Close Menu
  • Home
  • Icarabe
    • Sobre o Icarabe
    • Edward Said – inspiração da nossa causa e de muitas outras
    • Memórias Icarabe
    • Cursos Realizados
    • Links Úteis
    • Al Mahjar
    • Galeria de Fotos
  • Notícias
    • Artes Visuais
    • Ciência
    • Cinema e Teatro
    • Dança e Música
    • Educação
    • Gastrônomia
    • Geral
    • História
    • Icarabe na Mídia
    • Imigração
    • Literatura
    • Mídia
    • Mulher
    • Música
    • Palestras e Debates
    • Política e Sociedade
    • Religião
  • Eventos
  • Mostra de Cinema 2024
    • Mostra de Cinema 2023
    • Mostra de Cinema 2022
    • Mostra de Cinema 2021
    • Mostra de Cinema 2020
    • Mostra de Cinema 2019
    • Mostra de Cinema 2018
    • Mostra de Cinema 2017
    • Mostra de Cinema 2016
    • Mostra de Cinema 2015
    • Mostra de Cinema 2014
    • Mostra de Cinema 2013
    • Mostra de Cinema 2012
    • Mostra de Cinema 2011
    • Mostra de Cinema 2010
    • Mostra de Cinema 2009
    • Mostra de Cinema 2008
  • Entrevistas
    • Artigos
    • Publicações
  • Verbetes
  • Fale
    • Apoie o Icarabe
    • Anuncie
    • Seja um Associado

Receba as Novidades

Cadastre-se para receber os nossos informativos

Últimas Notícias

Refugiado

22/07/2025

Memoricídio

21/07/2025

Série de verbetes informativos sobre os árabes: Refugiado, por Samantha Federici

11/07/2025
Facebook X (Twitter) Instagram
Icarabe
Facebook Instagram YouTube WhatsApp
  • Home
  • Icarabe
    • Sobre o Icarabe
    • Edward Said – inspiração da nossa causa e de muitas outras
    • Memórias Icarabe
    • Cursos Realizados
    • Links Úteis
    • Al Mahjar
    • Galeria de Fotos
  • Notícias
    • Artes Visuais
    • Ciência
    • Cinema e Teatro
    • Dança e Música
    • Educação
    • Gastrônomia
    • Geral
    • História
    • Icarabe na Mídia
    • Imigração
    • Literatura
    • Mídia
    • Mulher
    • Música
    • Palestras e Debates
    • Política e Sociedade
    • Religião
  • Eventos
  • Mostra de Cinema 2024
    • Mostra de Cinema 2023
    • Mostra de Cinema 2022
    • Mostra de Cinema 2021
    • Mostra de Cinema 2020
    • Mostra de Cinema 2019
    • Mostra de Cinema 2018
    • Mostra de Cinema 2017
    • Mostra de Cinema 2016
    • Mostra de Cinema 2015
    • Mostra de Cinema 2014
    • Mostra de Cinema 2013
    • Mostra de Cinema 2012
    • Mostra de Cinema 2011
    • Mostra de Cinema 2010
    • Mostra de Cinema 2009
    • Mostra de Cinema 2008
  • Entrevistas
    • Artigos
    • Publicações
  • Verbetes
  • Fale
    • Apoie o Icarabe
    • Anuncie
    • Seja um Associado
Icarabe
Você está em:Home»ARTIGOS»O convênio da UFPR com a Universidade de Saint-Esprit de Kaslik e a dinâmica subjetiva de um de seus colaboradores
ARTIGOS

O convênio da UFPR com a Universidade de Saint-Esprit de Kaslik e a dinâmica subjetiva de um de seus colaboradores

Convidado a dar uma palestra na Universidade Saint-Esprit de Kaslik em Beirute, na inauguração do convênio que a Universidade Federal do Paraná assinou com esta universidade, optei por falar sobre a emigração e o sofrimento psíquico que estes deslocamentos provocam. Para terminar, analisei um caso ilustrativo e que pôde mostrar os fatores que marcam a capacidade de assimilação cultural do imigrante libanês. O tema foi propício e a ocasião marcou o êxito de um projeto particular de estabelecer laços concretos com o país de minhas origens, além da finalização das discussões de anos anteriores de um esboço de fundação de um centro de estudos da cultura da América Latina em Beirute (que se concretizou na fundação do Cecal, na universidade de Kaslik).

