Impressões sobre a exposição Imagens do mundo árabe e O Brasil de Aziz Ab’Sáber

Qua, 11/03/2009 - 21:00

Ao longo dos últimos vinte anos, assistimos a uma nova etapa do etnocídio cultural do mundo árabe. Edward Said, em Orientalismo, aponta como o ocidente cria todo um universo de representações simbólicas para justificar as investidas coloniais. Ali, vemos a literatura e diversas fontes documentais escritas como pedras de toque deste movimento.

Eu levo um mundo
Sem fundo, repleto
De enredos, estradas
Pra gente explorar
Cafarnaum
Jericó, Jequié
Diga pra Nazaré
Que eu não tardo em chegar

João Bosco e Francisco Bosco A canção acima – trecho de As mil e uma aldeias, parceria de João Bosco com seu filho Francisco – faz parte de um trabalho (“As mil e uma aldeias”, de 1997) que investiga a musicalidade e a vida árabe na sua relação com a vivência brasileira. Por sinal, uma das referências musicais que remontam à minha infância é a parceria entre João Bosco e Aldir Blanc. Nesse universo, encontramos traços marcantes da cultura africana e árabe, seja no acento rítmico do canto e arranjos, seja no viés simbólico dos temas abordados. Mais tarde, em uma programação do Sesc (Serviço Social do Comércio) de 2001 – intitulada “A rota de Abraão” –, conheci nomes como Amal Murkus e Marie Keyrouz, que me levaram durante algum tempo a pesquisar a musicalidade árabe. Na faculdade, tive a oportunidade de estudar aspectos da cultura desses povos, mas confesso que meu imaginário iconográfico e geográfico a respeito era muito pobre: ia de algumas leituras de jornal ao cinema. A exposição colocou-me diante da possibilidade de estudar um pouco mais a localização de diversos países e aspectos importantes de sua realidade. Ao longo dos últimos vinte anos, assistimos a uma nova etapa do etnocídio cultural do mundo árabe. Edward Said, em Orientalismo, aponta como o ocidente cria todo um universo de representações simbólicas para justificar as investidas coloniais. Ali, vemos a literatura e diversas fontes documentais escritas como pedras de torque deste movimento. Agora, no período pós-Guerra fria, a deformação parte da mídia e do cinema com uma nova roupagem: para além da leitura entre “exótica” ou “bárbara”, notamos a ideia de “machismo” e “terrorismo” como os elementos determinantes de desqualificação. No quesito político, o conhecimento dos visitantes é notável: em pelo menos 90% dos casos, as pessoas afirmaram categoricamente que as informações veiculadas pelos meios de informação são deturpadas, visto que os painéis mostravam uma realidade tão bela e diversa da que estamos acostumados a assistir, pois trazem uma sequência de paisagens, aspectos arquitetônicos e urbanísticos que comovem o público. Entretanto, quando o assunto é a relação entre os sexos, a situação se inverte: quase todos os visitantes abominam a burca e a forma conservadora com que as mulheres muçulmanas são tratadas. Nesse sentido, durante a monitoria, procurava problematizar um pouco a situação, perguntando: ora, a utilização da imagem da mulher ocidental como recurso para a venda dos mais diversos produtos, em circunstâncias quase sempre associadas ao apelo sexual, não é uma forma de machismo? A criação de um modelo de beleza e comportamento que uniformiza a imagem feminina, de maneira a desclassificar quem não esteja dentro desses padrões, não traz consequências igualmente desastrosas à psiquê da mulher? A bulimia, anorexia e depressão não são fenômenos de mortificação clínica sérios o bastante? O assunto é delicado, sabemos, mas o questionamento gerava boas discussões, principalmente quando contextualizávamos o uso do véu pelas muçulmanas e da burca pelas afegãs. O encantamento com as imagens do professor Aziz foi outro ponto alto das visitações. Quando possível, procurava contextualizar a importância de Ab’Sáber como geógrafo a partir dos recortes temáticos expostos. O público cearense e alguns viajantes identificavam de primeira “a pedra da galinha choca”, em uma das paisagens do Crato; em São Paulo, causava espanto a av. 23 de Maio na década de 50; o mercado modelo, em Salvador, destacava-se pelo forte contraste da imagem; outro ponto que chamava a atenção do público eram as semelhanças entre Ouro Preto e São Luiz do Paraitinga. O vídeo, contendo depoimentos do professor, ajudou bastante na leitura das fotografias relacionadas à viagem pela Síria, Líbano e Egito – quando podiam, os visitantes sentavam-se e assistiam. Por se tratar de um horário com pouca frequência escolar, deparei-me com um público afeito ao passeio depois do trabalho, de passagem para algum evento musical ou peça de teatro apresentada pelo centro cultural. Em função disso, precisava discernir o pessoal interessado por maiores informações daquele que estava de passagem. Inicialmente errei um bocado nessa abordagem, mas depois que aprendi a ouvir mais do que falar, as coisas fluíram. Tive de me ausentar durante alguns dias por conta de uma viajem necessária à conclusão de meu curso de pós-graduação. A retomada dos trabalhos aconteceu em meio às tristes notícias que vinham de Gaza. Estes fatos, somados à divulgação da exposição em veículos como o metrô, aumentaram o movimento na galeria. O assombro das pessoas era visível pelos comentários intercalados à leitura das fotografias: aos comentários de desagravo seguia-se um olhar para fotografias que retratavam locais que podiam estar destruídos – como no caso das imagens do Iraque. Quando a questão era a Palestina, pairava a noção de que se trata de uma guerra fratricida. Para finalizar este relato, gostaria de agradecer imensamente pela oportunidade a mim concedida de trabalhar nesta exposição. Para além da debutância na monitoria – ofício muito bonito, que já vinha buscando há algum tempo – abriu-se todo um universo, que espero poder levar adiante em pesquisas e leituras pessoais não apenas sobre a música, mas sobre outros tantos aspectos da cultura árabe, que precisa de um novo olhar por parte de todos nós.