O ICArabe lança o 21º verbete de sua série especial, iniciativa que visa ampliar o entendimento sobre o mundo árabe por meio de conteúdo aprofundado e baseado em fontes confiáveis. O projeto reafirma o compromisso da instituição com a valorização do conhecimento, o enfrentamento de estereótipos e a promoção de uma visão mais crítica e informada da realidade árabe.
Diáspora
Derivada do grego, a palavra diáspora significa dispersão de um grupo étnico, racial ou religioso por países distintos, motivada por razões econômicas, sociais ou políticas. O termo foi utilizado para designar a dispersão inicial de judeus após o cativeiro da Babilônia (sec. VI AC), seguida, ao longo de séculos, de muitos outros episódios migratórios, tanto espontâneos quanto forçados, que forjaram comunidades desejosas de manter tradições, línguas e práticas religiosas, criando um rico mosaico cultural. No período moderno, o vocábulo foi aplicado aos judeus que viviam fora da Palestina e, mais tarde, de Israel (onde cerca de um terço do povo judeu reside atualmente). Ao fim dos anos de 1980 e na década seguinte, foi estendido para incluir a situação de qualquer grupo de migrantes amplamente espalhado, como os africanos que foram forçados a migrar durante o comércio transatlântico de escravos (Gilroy, 2001), como os armênios vítimas do genocídio iniciado em 1915 pelo governo otomano (Bournoutian, 1993), como os sírios (Sant’Anna, 2018) ou os palestinos (Teles, 2024), que deixaram sua terra natal pressionados por conflitos e, em uma acepção mais abrangente, os europeus que emigraram para as Américas (Gabaccia, 2000; Arroteia, 2010).
Com a globalização e decorrentes facilidades de transportes e comunicações, estudos da diáspora (Hall, 1990; Safran, 1991; Brubaker, 2005) propagaram-se como resultado de vivências transnacionais desenvolvidas por indivíduos e comunidades étnicas, raciais ou religiosas dispostas a sustentar suas próprias identidades, estilos de vida, cultura e laços econômicos, independentemente de habitarem um lugar comum. Nesse sentido, estudos diaspóricos tipicamente enfatizam influências transnacionais, redes migratórias de apoio mútuo e a diversidade, complexidade e fluidez de identidades, em contraposição aos conceitos clássicos de imigração e assimilação (ou melting pot) de imigrantes. Também embutem um sentido político de construção, fortalecimento e preservação do próprio grupo, sobretudo em se tratando de diásporas daqueles que se constituíram como vítimas e compartilharam perdas, ao promoverem conexões e identidades, além do compromisso em reproduzi-las para futuras gerações (Cohen, 2008).
Diásporas certamente são influenciadas por conflitos e pelas sensibilidades de dirigentes no tocante a políticas migratórias, mas também são capazes de influenciar culturas, tradições e posicionamentos políticos, pois cada uma dessas comunidades carrega consigo suas tradições e lutas por reconhecimento, abrindo oportunidades de diálogos interculturais que tendem a enriquecer o local onde se estabelecem. Embora protagonistas de um deslocamento trágico, não há dúvida que os milhões de escravizados embarcados para as Américas deixaram seu legado duradouro de contribuições à conformação social, à economia, à música, à arte, à culinária e à religião deste continente. Assim como é inevitável reconhecer o peso da diáspora judaica nos rumos da política externa norte-americana recente.
O escritor Amin Maalouf ensina que a diáspora não é apenas uma questão de deslocamento geográfico. É uma experiência complexa, transformadora e multifacetada, que envolve tanto a perda quanto a oportunidade de reconstrução identitária e de pontes entre culturas diferentes.
REFERÊNCIAS:
Arroteia, J C. Portugueses em Diáspora: identidade e cidadania. População e Sociedade, 18, 2010.
Bournoutian, G. A History of the Armenian People. New York: Mazda, 1993.
Brubaker, Rogers. “The ‘Diaspora’ Diaspora.” Ethnic and Racial Studies, 2005.
Cohen, R. Global Diasporas: An Introduction. Routledge, 2008.
Gabaccia, D. Italy’s Many Diasporas. London: Routledge, 2000.
Gilroy, P. O Atlântico Negro. São Paulo: Editora 34, 2001.
Hall, S. Cultural Identity and Diaspora. In J. Rutherford (Ed.), Identity: Community, Culture, Difference. London: Lawrence & Wishart, 1990.
Safran, William. “Diasporas in Modern Societies: Myths of Homeland and Return.” Diaspora: A Journal of Transnational Studies, 1991.
Sant’Ana, P.M. Consequências da primavera árabe na síria: uma nova diáspora em questão? Revista de Geopolítica, 9 (1), 2018.
Teles, B.C. Palestina em movimento: a diáspora a partir de um olhar interseccional. Curitiba: Appris, 2024.
Site: https://ulysseias.ilcml.com/pt/termo/maalouf-amin/
Mini bio – Oswaldo Truzzi
Professor Titular Senior da Universidade Federal de São Carlos, onde atua no Programa de Pós-Graduação em Sociologia. Com experiência na área de Sociologia, atua principalmente com os seguintes temas: sociologia das migrações e história social da Imigração. Coordenou, entre 1998 e 2000, e entre 2007 e 2009, o Grupo de Trabalho Migrações Internacionais da ANPOCS (Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais). Integrou a Red de Estudios Migratorios Transatlánticos, com sede no CSIC, em Madri. Dirigiu de 2000 a 2016 a Editora da Universidade Federal de São Carlos. Pesquisador do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) e membro da Coordenação de Área de Ciências Humanas e Sociais (CHS I) da FAPESP (Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado de São Paulo). Tem cerca de 80 artigos publicados em periódicos científicos nacionais e internacionais, com destaque para os seguintes livros: Migrações internacionais no interior paulista: contextos, trajetórias e associativismo (2021, Ed.); Imigração nas Américas – estudos de história comparada (2018, Co-ed.); Italianidade no interior paulista – percursos e descaminhos de uma identidade étnica, 1880-1950 (2016); Café, Indústria e Conhecimento: São Carlos, uma história de 150 anos (2008, Coaut.); Patrícios – Sírios e libaneses em São Paulo (2008); Atlas da Imigração Internacional em São Paulo, 1850-1950 (2008, Coaut.) e Estudos migratórios: perspectivas metodológicas (2005, Co-ed.). Em 2019, o Arab-American National Museum outorgou-lhe o prêmio “Evelyn Shakir Non-Fiction Award Winner” pelo livro Syrian and Lebanese Patrícios in Sao Paulo (University of Illinois Press).