Abriu-se então, um corredor de trocas acadêmicas que futuramente irão propiciar a aproximação de realidades tão distantes. O ato teve a aura de um sentimento de união e para nós, descendentes de libaneses, de um retorno simbólico às próprias raízes. Como pesquisador este gesto selou um percurso pessoal e uma proposta de futuras pesquisas conjuntas, num caminho metódico da descoberta mútua: do latino, do árabe e de sua miscigenação. Além disso, foi um marco na finalização de um trajeto pessoal e de um enriquecimento interior.

Falar sobre os processos identificatórios no momento da assinatura de um convênio, cuja articulação contou com minha participação, teve repercussões subjetivas sobre minha pessoa. Estes momentos fundadores provocaram a vinda, em minha consciência, de todo o itinerário que me unia ao Líbano e que encontrava ali o seu desfecho. Os comentários que teci na minha exposição sobre o processo da travessia cultural e o que ela pode trazer de traumático, aconteceu em menor medida, mas não menos angustiante comigo mesmo, quando realizei o caminho inverso no resgate da memória de minha família no Líbano de pós-guerra. E é sobre esse tema que eu gostaria de discorrer nesta oportunidade.

A emigração é desterramento, a mais contundente metáfora deste fato. Um termo forte: tirar a terra debaixo dos pés de um sujeito. É desenraizamento para plantá-lo em outro lugar. Tal movimento sempre traumático, irá deixar impresso no ator marcas profundas, que trarão embutidas toda a sua história familiar e o que ela comportou de projetos e de utopia. Elas irão se transmitir como marcas de coragem, de desejos ou de traumas nas suas gerações subsequentes.

O abalo psíquico desta ruptura real e simbólica encontra seu momento mais agudo, justo na travessia, quando o indivíduo perde seus marcos de orientação neste terreno incerto que se configura como “um entre dois”. É o espaço pleno de paradoxos, de impasses, e de desorganização interna que deve ser vencido para se atravessar a ponte a outra cultura. É o elo decisivo e, desde aí, realizar uma recomposição interna para dar o início à interação com o diferente e quem sabe a miscigenação, quando os dois corpos deste contato fundem-se para criar um terceiro.

Toda essa dinâmica eu pretendi falar aos representantes de pesquisa e alunos dos cursos de pós-graduação da Faculdade de Ciências Humanas de nossos anfitriões. Minha exposição versou sobre um evento ocorrido em Curitiba, em 1959 [1], e que ficou conhecido como a “Guerra do Pente”. Foram distúrbios urbanos que tiveram marcado teor xenófobo contra a comunidade árabe, nomeados sírios pelos jornais da época. Os acontecimentos tiveram início na loja de um imigrante libanês e resultou em perdas financeiras e ferimentos morais ao seu proprietário. De uma discussão sobre a nota fiscal da compra de um pente, a altercação se transformou em luta corporal, que se finalizou na completa destruição de sua loja por um grupo que assistia aos acontecimentos. A violência se generalizou durante dois dias, em quebra-quebras por todo o centro da cidade, com tiros, feridos e prisões. As depredações e os confrontos entre desordeiros e a polícia só findaram com a intervenção do exército.

As lições psico-sociais que se pode tirar destes acontecimentos foram destacadas à plateia e provocou um vivo debate nos ouvintes. O primeiro ponto remarcado foi a evocação do período conturbado que atravessava o Brasil no governo de Juscelino Kubitschek e seu projeto de construir Brasília. Foi apontada a correlação das insatisfações populares, pela alta dos preços e o atraso nos salários, com o estouro das massas curitibanas que acompanhavam a série de manifestações que ocorriam em todo o território nacional. Tais inquietudes acabaram encontrando nos representantes do comércio, tidos como os responsáveis pela carestia da época, um bode expiatório para a catarse coletiva.

