As mentiras que se sucedem
Sessenta e um anos depois da criarem um Estado com base em parte de uma recomendação da Assembleia Geral das Nações Unidas, os sionistas continuam impedindo que as outras duas partes do documento votado sejam cumpridos: a criação de um Estado palestino e a internacionalização de Jerusalém. Há um certo ar de esperança no campo da resistência árabe com as iniciativas tomadas por Barack Obama, o novo presidente dos Estados Unidos. Pelas mesmas razões, do lado dos que insistem na limpeza étnica do povo palestino, no entanto, andou-se tentando desviar a atenção do problema palestino apontando o dedo para o perigo que o Irã representa para todos. Não tiveram sucesso, nem mesmo junto a Husni Mubarak, presidente do Egito e notório colaboracionista. Finalmente, Banyamin Netanyahu, primeiro-ministro do Estado sionista foi chamado a Washington onde, sem rodeios, Obama lhe disse o que tinha em mente. Na tentativa de salvar a cara, prometeu um discurso e, em tom de cão raivoso, o negador dos direitos dos palestinos admitiu a criação de um Estado palestino dentro das seguintes condições: 1. Desmilitarizado, sem direito a qualquer tipo de força armada. 2. A questão dos refugiados deve ser negociada fora das fronteiras de Israel. 3. Jerusalém deve ser a capital indivisível de Israel. 4. Não serão permitidos pactos militares com o Hizbullah e o Irã. 5. Israel precisa ser reconhecido como um Estado judaico. Foi uma falta de respeito aos árabes, os cristãos de todo o mundo, cada um dos muçulmanos deste planeta, às Nações Unidas, à Liga dos Estados Árabes, que propôs um acordo de paz e nunca teve uma resposta, e ofende a memória daqueles que morreram sem rever a terra onde nasceram. Um Estado assim como foi proposto é, do ponto de vista da ciência política uma aberração, um não-estado, pois lhe é negado uma organização política livre da sociedade, uma forma de associação humana que possa se distinguir exatamente pela sua proposta de estabelecimento da ordem e da segurança, com seus métodos, suas leis e a preservação e aplicação destas, seu território e sua área de jurisdição definidos, suas fronteiras geográficas claramente fixadas e, sobretudo, soberania sobre sua terra, seu mar e seu ar. Nada disto há no discurso. Sabe-se que o discurso só agradou a parte dos israelenses e é justamente por isto que se buscou na própria imprensa israelense, dos dias seguintes, aqueles que apoiaram e aqueles que discordariam do discurso. Para Ari Shavit, grande editorialista no Haaretz: “Benyamin Netanyahu passou o Rubicão. Para servir o país, ele abandonou o lar ideológico de seu próprio pai. Este passo, ele o deu a um custo afetivo extremamente elevado. E ele pronunciou palavras incontornáveis ‘Um Estado Palestino desmilitarizado ao lado do Estado judeu de Israel. A retórica de seu discurso na Universidade de Bar-Ilan o situa agora à direita do centro, mas sua nota de conclusão política estava à esquerda do centro. Em outras palavras, Netanyahu pronunciou para o povo israelense um discurso de união. Ele que em seu passado foi um fator de divisão, pousa agora como unificador de Israel e de herdeiro de Ariel Sharon. No entanto, se este ato corajoso deveria definitivamente aliená-lo da direita sem lhe conceder o centro e a esquerda, seria sua morte política”. Outro otimista é Shalom Yerushalmi nas colunas do Maariv quando escreve: “Certamente, neste domingo, Natanyahu de certa forma tirou sua kippá política, mas ele no entanto não a colocou no bolso traseiro. Da mesma forma, as condições impossíveis que ele apresenta aos palestinos –e que resultam em sugerir-lhes que se convertam ao sionismo- dão a impressão que ele mais procura se esquivar da paz do que tomá-la em seus braços. Não impede que ao aderir à ‘folha do caminho’ , endossando os acordos anteriores e pronunciando as palavras ‘Estado palestino’, Netanyahu acaba por fazer se virar em sua tomba a Menachem Begin”. No entanto, a maioria dos comentaristas da imprensa escrita são parcimoniosos. No Yediot Aharonot, Yoram Kaniuk estima que Benjamin Netanyahu pronunciou “palavras doces para os israelenses, mas seu discurso não é aquele de um dirigente generoso e corajoso. Por outro lado, se os palestinos sabem intuitivamente que Israel é um Estado judeu, não é razoável exigir que eles nos reconheçam como ‘lar nacional do povo judeu’, já que um milhão dentre eles vivem neste Estado”. Na mesma ordem de ideias, Akiva Eldar escreve no Haaretz que “o discurso de Netanyahu é da melhor veia neoconservadora, insensível, paternalista e colonialista. Duvida-se que ele encontrará um só responsável palestino digno deste nome para aceitar este refugo.” Em suma, pergunta-se então a quem se dirige o discurso de Netanyahu? No Yediot Aharanot, Attila Somfalvi considera que ele se dirige “ao mesmo tempo à administração Obama e ao Kadima, o partido de centro direita de Tzipi Livni, que professa uma solução quase idêntica a esta agora defendida por Netanyahu. No entanto, tendo em vista as condições impostas aos palestinos, Netanyahu pode tranquilizar seus adversários no seio do Likud: o Estado palestino não é para amanhã”. Ainda no Haaretz, Alluf Ben aponta uma ruptura: “Benjamin Netanyahu insistiu sobre a necessidade de que os Estados Unidos garantam um futuro acordo de segurança na Cisjordânia e enviem tropas a fim de que o Estado palestino não se transforme em um ‘Hamastan’.” “Em definitivo, o discurso de Netanyahu é um sucesso... estadunidense” ironiza no Maariv, Ofer Shelah, sobre “esse primeiro-ministro israelense que, lábios secos e dicção entrecortada, parecia possuído por um demônio chamado Obama e pronunciava um discurso que não era seu. Este discurso prova mais uma vez que as coisas não se mexem aqui a não ser quando os americanos nos obrigam a tanto.” É o que confirma Gideon Levy no Haaretz: “O discurso de Netanyahu não abriu qualquer porta. Ele não impede. Acabamos de ter a prova do que Obama conseguiu obter em apenas algumas semanas: forçar o Likud a reagir à linha americana e mudar o tom, à falta de profundidade. A bola está agora no campo americano.” Porém, para não ficarmos no campo do lado de lá, observando o racha entre eles, é notável o grande milagre alcançada pelo discurso: foi um presente para a região pois nada seria mais capaz de unir os árabes; é só ler a nossa imprensa.