africana, com apoio da CIA, British Intelligence e uma companhia mineradora belga?” e respondem “pode ter sido”.
Só que a possibilidade apontada pelos jornalistas se torna mais próxima da certeza quando o Secretário Geral da ONU, Ban Ki-moon, toma a iniciativa de propor a reabertura do inquérito sobre o assassinato de Hammarskjöld. Ki-moon não é mais quem exerce o cargo na ONU e o atual Secretário Geral, o português António Guterres, que tomou posse dia 1º de janeiro último, não parece enfrentar com a coragem que lhe é requerida a dupla estadunidense-sionista, como já demonstrou no episódio de classificação de Israel como estado que pratica o apartheid, e talvez o inquérito morra mais uma vez.
Isto apesar de a iniciativa ter como base que a justifique a recente descoberta pelo governo sul-africano, por tanto pós-segregação racial, de documentos de inteligência detalhando a trama, apelidada de Operation Celeste, que tinha como objetivo a morte de Hammarskjöld. Em carta recente para as Nações Unidas, as autoridades sul-africanas afirmaram que os documentos tinham sido transferidos para o seu Ministério da Justiça, permitindo assim que as autoridades da ONU possam examiná-los, conforme notícia que circula nos meios diplomáticos próximos ao assunto. A Missão da África do Sul junto às Nações Unidas não respondeu a perguntas dos jornalistas sobre o assunto. A CIA obviamente negou estar por trás da morte de Hammarskjöld qualificando a notícia de “absurda e sem fundamento”.
A Inteligência britânica responderia o mesmo que a CIA e nenhuma mineradora belga daria resposta diferente. Só que, como diz o samba: “naquela mesa está faltando ele” sim, está faltando Israel, aliado e sócio da África do Sul, nos respectivos programas nucleares e juntos interessadíssimos em que o urânio congolês continuasse nas mãos dos belgas, seus mercenários e governos corruptos vendilhões da riqueza do Congo. Os assassinatos cometidos somam dezenas de milhares e entre eles o líder congolês Patrice Lumumba, que tinha os interesses de seu país acima de qualquer dúvida.
Continuemos então a verificar porque Hammarskjöld criou tantos ódios a ponto de o assassinarem.
Hammarskjöld foi um mediador de conflitos (ver: Dag Hammarskjöld and Conflit Mediation, Henning Melber, February 2016, Centre for Mediation in Africa – Department of Political Sciences at the University of Pretoria) e, como sempre, o resultado pode ser palatável para um lado e nada agradável para o outro. O resultado nem sempre é pacífico e os casos de Hammarskjöld, Sérgio e também Lumumba o demonstram sobejamente.
De fato, a mediação de Hammarskjöld e seu time na Crise do Suez, quando o então presidente egípcio Gamal Abdel Nasser anunciou a nacionalização do Canal de Suez, causou a reação imediata de duas potências de então, França e Grã Bretanha, que encomendaram a Israel iniciar uma guerra contra o Egito que serviria de justificativa para uma intervenção de ambas sob o falho argumento de que a segurança regional, internacional e do próprio Canal estava sendo violada. A guerra injusta foi um fracasso e, como feria os planos dos Estados Unidos de participar ativamente nos destinos da região, passando Grã Bretanha e França para trás, e temendo que as iniciativas da União Soviética frutificassem, os Estados Unidos, por ordem de Dwight D. Eisenhower, o presidente de plantão, intervieram na questão e simplesmente foi suficiente ameaçar Israel de cortar as ajudas financeiras e militares. A reação dos Estados Unidos deu um fim às pretensões de Paris, Londres e Tel Aviv de dominar o Canal. Começou então a mediação da crise entre o Egito e os países agressores por parte das Nações Unidas, sob o comando de Hammarskjöld.
Como não tinham como desobedecer “a voz de seu Mestre” estadunidense militarmente ou diplomaticamente, os países agressores iniciaram uma campanha para ganhar a parada pela via diplomática e foram impedidos pela atuação de Hammarskjöld, que passaria a ser, ao não permitir a violação da Carta das Nações Unidas, dada a sua mediação diplomática impecável, a favor das nações prejudicadas e contra os membros autores das agressões e obviamente de Israel.
Em futuro artigo, veremos como cresceria esta atitude hostil de Israel contra o Secretário Geral das Nações Unidas. Por enquanto, aguardemos o que fará Guterres.
José Farhat é cientista político, arabista e diretor de Relações Internacionais do ICArabe.
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