O sofrimento real e simbólico pelo perigo atravessado, as perdas financeiras e o sentimento de vergonha causado ao imigrante, serviram de partida para a análise do itinerário desse forasteiro libanês que trazia já em si uma falta. A perda das referências da sua aldeia onde foi constituído, que se juntava e potencializava o sentimento de desproteção ao ver sua loja destruída. A resposta pragmática de retomar dias depois, junto com sua família, a reorganização de seu comércio e “tocar a vida” e, mais tarde, com o passar do tempo, a interação sem rancor com a sociedade local veio a firmar seus laços com o novo mundo. O projeto vai se consolidar finalmente na integração cultural, quando dois de seus filhos se casam com “brasileiras”. A sua atitude de enfrentamento e de superação desta situação crítica e a decisão de se reconstruir vieram a pavimentar o caminho do transplante cultural. As renúncias de satisfações pessoais neste percurso foram as chaves da integração. O abandono de um almejado retorno ao Líbano e de um sucesso financeiro faz nosso imigrante conformar-se às limitações de seu destino e a fincar raízes definitivamente. Ele passa então a investir no conforto de seus filhos. O compromisso vai proporcionar um novo centramento de referenciais para um “vir a ser” renovado, dirigindo investimentos que concorrem para o fortalecimento de seu eu. Também e em parte, vai compensar a sua divisão interna, soldando os sentimentos e emoções com o novo caminho. Realocando a recordação no passado, o emigrante estabiliza-se e obtém um controle razoável de um projeto futuro, e que vai se encarnar no investimento do progresso de sua prole, que nessas alturas principiavam a adolescência e obtinham sucesso social na escola.

A análise deste caso possibilitou a ilustração do funcionamento do caráter libanês na diáspora, e do papel da família como ancoragem de sustentação afetiva e de efetiva mão-de-obra na manutenção do empreendimento familiar. Os filhos ao iniciarem a alfabetização, saem para o espaço público e partem para a interação com a variada composição de descendentes de outras origens que eram os colegas do colégio. Eles trazem amigos para seu foro íntimo e são acolhidos carinhosamente pelos pais. Recebidos com hospitalidade, um traço bem árabe, nossos libaneses progridem na direção das interações sociais e de um positivo interesse de con-viver com os representantes do país que os recebe.

Na finalização da exposição falamos dessas inúmeras configurações identitárias que se produzem nestes milhares de emigrantes que se espalharam pelo mundo. Sempre motorizados pelo seu espírito empreendedor e pragmático, acabam, em todos os cantos onde chegam, miscigenando-se com a cultura que os hospeda. E com essa plasticidade, contribuem com a utopia universalista, de um mundo sem fronteiras.

Mas junto com este pragmatismo, precisamos ressaltar outras características da identidade libanesa, que proporciona seu otimismo e esta tendência peculiar que vimos expondo. Em seu propósito ele valoriza o novo país, pois é ali que ele constrói o caminho (e é ai que funciona seu pragmatismo) para a realização do insidioso desejo de realização pessoal, plataforma almejada para alcançar um status de reconhecimento, de distinção e da posse da fartura. Este atávico desejo de segurança e de conforto que nasceu, quem sabe, nas agruras de um deserto desolado que enfrentavam seus ascendentes.

Ele é orgulhoso de sua linhagem, abnegado pela sua independência pessoal e na preservação da honra e do nome da família. É afável, amoroso, gentil, sanguíneo, individualista, arrebatado na expressão dos afetos e na alocução da palavra. É um fatalista e um temente aos traçados que lhe aguarda o destino. E em seu íntimo esconde um segredo: ver ainda o esplendor Omíada ressurgir no século XXI, e assim poder eliminar uma dor dissimulada, provocada pela tristeza e a indignação de ver os descaminhos que pegaram as suas lideranças políticas e os desastres que se abatem em seu mundo árabe.

