A fala e a imposição

Qui, 03/10/2013 - 18:38
O ato da fala é um ato político. O processo de rotular, categorizar ou definir não responde a uma dinâmica ingênua, neutra. Todo conhecimento está delimitado por uma estrutura de poder. Dizia Bourdieu que o ato linguístico obedece a um poder exterior.

Sou professora da disciplina “Conflitos no Mundo Árabe e Muçulmano” para os alunos de Relações Internacionais da Universidade Federal de São Paulo e em cada aula refletimos juntos sobre a necessidade de desconstruir a semântica hegemônica, de criticar uma terminologia politizada que impõe visões de mundo com o  referencial dos grandes centros de conhecimento e poder político. Refletimos sobre a importância de não cair em dualidades artificiais, nós-eles, amigos-inimigos, Ocidente-Oriente, moderados-fundamentalistas. Dualidades que só reproduzem um sistema de colonialidade e exclusão, fixando um processo de dominação muito mais sutil que o econômico, o processo de dominação pelo conhecimento.

Como entender os acontecimentos políticos, as dinâmicas sociais que estão acontecendo em Egito, Síria, Turquia, se não damos voz a aqueles que estão imersos nessas realidades específicas, se não construímos pontes de diálogo, espaços “híbridos”, conforme a proposta de Bahba, onde possamos compartilhar experiências e conhecimentos, sem discursos totalizadores?

A colonialidade subjetiva, que determinada quem pode ou não falar, quem será ou não escutado, exclui do diálogo a aqueles que são considerados “periféricos”, os “outros”, “os árabes”, “os muçulmanos”, “os fundamentalistas”. Esses não são reconhecidos e incorporados como interlocutores legítimos na construção do conhecimento, estabelecendo uma hierarquia social que desumaniza os “subalternos” porque nega a posição de sujeito, nega o direito de falar sobre a própria realidade.

Devemos encontrar espaços de fronteira, escutar as vozes historicamente marginalizadas, para, num esforço coletivo, tentar entender melhor o mundo e suas complexidades. A interlocução é o único caminho.
 

Esther Solano Gallego, professora de Relações Internacionais da Escola Paulista de Política, Economia e Negócios, Unifesp.

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