Espaço à cultura no Fórum Social Mundial na Tunísia
“Estamos definindo toda a programação nos próximos dias e, além das várias manifestações artísticas, como música, teatro e cinema, entre outras, teremos encontros para debater o papel da cultura também como ator político. Queremos aprofundar essa discussão, ir além das apresentações artísticas ao fim de cada debate realizado no Fórum, discutir nas comissões culturais o direito dos povos à cultura e à livre manifestação, como parte de um processo que já vem se desenvolvendo”, afirmou Hamouda Soubhi. Artistas da Argélia, do Egito e da Palestina, entre outros, farão apresentações no Fórum. “Teremos eventos especiais de palestinos no dia 30 de março, que é o Dia da Terra Palestina. Queremos promover exibições pela cidade para integrar a população local, não apenas no espaço onde o Fórum será realizado.”
Mulheres e jovens terão destaque no FSM. Halima Juini ressaltou o ciclo de filmes com a temática feminina. “Através desse ciclo, vamos discutir a situação das mulheres, seus desafios, a luta por direitos, sua participação na sociedade e os estereótipos que precisam ser derrubados. Mulheres e jovens estão engajados desde os primeiros movimentos da primavera árabe. O Fórum será um momento muito importante de intercâmbio com outros grupos que, como nós, buscam melhorar a sociedade através do diálogo propositivo.”
Para o Diretor Cultural do ICArabe, Geraldo Godoy de Campos, que participou da organização do Ciclo de Diálogos rumo ao Fórum e que estará na Tunísia no FSM 2013, “a dimensão cultural não é secundária nos processos de transformações políticas que estão ocorrendo no mundo árabe. Ela é central. Além da participação de artistas ter sido fundamental nos processos das primaveras, as revoluções forçam as sociedades a se reinventarem, o que, por um lado, evidencia diversas contradições e por outro abre potencial para repactuações sociais. Em tudo isso, a questão dos valores, de dinâmicas de construção de significado cultural também ganham relevância.”
O FSM 2013 já conta com inscrições de 2.500 organizações de diversas partes do mundo, entre elas, 140 brasileiras. Para mais informações e inscrições, acesse o site http://www.fsm2013.org/en/activities
Testemunhos da Primavera Árabe
Edição baseada no texto de Terezinha Vicente/Ciranda
Depois de 2011 muitas coisas aconteceram no Marrocos, Jordânia, Palestina, Egito, Síria, Tunísia etc. “Nossa missão é reproduzir as informações, há muitas mudanças na região”, disse Hamouda Soubhi, do Marrocos e membro do Comitê Local do FSM2013, na primeira sessão dos Diálogos promovidos pelo Grap - Grupo de Apoio e Reflexão ao Processo do Fórum Social Mundial, na mesa do dia 29 de janeiro, sobre a primavera árabe.
Todos contaram que essas revoluções não surgiram de repente, organizadas pela internet, como os meios de comunicação tentam passar. Para Messaoud Romdhani, do Fórum Tunisiano de Direitos Humanos, não é estranho que o movimento na região tenha começado em seu país. Ele cita como exemplo que “já no século XIX foi o primeiro país árabe a dar status para as mulheres”.
Desde os anos 80 e 90, os movimentos começaram a ligar a luta por direitos civis à luta por direitos econômicos, a união dos sindicatos aos movimentos de mulheres e de luta por direitos humanos.
A participação ativa das mulheres tem sido destaque em toda a primavera árabe. Halima Juini, da organização de mulheres da Tunísia, contou sobre as lutas das trabalhadoras têxteis que ocuparam fábricas para evitar seu fechamento. No início da revolução, a união dos movimentos feminista e estudantil foi fundamental, disse.
Partidos colonizados
A fraqueza dos partidos locais e a interferência dos EUA e aliados foram outras características citadas pelos palestrantes, que lutam por uma democracia laica. “Ganhar a eleição é mais difícil do que fazer a revolução; a sociedade é resistente”, pondera Messaoud. O ativista critica o atual governo da Tunísia, que “não tem prioridade social”.