As impressões subjetivas

Chegar e se apresentar como brasili-lubnane sempre desperta a curiosidade e a simpatia quando se é recebido por nossos anfitriões. É sempre agradável falar e escutar algo da região onde se encontra nossa família, suas tradições e os notáveis do local. Você começa a prestar atenção nos gestos, na forma de se exprimir, na maneira de uma família receber e você logo encontra um canal de identificação, resgatando algo de si neste outro que o acolhe.

Na medida em que ocorriam esses encontros na Universidade Saint-Esprit de Kaslik, comecei a perceber que esta experiência promovia um contentamento inexplicável. Talvez por ter sido recebido de maneira mais cerimoniosa e atenciosa? Sim, isso teve o seu peso, mas era muito mais. Involuntariamente vinham-me lembranças de quando cheguei pela primeira vez ao Líbano. E eram tão contrastantes que tomei consciência, nos dias subsequentes, de todo o desenvolvimento de um processo que teve seu começo bem antes. Quando ouvia na infância as histórias de meu pai sobre nossa família no Líbano (e na Síria), incitando no guri a construção de um imaginário pitoresco e leituras posteriores que só aumentaram no fio dos anos, um desejo infindável de conhecer as terras de minha origem.

E, enfim, já como pesquisador universitário, fui recebido pelos druzos nas montanhas do Chouf, quando decidi encetar pesquisas étno-psicológicas mais aprofundadas sobre a composição identitária libanesa, e os dilemas sócio-históricos que enfrentam seus cidadãos na contemporaneidade. Foram quatro anos de intensa e cotidiana aventura afetiva-intelectual e que veio a produzir marcas simbólicas que se engancharam nas cadeias de meu processo identificatório.

E naqueles momentos de conforto na recepção em Kaslik, vinham-me as sensações desta primeira vez quando cheguei ao Líbano, em 1995. Foram experiências transbordantes de alegria ao ser acolhido, de ver e de escutar as histórias dos parentes de Dohour al Chueiri. Também de sentir os diversos odores da montanha e observar sua flora e sua fauna. O reconhecimento também continuava à noite, contemplando o céu estrelado tão comentado, e a lua cheia extasiante no vale do Bekaa. Tudo me interessava, inclusive o modo do preparo da terra para as plantações e os tipos de legumes que ali se colhiam.

Mas passado este interlúdio veranil, logo outro sentimento começou a nascer. Experiências de desgosto e frustrações vieram a fazer um contraponto no entusiasmo das descobertas iniciais. O desencanto começou quando comecei a conviver na rua e a estudar o cidadão libanês nas suas relações sócio-comunitárias. Foi traumático quando deixei os primos e me vi só como pesquisador em um campo que comecei a entrever por entre os seus escombros. O cansaço da gente miúda, a irritação nas relações urbanas, o desgosto e o rancor mal dissimulado nas recordações da guerra se misturavam ao riso, à atividade ensurdecedora da reconstrução da cidade e no trabalho obstinado dos cidadãos que batalhavam por sua sobrevivência. Uma das qualidades do povo libanês, a alegria de viver, tinha se transformado em uma agitação tumultuosa.

Como dar conta daquela complexidade sem o suporte de uma universidade e mais, sem falar o árabe? E continuei a perambular pelas cidades a procura de guarida para minha pesquisa. Ainda haviam carcaças de veículos destruídos nas rotas da montanha, e o medo do fracasso aumentava minha desorganização interna ao ver a extensão da destruição causado pela guerra e o afã acirrado de todos na reconstrução de suas vidas. Ter que se deslocar em um trânsito ensandecido, brigando pelo espaço dos pedestres. A algaravia em meio aos engarrafamentos, o grito de chamadas para o taxi coletivo, andar espremido em transportes junto a tanta diversidade cultural que as vestimentas indicavam; atravessar barreiras por entre tanques de guerra, esperar passar os deslocamentos de soldados e ouvir os estampidos no céu, quando os aviões israelenses quebravam a barreira do som voando sem cerimônia por cima de nós… Tudo isso me deixava atônito, olhando a sociedade como um etnólogo observa receoso uma aldeia exótica. A emoção do encontro com o inesperado e a hesitação nos primeiros contatos eram calibradam nos passos medidos, cuidadosos, na procura de minhas fontes de informações. Muitos dados eram proibidos de serem fornecidos pelos órgãos estatais e, com os misteriosos druzos, esperava ainda o acordo para que seus combatentes pudessem ser entrevistados. E depois de tanto me falarem do seu enclausuramento comunitário, o que eu poderia abordar nestas conversas?

