O deserto, uma cidade, o chá
É revelador o que conta A. Saint-Exupéry sobre o pouso forçado, à noite, no deserto.
No mundo moderno atrelamos os povos da península aos petrodólares, aos árabes endinheirados que se hospedam no Hotel Cryllon, em Paris, sem esquecer dos camelos e das altas temperaturas. Nos últimos anos associamos a península, também, à Dubai. Quem não conhece essa cidade? “As maravilhas de Dubai são para todo o mundo”, comenta uma diretora de agência de turismo – onde as mulheres são “normais” e não usam “burka”. No embalo da desinformação sobre o mundo árabe, o público médio cita a grandiosidade de Dubai, até mais que as guerras e o fundamentalismo religioso, como referência dominante. Ponta de deserto adulterada, Dubai se tornou presente no nosso cotidiano e quase todos conhecemos as imagens dos hotéis luxuosos, da pista de esqui, das ilhas artificiais. Muito longe, de fato, dos torneios de poemas quando se ouviam as cassidas pré-islâmicas.
Soraia Makhamra, em viagem a trabalho pela terceira vez, me enviou breve impressão sobre a Dubai que a acolheu do outro lado. Longe da grandeza artificial plantada no deserto, ela toma um chá apaziguante num entardecer de temperatura quase redentora. Nada de especial sobre os primeiros dias, além do envolvimento entre olhar e pensamento, o passar do tempo indefinido, o calor e o silêncio, talvez o eco do deserto além do alcance da sua visão, potente e pleno em sua natureza tórrida, cheio de sinais para quem sabe ver, a poucos quilômetros dali.
“Acho que já estou em Dubai. Há uma semana?!
“É primavera. Temperatura, 43° na sombra. Sexta e sábado chegou a 45° e o verão ainda está por vir. Acho que meu organismo começou a se acostumar com a mudança. Já não fico mais tão mal como no início, conheço melhor a cidade e tenho alguns poucos amigos, e isso ajuda muito. Mas o calor!!
“Estou agora em um cyber café tomando um chá, um vento gostoso de fim de tarde, o sol começa a baixar e a temperatura está nos seus 33°. Um paraíso comparado com horas atrás. As pessoas circulam mais pelas ruas de Dubai que parece, assim, bem mais humana.
“Estou bem, a viagem foi legal, menos cansativa: consegui quatro poltronas e pude dormir. Poltronas vazias no voo... reflexo da crise. Aqui essa crise financeira parece mais visível ainda. O medo de perder o emprego no olhar das pessoas, motoristas de táxi se queixam da falta de turistas, dos ajustes feitos pelas empresas para não perder tanto; lojas em permanentes promoções e liquidações. Mas todos comentam sobre o lado bom, que talvez agora Dubai volte a ser como era antes, com o custo de vida mais realista.
“Semana que vem tomo coragem e vou fazer o tal passeio noturno no deserto com uma amiga. É pra ser uma aventura e tanto, camelos, jantar, céu estrelado. Tomara que eu me lembre de tirar fotos. Prometi a mim mesma que vou aproveitar melhor as minhas vindas a este lugar.” – Soraia Makhamra
Lelia Maria Romero, poeta e escritora, autora de "Andaluza", coordena oficinas de escrita e participa do Conselho Cultural do ICArabe