Madinat-al-Zahra - Cidades construídas no pensamento

Sex, 24/03/2006 - 00:00
CONTAM QUE... Mercadores, homens do saber, poetas, observadores do movimento lunar contam que Córdoba era a cidade mais deslumbrante da Europa medieval. No século X, a Qurtuba do califado de Abd al Rahman III tinha água corrente, que chegava pelos aquedutos de herança romana. Como estava a outra Europa neste momento? Essa é uma outra história, mas impressões sobre Córdoba foram contadas às centenas. Além dos comentários sobre a riqueza do califa, fascinava a imaginação dos ouvintes a quantidade de lojas da cidade, quase novecentos banhos, os hammans , mesquitas e mais mesquitas pelas ruas pavimentadas e bem iluminadas. Uma religiosa da então Germânia, domínios do imperador Oto I, que convivia com o círculo diplomático, ouviu de um emissário do califa em 955 histórias sobre Córdoba. Impressionada, manifestou comentário sobre a cidade: “O fascinante ornamento do mundo brilhou no ocidente, uma nobre cidade recentemente tornada famosa pelas proezas militares de seus colonizadores hispânicos. Córdoba era seu nome e ela era rica e famosa e conhecida por seus prazeres e resplandecente em todas as coisas, especialmente por suas sete fontes de sabedoria (o trivium e o quadrivium ) e por suas constantes vitórias.” Hroswitha de Gandershein, curiosa e erudita, não estivera em Córdoba mas assim a construiu para si. A biblioteca do califa contava com cerca de quatrocentos mil volumes enquanto que a maior biblioteca da cristandade não teria mais do que quatrocentos manuscritos. Não se trata de engrandecer ou minimizar, porém sabemos que na época, as nascentes cidades européias tinham esgoto a céu aberto, e de outro lado, naqueles tempos do al Andaluz o apreço pelo saber refinado corria em direções fecundas. Que perfume sentiríamos ao ouvir falar sobre Madinat-al-Zahra, a cidade palatina de Abd al Rahman III? Ao norte de Córdoba, colunas de mármore sustentavam um conjunto de palácios entremeados de jardins. Arcos, fontes, canteiros faziam parte da construção onde a forma solene elegante de viver era herança da antiga realeza persa. Salas com paredes incrustadas de pedras preciosas faziam parte da “Cidade de Zahra”, fundada em 936, cujo nome é homenagem expressa à Zahra (flor), uma das mulheres do califa. Conta-nos Maria Rosa Menocal que “o lugar veio a se tornar um dos mais imponentes e duradouros monumentos do califado, perdendo o lugar apenas para a Grande Mesquita, como ícone daquela civilização”. Beleza e cobiça. Arte e fundamentalismo. Madinat-al-Zahra foi saqueada e destruída a cacos no início do século XI. Ibn Hazm tinha 15 anos. Assim como a religiosa germana criou Córdoba para si, quase sem vestígios Madinat-al-Zahra edificou-se na memória afetiva e sua imagem enevoada, para mim, cheira à jasmim, a flor de Zahra.