Outras observações me deixavam perplexo, como a enorme diferença entre um bairro ocidentalizado como Junie e, de outro lado da cidade, Rauchi com seus cafés tipicamente orientais e suas mulheres banhando-se na praia inteiramente vestidas. Visitando o Iate Club de Junie, me deparei concretamente pela primeira vez, com as fraturas do país. Ali só se falava o francês e para o espanto do arabista principiante, os costumes ocidentalizados a la française, permitiam até entrever o interior dos vestiários da piscina, que não guardavam tanto a privacidade de seus ambientes. Encontrar isso no Oriente Médio? Os contrastes eram enormes com outras comunidades, a exemplo dos disciplinados e cuidadosos druzos, que me recebiam em suas casas. Se estas observações instigavam o pesquisador, por outro lado feriam as fantasias idealizadas de um Líbano de minha juventude. E veio em cena então imagens queridas de um Brasil alegre, unido nos laços da solidariedade e da esperança, e que encontrava ali retalhados em cantões, fatiando aquelas terras que ouvia dizer terem sido a própria imagem do paraíso bíblico. E um sentimento de brasilidade, que não tinha sentido ainda, veio a provocar uma divisão interna entre um pé que me chamava aos Campos Gerais do Paraná e o outro atrás do simulacro de um turbante que eu queria vestir. Esta divisão subjetiva e a tensão da pesquisa ainda titubeante faziam-me claudicar nas reflexões a que me vi submergido. A perda interna de algo imaginado e que desmoronava nos passos que dava por entre uma realidade inóspita e violenta veio a provocar felizmente a turbulência salvadora.

As pinceladas caprichosas de uma imagem construída no embalo de um desejo de perfeição, onde eu pudesse me refletir, liquefaziam-se nas ruas de Beirute. Via nas fachadas das casas bombardeadas, os resultados de uma história traçada em sua cultura da discórdia (J. Corn). Eu os culpava por isso e isto me deprimia. O mito de uma Beirute decantada pelos poetas e viajantes esfacelava-se em minha frente, triste, alquebrada e arfante. O sentimento de desproteção era duplo: o conflito interior entre o pinheiro e o cedro que engendrava rearranjos em minhas identificações conectava-se com a incerteza das jornadas do trabalho cotidiano.

E me dei conta de que minha identidade fincada nas terras de Pindorama procurava um engate fantasioso nas pegadas do magnânimo Saladino e nos exemplos de Al Mamoun. E a aura destes ícones de um esplendor há muito tempo apagado embaçavam a realidade que eu via na minha frente, impedindo a compreensão do homem libanês contemporâneo. O corte e a separação entre o núcleo de minha identidade mais íntima e o que eu projetava idealizadamente possibilitou um centramento subjetivo novo. Desmelar meu eu de uma representação que eu queria deste outro, salientou outros traços de minhas raízes que ainda não tinham entrado em cena. E a percepção desta diferença ofereceu-me um distanciamento vivificador.

Noto agora enquanto escrevo, que estes redimensionamentos interiores caracterizam o próprio processo de hibridismo das construções identitárias. A arabidade que eu queria ver em mim e no libanês que eu perscrutava renovou-se, e uma escuta mais límpida apareceu. Nesse período, comecei a ouvir dezenas de histórias de vida de gente que atravessou muitas guerras, e essas entrevistas possibilitaram, como num romance, a abertura e o aprofundamento no conhecimento desses indivíduos. Mais solidário com suas novelas particulares, pude tecer um quadro onde todos se debatiam, outros se perdiam no emaranhado da diversidade de propostas culturais, do confronto de ideologias, da devoção religiosa e de propostas políticas antagônicas. Todos com suas verdades na procura de construir um Líbano, segundo suas crenças de pureza e de justiça social. A partir deste insight renovador, foram apaziguando-se minhas aflições e na medida em que os fantasmas caíam, um pesquisador mais sóbrio surgia. E também mais folgado em minha heterogeneidade para sentir as emoções que continuavam a acontecer na escuta daquelas multifacetadas narrativas, naquele formigueiro, no jogo de xadrez daquele pequeno país.