Na Síria, a situação apresenta-se ainda mais confusa para o mundo pelas posições aparentemente progressistas do ditador Bashar al-Assad, cuja família sustenta um regime há 48 anos no poder. “O governo colocou nossa população à mercê dos EUA”, segundo Sara Ajkyakin, ativista exilada no Líbano há dez meses, em visita ao Brasil para divulgar sua causa, que protagonizou a polêmica da noite. “Derrubar o ditador e seu aparato militar tornou-se objetivo de todos.” Sara disse ainda que a base social da revolução síria é composta por ativistas que apoiam as mulheres, as crianças, os estudantes. “A luta é contra o imperialismo dos EUA e da Rússia; mas os americanos são mais inteligentes, sustentam grupos que concordam em submeter-se aos seus interesses.” Segundo ela, “na Síria não teria começado uma revolução sem as precedentes sobretudo na Tunísia e no Egito”.
Para o representante palestino Yousef Habache, a independência da Palestina só virá junto com a dos outros países árabes. Há mais de 65 anos os palestinos lutam pela autodeterminação do seu povo e pelo direito de retorno de seus milhares de refugiados no mundo todo. Ele mesmo um exilado da Palestina – “ainda não conheço meu filho de quatro meses” –, falou dos cerca de 5 mil prisioneiros políticos palestinos em Israel e da greve de fome em que se encontram diversos deles no momento. O ativista considera a “cadeira conquistada na ONU como importante, mas etérea” e denunciou a dupla posição levada pelo Brasil . “Apoiou o direito ao Estado da Palestina na ONU, mas tem economia militar forte que apoia Israel.” É sabido que o Brasil é um dos principais compradores da avançada tecnologia bélica desenvolvida por Israel.
Comunicação e Fórum Social Mundial: visibilidade
Desigualdade, injustiça, pobreza, desemprego, precariedade da vida são condições comuns à maioria dos povos árabes (assim como aos latino-americanos e africanos) e verdadeiros motivos das revoltas populares. O controle da comunicação pelos opressores é outro traço comum. Sara diz que é responsabilidade nossa buscar acesso às informações que não vem pelas vias normais e dá um exemplo. Segundo ela, os dois principais jornais da Síria têm por nomes o do partido no poder (Baath) e o do mês em que esse mesmo tomou o poder na Síria (Shirin). “Depois das revoluções”, falou Hamouda, “os jornais passaram a falar no ‘despertar do mundo árabe’, como se os nossos povos estivessem dormindo!”, ironiza. Realmente, é muito preconceito e presunção de superioridade ocidental.
Ben Amor Romdhane, membro do comitê do FSM na Tunísia, também falou que a revolução não foi feita na internet, mas que ela propiciou um avanço no direito à comunicação. “A revolução foi fruto da coalizão dos movimentos de mulheres, estudantil, sindical e outros misturados aos blogueiros que quebravam códigos sociais criticando o governo na internet, alguns tendo pago alto preço por isso.” Chegou um momento na Tunísia em que o policiamento na internet filtrava e censurava informações, vários sites foram fechados, deixando o país sem informações do mundo nem para ele. “Nos primeiros dias da revolução, tivemos os blogueiros unidos, criando seus canais de comunicação, usando os celulares para enviar fotos do que acontecia”, disse. “Os blogueiros conquistaram o direito à informação, mostraram que ela não pode ser propriedade de poucos”.
“Há contradições em nossas revoluções”, confirma Sara ao responder questionamentos da plenária, “mas só participando delas, e em conjunto com a classe trabalhadora de todo o mundo, vamos atacar o imperialismo não só com palavras”. Ainda que o povo árabe se una por justiça, liberdade e dignidade, “a força do dinheiro vindo do Catar, Arábia Saudita e EUA leva o apoio aos reacionários”, falou Halima. “O dinheiro e o petróleo são suas principais causas.”
Por tudo isso, a nova edição do Fórum Social Mundial acontecendo naquele lado do mundo é muito importante para a continuidade dos processos de transformação social e para a visibilidade internacional da luta dos povos árabes. “O FSM, com a ideia de misturar as lutas por todos os direitos, foi inspirador para a Tunísia”, diz Messaoud. “Pobreza, desigualdade, desemprego são problemas que estão no mundo todo”. Essa é a ideia original do FSM, proporcionar o contato e a troca de experiências entre os que almejam outro mundo melhor, fortalecendo a luta global. “A causa palestina é uma causa da humanidade”, falou ainda Yousef Habache.“Queremos solidariedade, mas queremos ser solidários com os outros povos, globalizar a luta e os direitos humanos.” Essa é outra característica comum nos depoimentos sobre a primavera árabe, a certeza de que a luta continua. “Os movimentos sociais não param de crescer e se manifestar diariamente”, disse Ben Amor. “Acredito que a revolução não terminará enquanto não se conquistar equidade.”