A falta de um pesquisador nativo para debater as questões levantadas, era compensada pelo apoio e a hospitalidade dos druzos na biblioteca de Baaklin, que me ofereciam o conhecimento de suas tradições e que eu recebia com respeito sem querer me imiscuir nos segredos de sua confissão. Ao ouvir os depoimentos de seus combatentes durante a guerra, comecei a me introduzir nesse “mal-estar civilizacional árabe” que reúne cansaço, rancor, amargura, angústia e um desejo profundo de vislumbrar um horizonte mais promissor nessas crises que se repetem. A nostalgia pelos laços sociais inter-confessionais anteriores à guerra acompanhava o luto pelas perdas sofridas nos conflitos, mas não esmorecia o resgate das energias necessárias para a elaboração de suas novas estratégias de vida.

Essas compreensões se prosseguiram em outras etapas de investigações, quando percorri a região sul ouvindo outras histórias, conhecendo a comunidade xiita nas fronteiras com Israel, depois dos bombardeios de 2006, e os comparando com os druzos de Hasbaya e Rachaya. Mas enfim, essas incursões chegaram a termo e veio uma terceira etapa dessa minha própria travessia.

Foi nesse retorno acolhedor em Kaslik que percebi o término de um processo. Ter participado na iniciativa de se firmar um convênio com uma universidade, produziu a satisfação primeira de estabelecer um vínculo com professores libaneses, criando um corredor de trocas de conhecimento entre nós. Este significante soava durante nossas primeiras conversas como a realização de um desejo que unia a infância, a aventura e uma nova qualidade de pertencimento ao Líbano. Agora era possível entreabrir uma porta nova e sólida para futuras pesquisas e através da qual os professores de minha universidade poderão transpor, caso desejarem iniciar suas próprias aventuras nas terras do Levante.

No itinerário de minhas investigações, a oportunidade de conhecer a comunidade maronita diretamente tem um significado especial. Depois de inteirar-me das representações comunitárias do pensamento muçulmano, será o momento de conhecer o outro lado da questão libanesa. Conhecer sem intermediários e pré-julgamentos a face ocidentalizada formadora do núcleo da identidade nacional. Será a oportunidade de escutar a sua voz e sua história, que na coexistência com os druzos, agenciaram a partir de suas montanhas o Líbano independente. Será entrar no outro campo de uma história conflitada e similar, pontuada de dramas e de traumatismos e que representa a própria busca da unidade nacional jamais atingida. Se na guerra civil iniciada em 1975 cada um deles liderou um dos pólos da encarniçada mortandade que ensanguentou o país durante 16 anos, hoje novamente eles se reconciliam diante das incertezas que novamente enfrenta o país na procura pragmática de um denominador comum de convivência nacional entre todas as confissões.

[1]
Tiraz, Revista de Estudos Árabes e das Culturas do Oriente Médio, nº6, São Paulo: FFLCH/USP, 2009. O leitor interessado pelo caso, poderá acessá-lo no site do Icarabe.

Compartilhe Facebook Twitter Pinterest LinkedIn Tumblr Email
Anterior“Comunidade de descendentes de árabes no Rio de Janeiro tem identidade múltipla”, diz autor
Próxima Livro Na Senda das Noites será lançado nesta quinta em São Paulo
Icarabe Instituto da Cultura Árabe

O Instituto da Cultura Árabe, baseado em São Paulo, Brasil, é uma entidade civil, autônoma, laica, de caráter científico e cultural. Visa a integrar, estudar e promover as várias formas de expressão da cultura árabe, antigas e contemporâneas, e encorajar o reconhecimento de sua presença na sociedade brasileira. Está aberto à participação de todos os que acreditam ser premente assegurar o respeito às diferenças.

Últimas Notícias

​Artigo – ​Elogiar e xingar

11/11/2016

Artigo: Xeque-mate à libanesa

02/11/2016

Artigo: Quando surgiu o terrorismo

31/10/2016

EVENTOS

Curso “Dança do Ventre Essencial”, com Cristina Antoniadis – online

Clube de Leitura da Editora Tabla: “Uma mulher estranha”, da autora Leylâ Erbil – 30 de julho – online

Curso “Arte, cultura e contexto no mundo árabe – de Casablanca a Bagdá, uma introdução à região árabe” – 11 de julho e 1 de agosto – São Paulo -SP

“Sob fogo: a Saúde da População de Gaza” – 1º de julho – São Paulo

Notícias

Série de verbetes informativos sobre os árabes: Refugiado, por Samantha Federici

Ilan Pappe participará da Flip 2025 com debate sobre a Palestina

08/07/2025

ABPHE promove debate sobre Israel, genocídio, Irã e América Latina, com palestra de Bruno Huberman

06/07/2025
Siga Nas Redes Sociais
  • Facebook
  • Instagram
  • YouTube
  • WhatsApp

Receba as Novidades

Cadastre-se para receber os nossos informativos

Sobre Nós
Sobre Nós

O Instituto da Cultura Árabe, baseado em São Paulo, Brasil, é uma entidade civil, autônoma, laica, de caráter científico e cultural. Visa a integrar, estudar e promover as várias formas de expressão da cultura árabe, antigas e contemporâneas, e encorajar o reconhecimento de sua presença na sociedade brasileira. Está aberto à participação de todos os que acreditam ser premente assegurar o respeito às diferenças.

Menu
  • Home
  • Icarabe
  • Notícias
  • Eventos
  • Mostra de Cinema 2024
  • Artigos
  • Fale Conosco
Instagram

icarabebrasil

O Instituto da Cultura Árabe, baseado em São Paulo, Brasil, é uma entidade civil, autônoma, laica, de caráter científico e cultural.

🇵🇸 Debate "Lutas pelo território e polític 🇵🇸 Debate "Lutas pelo território e políticas de extermínio: O caso da Palestina" - O encontro ocorrerá hoje, 22 de julho, terça-feira, às 19h, na Associação Católica Bom Pastor - Aracaju.

@ufsoficial 
@ufs_itabaiana
🕌✨️O novo site do ICArabe está no ar! 

🔗Acesse para se manter informado sobre a cultura árabe no Brasil e no mundo: https://icarabe.org/

📲 Link disponível na bio e nos stories
CONVITE - 📚Série Encontros Acadêmicos

🇱🇧A Academia Líbano-Brasileira de Letras, Artes e Ciências e o Centro Cultural Justiça Federal promoverão o Encontro com o jornalista Guga Chacra (Membro Titular da Academia – Cadeira 27), que abordará o tema "Líbano: Panorama Atual e Perspectivas", no dia 24 de julho, quinta-feira, às 17h, no Centro Cultural Justiça Federal – Sala das Sessões, localizado na Av. Rio Branco, 241 – Centro, Rio de Janeiro – RJ. 

🔗A inscrição é gratuita e pode ser feita pelo site: 
https://abre.ai/encontroacademia

Link disponível nos stories.

👥 Realização:
Academia Líbano-Brasileira de Letras, Artes e Ciências

🤝 Apoio Institucional:
Centro Cultural Justiça Federal

@academialibanobrasil
🌏 Participe do 1º Seminário Internacional do 🌏 Participe do 1º Seminário Internacional do Conselho Mundial das Comunidades Muçulmanas e da FAMBRAS: Diálogos Islâmicos entre Culturas: Brasil, América Latina e Mundo Árabe”, nos dias 06, 12 e 19 de agosto, das 9h às 10h30. O evento será online e gratuito, com tradução em 4 idiomas e certificado.

🔗 Inscreva-se pelo QR Code na imagem ou pelo link disponível nos stories.

@fambras 
@academy_halal
🌏📚 Aigo Livros promoverá o curso Literatura 🌏📚 Aigo Livros promoverá o curso Literatura Árabe da Ásia 

A Aigo Livros promoverá o curso online Literatura Árabe da Ásia, que abordará a introdução à história dos países de língua árabe do continente, os da região do Oriente Médio e da Península Arábica, a partir dos livros, nos dias 5, 12, 19 e 26 de agosto, terças-feiras, das 19h às 20h30. 

Os encontros tratarão sobre o colonialismo europeu no mundo árabe, da questão da Palestina, os sectarismos no Oriente Médio e as imigrações e diásporas árabes. O curso será ministrado por Jemima de Souza Alves, pós-doutoranda em Letras na FFLCH-USP, com mestrado e doutorado na mesma universidade, tradutora do árabe e do inglês de livros como “Narinja”, de Jokha al-Harthi, “Ave Maria”, de Sinan Antoon, entre outros; integra o grupo de pesquisa “Tarjama - Escola de tradutores de literatura árabe moderna”, sob a supervisão da Profa. Dra. Safa A-C Jubran; e Paula Carvalho, historiadora, jornalista. Pós-doutoranda em História pela Unifesp. Mestre em história pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e doutora em História pela Universidade Federal Fluminense (UFF), estuda viajantes, principalmente os disfarçados. Lançou o livro “Direito à vagabundagem: as viagens de Isabelle Eberhardt” em 2022 pela editora Fósforo. É uma das criadoras do movimento Um Grande Dia para as Escritoras.

Confira a programação do curso:

05.08 (19h às 20h30): Quando o colonialismo europeu chega ao mundo árabe
Sugestão de leitura: Narinja, Jokha Alharthi (@editoramoinhos)

12.08 (19h às 20h30): Vamos falar sobre a Palestina
Sugestão de leitura: Detalhe menor, Adania Shibli (@todavialivros)

19.08 (19h às 20h30): Os sectarismos no Iraque e no Oriente Médio
Sugestão de leitura: Ave Maria, Sinan Antoon (@editoratabla)

26.08 (19h às 20h30): Imigrações e diásporas árabes
Sugestão de leitura: Correio Noturno, de Hoda Barakat (@editoratabla)

Para participar é necessário fazer uma contribuição de R$220,00, faça a sua inscrição no link da bio da @aigolivros. As aulas serão gravadas e ficarão disponíveis por 30 dias.
🇵🇸“Gaza no coração” é semifinalista n 🇵🇸“Gaza no coração” é semifinalista no Prêmio Jabuti Acadêmico

O livro “Gaza no coração: história, resistência e solidariedade na Palestina” está entre os semifinalistas do Prêmio Jabuti Acadêmico. A indicação reconhece a relevância coletiva do trabalho que resultou na obra, organizada com o objetivo de reunir reflexões críticas sobre a Palestina e sua luta por autodeterminação.

Entre os autores e autoras que assinam os textos, estão os associados do Instituto da Cultura Árabe (ICArabe)Milton Hatoum (benemérito), José Arbex e Salem Nasser. Também participam da publicação Reginaldo Nasser,  Soraya Misleh, Safra Jubram e outros pesquisadores, jornalistas e ativistas comprometidos com o tema. O conjunto de artigos busca contribuir para o debate público sobre a realidade palestina, reforçando a urgência de interromper o genocídio em curso e a necessidade de fortalecer a solidariedade internacional com o povo palestino.

A obra foi publicada pela Editora Elefante, com edição de Tadeu Breda.

@sorayamisleh 
@salemhnasser 
@reginaldonasser 
@miltonhatoum_oficial
@josearbex
Seguir no Instagram
2025 Copyright © Icarabe Todos os direitos Reservados.
Os textos deste site são de responsabilidade de seus autores e estão disponíveis ao público sob a Licença Creative Commons. Alguns direitos reservados.

Digite acima e pressione Enter para pesquisar. Pressione Esc para cancelar.

Nosso site utiliza cookies para garantir que você tenha uma melhor experiência de navegação.